O cavaleiro das trevas. O homem-morcego. O cruzado embuçado. O detetive sombrio. Batman tem muitos nomes, e o fascínio em torno do personagem só fez crescer ao longo das muitas décadas em que Bruce Wayne combateu criminosos, desde sua mídia original, nas histórias em quadrinhos, e saltando a todas as outras com sucesso. Hoje em dia, o vigilante da DC Comics é o mais popular dentre todos os super-heróis e um fenômeno multimídia que mobiliza adaptações e derivados no cinema, na TV, nos games etc. Para celebrá-lo, então, o HQRock promove um Dossiê Especial sobre a trajetória do Batman nos quadrinhos, com algumas pitadas e direcionamentos a outras mídias.

Batman Rebirth 01 cover
Batman: o mais popular super-herói da atualidade.

Como de costume, o HQRock mergulha nos bastidores editoriais que levaram o personagem a ser criado a se desenvolver, também fazendo referências à construção das cronologias e a recepção de público e crítica dos grandes eventos publicados ao longo de mais de oito décadas!

Também vale lembrar que este post foi originalmente escrito em 2011, mas foi revisto e ampliado em 2022.

A Criação do Batman

O que conhecemos hoje como DC Comics nasceu com o nome de National Periodicals em 1937, com revistas como Fun Comics e Detective Comics, sendo uma das primeiras editoras a investir em quadrinhos originais (e não republicações de tiras de jornal, como era mais comum então). Estávamos bem no início dessa nova mídia chamada de histórias em quadrinhos ou comics books.

Em 1938, a editora National lançou a revista Action Comics e alçou grande sucesso com um de seus personagens: o Superman, o primeiro dos super-heróis, algo que mudou completamente o mercado de quadrinhos dali em diante e fundou a chamada Era de Ouro. Querendo repetir o sucesso, a editora convidou a vários de seus colaboradores que criassem novos super-heróis para as revistas da casa, e dentre eles, estava o cartunista Bob Kane, de 24 anos.

Bob Kane, aos 29 anos.

Nascido Robert Kahn, em 24 de outubro de 1915, Bob Kane era filho de imigrantes judeus e vivia em Nova York, tendo aprendido a desenhar como autodidata desde criança. Ele estudou junto à futura lenda dos quadrinhos, Will Eisner, no ensino médio, e depois, estudou arte na Cooper Union antes de começar a trabalhar como desenhista nos estúdios de animação dos irmãos Fleischer, em 1934, que faziam alguns dos desenhos animados mais famosos da época, como Betty Boop e Popeye. Dali, dois anos depois, migrou para as HQs produzindo arte para o jovem editor Jerry Iger. Este havia se associado a Will Eisner e montado o Iger & Eisner Studios, que produziam material terceirizado para várias editoras em quadrinhos. Por coincidência, a maior parte do material que Kane produziu nessa fase terminou saindo nas revistas da National, como Adventure Comics, Detective Comics e More Fun Comics.

Dentre o material estavam tiras como Oscar the Gumshoe, que saia em Detective Comics, Rusty and his pals e Professor Doolittle, ambas em Adventure Comics. Ou seja, o jovem Kane já era um artista conhecido nos corredores da DC e, por isso, foi um dos convidados a criar mais super-heróis para a editora.

Como era um grande fã de histórias de detetive, em particular a tira de Dick Tracy, Kane decidiu criar um super-herói que atuasse nesse “ambiente”, apenas com elementos mais fantasiosos. Assim, pretendia manter também o caráter jovial de aventureiros mascarados que surgiam nas revistas de literatura pulp (revistas baratas, em papel jornal ou pior, com contos fantásticos), como Zorro; no rádio, como o Besouro Verde; ou mesmo nos quadrinhos (no caso, tiras de jornal), com o Fantasma de Lee Falk.

Uma reprodução do que seria o visual original do Batman por Bob Kane antes das sugestões de Bill Finger.

Sua primeira ideia foi um uniformizado com asas nas costas que chamou de Birdman, mas como a figura não lhe agradou, decidiu deixá-lo mais sombrio e chamá-lo de Batman (ou The Bat-Man, como era inicialmente), trocando as asas por uma capa como a do Superman, mas recortada na base de modo que sua sombra se assemelhasse à silhueta de um morcego. As ilustrações de um planador projetado por Leonardo Da Vinci no século XV também ajudaram.

Mas Kane não era um bom escritor, então, precisava de ajuda para desenvolver ideias e roteiros, portanto, foi atrás de um parceiro para desenvolver o novo personagem. Convidou outro amigo da escola (que como Will Eisner estudou com ele no ensino médio) um romancista amador chamado Bill Finger, que já escrevera anteriormente roteiros para os quadrinhos que desenhava para a DC.

Bill Finger, cocriador do Batman e seu principal roteirista no início.

Um ano mais velho do que Kane e nascido Milton Finger, em 08 de fevereiro de 1914, veio também de uma família judia ascendente da Áustria e que se estabeleceu primeiramente em Denver, no Colorado, onde nasceu, antes de se mudarem para o Bronx, em Nova York. Seu pai era um alfaiate, mas a família viveu momentos muito difíceis durante a Grande Depressão. Pouco se sabe de sua vida, mas ele desenvolveu grande apuro literário, era bom com pesquisa e tinha uma mente de arquiteto, sendo capaz de elaborar cenários com muita criatividade. Além de escrever histórias para Kane na DC, mesmo antes do Batman, Finger tinha um emprego fixo como vendedor de sapatos.

A intervenção de Finger foi essencial para o Batman se tornar o personagem que conhecemos e não o vigilante alado de roupa vermelha que Kane inicialmente imaginou. Segundo relatos do próprio Finger (em entrevista para o também quadrinista Jim Steranko, que escreveu um livro sobre a história das HQs) quanto do próprio Kane em sua autobiografia de 1989, o roteirista foi à casa do desenhista e viu o material que Kane havia produzido, e também versado em arte, Finger sugeriu uma série de mudanças no visual: luvas, um capuz completo que lhe cobrisse a cabeça, orelhas pontudas no topo, e uma capa flexível, mas recortada com as ondulações que Kane havia criado nas asas fixas de seu Bat-Man para que, contra a luz, a silhueta do Batman formasse realmente a imagem de um morcego.

O Batman, na arte de Bob Kane, em sua primeira aparição.

Essa é a grande ironia da história, ainda mais como as coisas seguiram seu curso depois, porque apesar de ser o roteirista, e não desenhista, no fim das contas foi Bill Finger quem deu o formato básico do Batman como personagem. E ainda escreveu suas primeiras histórias, ainda que Kane permaneceu como o “criador” do homem-morcego, como veremos.

Kane apresentou seu projeto do Batman ao editor da National, Vin Sullivan (o mesmo que aprovou a produção do Superman) e assinou um contrato.

Esboços de Kane para o Batman baseados em Da Vinci.

Como de praxe, o contrato com a DC cedia os direitos do Batman à editora, mas ao contrário da dupla Jerry Siegel e Joe Shuster que criara o Superman um ano antes, Kane garantiu certa porcentagem de direitos autorais, além da manutenção do crédito “criado por Bob Kane” nas histórias, independente de sua participação ou não. Como as primeiras provas agradaram muito à DC, Sullivan programou a estreia do Batman para o número 27 de Detective Comics, e garantiu que o personagem estivesse na capa, anunciando a chegada da novidade.

Sem Créditos para Bill Finger

Vamos adiantar um pouco as coisas antes de retornar… A estreia do Batman se provou um megassucesso imediato, por isso, logo depois, Bob Kane assinou um contrato de dez anos de produção de histórias do Batman (que depois ainda seria renovado por mais cinco anos).

Bob Kane manteve uma parcela dos direitos autorais do Batman por toda a vida.

Por um lado, esse contrato permitiu que Kane permanecesse ao longo dos anos como o principal criador do Batman, ao contrário de Siegel e Shuster que viram sua criação ser tomada de suas mãos muito cedo. Além disso, Kane era conhecedor de suas próprias limitações: tinha boas ideias, mas precisava de alguém para desenvolver um roteiro e sua arte não era muito dinâmica, embora sombria. Por isso, montou um estúdio em que atuava como ilustrador e editor, mas contratava roteiristas e desenhistas de maneira terceirizada para lhe auxiliar. O contato com a DC era realizado apenas por Kane que recebia a encomenda de histórias, encaminhava os serviços ao estúdio e os entregava à editora assinados por ele, como se apenas Kane desenvolvesse a história (roteiro, arte e nanquim), prática comum da época, ainda que condenável nos dias de hoje.

A editora não era ingênua e sabia da prática dos estúdios, mas simplesmente ignorava, pois aquilo não era “problema deles”: seu contrato era apenas com Kane.

Esta imagem de um jovem Bill Finger só veio a público bem recentemente, em meio ao processo de sua família contra a DC.

O resultado disso é que o escritor Bill Finger não recebeu crédito nenhum por sua contribuição. Por décadas ele escreveria algumas das melhores histórias do homem-morcego de sua época, criou ou cocriou parte significativa do elenco de apoio (incluindo a célebre galeria de vilões), mas jamais teve em vida o reconhecimento por isso. Era uma informação sabida dentro da indústria e, nos anos 1960, quando o Batman ficou extremamente popular por causa daquela série de TV (falaremos dela adiante) e o fandoom (a comunidade organizada de fãs) se tornou mais ativa, sua contribuição já era algo bem conhecido e documentado, embora Batman continuasse com os créditos de “criado por Bob Kane” apenas.

Finger morreu precocemente em 1974 (aos 59 anos), vítima de uma doença cardíaca, mas posteriormente, Kane reconheceu a publicamente a contribuição dele para a criação do Batman, o que tornou a atuação da dupla de conhecimento público desde muito tempo. Tanto que em 2005 a San Diego Comic-Con criou o The Bill Finger Award for Excellent Writing in Comics, premiação que celebra a contribuição de dois artistas (um vivo e um morto) todos os anos.

Apesar disso, Kane permaneceu como o único criador oficialmente creditado até 2016, quando em razão da publicidade gerada pela biografia (em quadrinhos!) sobre o escritor realizada por Marc Tyler Nobleman (Bill, The Boy Wonder) motivou um processo judicial de seus herdeiros contra a Warner Bros., resultando na DC Comics tomar a iniciativa (mediante um acordo) de passar a creditar a criação do Batman oficialmente como “criado por Bob Kane com Bill Finger”.

Bill Finger: herói não celebrado.

Em consequência, Finger ganhou um documentário no canal Hulu, Batman and Bill, exibido em 2017, na mesma época em que o beco da East 192nd Street com o the Grand Concourse no Bronx foi batizado de Bill Finger Way em homenagem ao escritor, porque ficava próximo à sua residência e ao canto do The Edgar Allan Poe Park no qual ele e Kane se reuniam para discutir as histórias do Batman.

A Estreia do Homem-Morcego

A capa de “Detective Comics 27” com a estreia do Batman.

O Batman estreou em Detective Comics 27 de maio de 1939 em um conto de oito páginas chamado “O caso do sindicato dos químicos”, com roteiro de Bill Finger e desenhos de Bob Kane. É uma típica história de detetive, inclusive no formato: se inicia com o Comissário de Polícia Gordon e seu amigo, o jovem playboy milionário Bruce Wayne, conversando até o primeiro ser notificado do assassinato de um rico empresário do ramo químico.

Batman mata um bandido, por Bill Finger e Bob Kane.

O policial vai investigar e o playboy o acompanha porque não tinha mais nada o que fazer. A trama avança para um mistério envolvendo a morte de vários sócios e a figura sombria do Batman, que é perseguido pela polícia. Inclusive, mostrando-se mais violento ainda do que depois ficaria estabelecido, o homem-morcego mata um dos criminosos ao jogá-lo de cima do telhado de uma casa de dois andares.

Nessa ação, o herói recupera um documento que lhe permite desvendar o mistério e prender o responsável, mas somente no último quadrinho o leitor fica sabendo que Bruce Wayne é o Batman.

O roteiro de Finger é realmente interessante e honra as típicas histórias de detetive tão populares na época, com influências claras de Edgar Allan Poe, Arthur Conan Dole e Raymond Chandler. A arte de Kane, por sua vez, é rígida e repetitiva, sem grande expressão, ainda que consiga criar um clima noturno e sombrio.

Mas como a maioria dos grandes personagens, Batman não nasceu pronto: nessa primeira história não somente seu visual ainda é “primitivo” (usa luvas simples, não tem braceletes ainda, sua capa parece rígida na maior parte do tempo e suas orelhas estão mais posicionadas nas laterais da cabeça, em vez do topo como seria mais comum em breve), mas seu modus operandi também é diferente: ele não carrega uma arma, mas ao socar o corrupto empresário ao fim e ele cair em um tonel de ácido, se regozija com um “é um fim merecido para sua laia”.

Batman e seu sedã vermelho…

Essa aventura deixa um monte de curiosidades: a cidade em que se passa a história não é nominada (porque demoraria mais de um ano para Bill Finger criar a ideia de Gotham City); temos um pequeno vislumbre da Mansão Wayne (mas só por dentro e sem ter a dimensão de uma propriedade rural); e mais importante, Batman não tem um Batmóvel propriamente dito, porém, usa um sedã vermelho possante, que é o mesmo que Bruce Wayne usa durante o dia. Os historiadores identificam o veículo como sendo um Cord Sedã 1936. Ao fim e ao cabo, esse ainda é considerado o primeiro Batmóvel.

… aqui em sua versão toy: o primeiro Batmóvel.

Ademais é interessante reportar que Detective Comics era uma revista do tipo antologia ou mix, quer dizer, publicava uma série de personagens e histórias diferentes ao longo de 64 páginas, de modo muito similar ao modelo tradicionalmente adotado nas HQs brasileiras, mas hoje um tipo raro, quiçá inexistente (pelo menos nas grandes editoras), nos EUA – nas quais as revistas de super-heróis contêm uma única história de 24 páginas.

Batman salta para a ação, num gesto que irá virá padrão, na arte de Bob Kane em sua primeira história.

O combo do número 27 de Detective Comics trouxe uma miscelânia de tramas, misturando super-heróis, aventura, espionagem e faroeste, com o Batman na primeira história da revista, seguido por Speed Saunders (um investigador que aparecia desde a edição 01 da revista); Buck Marshall (faroeste); Bart Regan (um espião, por Jerry Siegel e Joe Shuster – os criadores do Superman); The Crimson Avenger (um aventureiro uniformizado que era um plágio do Besouro Verde em todos os aspectos, mas que no futuro, ganharia um uniforme de super-herói ao estilo do Starman); a história Death on the airwaves (escrita em prosa – sem desenhos – por Gardner Fox); Bruce Nelson (detetive); uma adaptação dos livros de Fu Manchu (o vilão chinês criado pelo escritor Sax Rohmer, que mais de 30 anos depois seria incorporado ao Universo Marvel por meio das aventuras de Shang-Chi, o Mestre do Kung Fu); o detetive Cosmo, o fantasma do disfarce (que também aparecia desde a edição 01); e o detetive Slam Bradley (que também aparecia desde a edição 01 e era outra atração de Siegel e Shuster).

Como se vê, das 10 histórias, três personagens apareciam de maneira fixa desde o início da revista, todos três com histórias de detetive (daí o título da revista) e dois deles da dupla Siegel e Shuster, que eram dois dos principais artistas da DC Comics antes mesmo de criarem o Superman.

Mas o futuro mostraria que Batman havia chegado para acabar com todos eles.

Um Vigilante Violento

No mês seguinte, Detective Comics 28 chegou às bancas, sem trazer Batman na capa, mas sim, uma imagem referente à aventura do Speed Saunders. Isso seria uma constante naqueles primeiros tempos: Batman ocupava as capas de Detective Comics nas edições ímpares, enquanto nas pares apareciam as outras atrações da publicação que, diga-se de passagem, tinham um público fiel há mais de dois anos. Mas desde o início a DC sabia que tinha ouro nas mãos com o personagem de Kane e Finger e investiu nisso.

A trama da história do homem-morcego segue um parâmetro similar à anterior: uma quadrilha de ladrões de joias aterroriza os ricos e Bruce Wayne se passa pelo Comissário Gordon para conseguir pistas sobre os crimes, descobrindo quem é o líder da quadrilha e seu próximo alvo. O cavaleiro das trevas impede o roubo a um apartamento, mata um dos bandidos ao derrubá-lo lá de cima, e deliberadamente faz a polícia pensar que ele está envolvido no roubo. A cena em que é encontrado pelos oficiais define um pouco o nível de habilidade do herói, com ele saltando de um prédio para outro e usando a Bat-corda pela primeira vez para deslizar no ar entre os edifícios.

Batman impede um segundo roubo e, depois, vai ao encalço do líder da quadrilha, mostrando que não tem tantas restrições: usa a corda para dependurar o criminoso pela janela e ameaça cortá-la caso não assine uma confissão. Depois, entrega o bandido na porta da delegacia, novamente, usando o possante sedã vermelho que é o mesmo de Bruce Wayne. (Vai ver, nenhum guarda de trânsito lembrava de anotar a placa).

Inconsistente como era, a arte de Bob Kane traz dessa vez um Batman mais alto e esguio do que o da edição anterior, enquanto para aqueles aficionados por detalhes há uma pequena mudança visual, com a fivela do cinto de utilidades aparecendo quadrada e não redonda como era da outra vez. O herói aparece sem luvas dessa vez, mas como Bill Finger mencionou explicitamente o uso de luvas em suas entrevistas, trata-se, mais provavelmente, de um erro de coloração apenas.

A Chegada de Gardner Fox

Uma coisa que ficou clara de início foi que era preciso imprimir um ritmo forte de trabalho para dar conta da demanda de uma publicação mensal. Naqueles inícios, Kane e Finger ainda produziam as outras tiras além do Batman, e Finger era um escritor meticuloso: fazia roteiros detalhados e, inclusive, recortava imagens e figuras de livros e revistas e anexava ao texto para servir de referência ao desenhista para reproduzi-los como cenários das tramas. Isso tomava tempo e ele ainda mantinha, por enquanto, seu emprego em uma loja de sapatos.

O jovem Gardner Fox se reúne à equipe, como escritor.

Por isso, Detective Comics 29 trouxe não somente a segunda capa do Batman na publicação, mas também a estreia de um segundo roteirista para trabalhar com Kane: o advogado Gardner Fox. Nascido em 1911 (três anos mais velho que Kane) e criado no Brooklyn, Fox era um garoto prodígio: se formara como advogado pela St. John University em 1935 e era um voraz leitor, dono de um ar intelectual e profundo conhecedor das coisas. Como a Grande Depressão tornava seus clientes cada vez mais escassos, deu vazão à veia escritora e começou produzir de maneira frenética e prolixa tanto contos para revistas pulp quanto histórias em quadrinhos e se saiu muito bem nisso.

Fox era parte da equipe de escritores de Detective Comics desde o número 01 e era o nome por trás de tiras como Speed Saunders, Steve Malone e Bruce Nelson (muito delas assinadas por pseudônimos), além das histórias do mágico Zatara em Action Comics. Quando a DC Comics convidou escritores de seu staff para criarem novos personagens à sombra do Superman – no que resultou em Kane e Finger apresentarem o Batman – Gardner Fox foi outro que atendeu ao chamado de maneira notoriamente bem sucedida: Sandman, um vigilante armado com uma máscara de gás e uma pistola de gás estreou em Adventure Comics 40, de julho de 1939; e logo mais, outros super-heróis viriam como Flash, Hawkman (Gavião Negro no Brasil), Doutor Destino… Logo eram tantos personagens que o editor Max Gaines (da editora irmã da DC, a All-American Comics) encomendou uma história que os reunisse, nascendo a Sociedade da Justiça, o primeiro grupo de super-heróis dos quadrinhos, que décadas depois serviria de inspiração para a Liga da Justiça – que diga-se de passagem, também foi criada por Fox.

Enfim, mesmo naquele momento de inícios de 1939, Gardner Fox já era um dos principais escritores de HQs da DC (e seria mais ainda no futuro) e, provavelmente, foi uma indicação de Vin Sullivan para que se unisse a Kane para adiantar algumas histórias do Batman e ajudar Finger a não ficar tão sobrecarregado.

A segunda capa de Batman, em “Detective Comics 29”, traz o primeiro vilão recorrente: o Dr. Morte.

A chegada de Fox unindo-se a Kane já rendeu algumas incorporações interessantes: Detective Comics 29 traz o que pode ser considerado o primeiro vilão propriamente dito que o Batman enfrentou, o Doutor Morte (Karl Helfern). Na trama, o típico cientista louco da época cria um poderoso veneno a partir de pólen e começa a chantagear ricos para não matá-los. Batman intervém, é baleado pela primeira vez (no braço), mata o capanga Jabah estrangulando-o e encurrala o Dr. Morte em seu laboratório, onde o vilão termina, aparentemente, morrendo num incêndio.

Um elemento importante nessa história é a utilização do cinto de utilidades, com Batman guardando um gás paralisante em um recipiente cônico dentro do cinto, algo que passaria a ser parte integrante integral da mitologia do morcego. Contudo, nunca ficou totalmente esclarecido se a ideia de rechear o cinto com apetrechos foi de Kane ou Fox (ou mesmo uma sugestão de Finger que ainda não tinha sido explicitamente usada), porém, como foi Fox quem escreveu a história, a ele coube tradicionalmente esse crédito. O herói também usa uma luva especial com ventosa e uma joelheira para escalar um edifício, e continua usando sua Bat-corda. Ah, e após ser grafado como “Bat-Man” nas duas primeiras histórias, essa terceira adota definitivamente “Batman”.

Para mostrar que o Doutor Morte era realmente um típico vilão, ele retorna em Detective Comics 30, tornando-se não somente o primeiro vilão, mas também o primeiro vilão recorrente. Na trama, Batman investiga o assassinato de um homem envenenado e reconhece o estilo do Dr. Morte; que sobreviveu ao incêndio, embora tenha ficado com terríveis queimaduras no rosto. O cavaleiro das trevas enfrenta o capanga do vilão, o cossaco Mikahil, e o mata quebrando seu pescoço com um chute, mas prende o Dr. e o entrega à polícia.

Bruce Wayne inspeciona seu equipamento, em especial, o cinto de utilidades.

Apesar do mérito, contudo, o Dr. Morte não apareceria de novo numa história até 1982, ficando, portanto, décadas esquecido. Outro elemento interessante da trama é que, além do gás no cinto, da corda e das luvas de escalada, vemos um pouco mais da Mansão Wayne nessa edição, e que Bruce Wayne guarda seu uniforme dentro de uma arca na sala de estar! Também a arte de Kane passa a retratar as orelhas da máscara como mais altas e pontudas, ainda que estejam mais direcionadas à lateral da cabeça do que ao topo como seria mais comum um pouco adiante. Mas sem dúvidas, o visual com orelhas grandes e pontudas era mais assustador.

A melhor e mais famosa das primeiras aventuras do Batman com capa que resguarda as mesmas características.

Ainda sob a caneta de Gardner Fox e com arte de Bob Kane, segue-se a melhor e mais importante das histórias desse primeiro ciclo, com Batman vs the Vampire, em Detective Comics 31 e 32, de setembro e outubro de 1939. Na trama, somos apresentados a Julie Madison, a noiva de Bruce Wayne, que ataca um homem na rua e esquece o episódio. Batman intervém e, como Bruce Wayne, a leva em um médico, que afirma que ela foi hipnotizada, recomendando que a moça vá espairecer numa viagem interoceânica para Paris ou Hungria. O herói suspeita que o médico também está sob efeito de hipnose, mas deixa o plano se desenrolar.

Julie Madison faz sua estreia.

Julie faz a viagem de navio, e Batman a segue usando o seu novo veículo, o Batgyro (chamado de Batplano na edição seguinte), um tipo de pequeno helicóptero, e no barco enfrenta o Monge, que é o primeiro vilão mascarado e com poderes que o homem-morcego encontrou. Após quase sucumbir à hipnose, o cavaleiro das trevas foge e segue para Paris em busca da amada sequestrada, enfrentando o Monge e seu capanga, um gorila gigante, num esconderijo cheio de armadilhas as quais escapa usando sua nova arma: o Batarangue, um bumerangue em formato de morcego que seria outro elemento essencial do cânone dali em diante.

Mas o vilão escapa junto com Julie. Batman supõe que eles foram para a Hungria e os segue. Passamos a edição 32, na qual o herói encontra Dala ,uma vampira também hipnotizada pelo Monge, mas após atingir o herói na cabeça com uma estátua (primeira pancada forte que o Batman recebe de um adversário) ela sai do transe e se faz de aliada. Batman usa o Batplano para chegar ao castelo do vilão nas montanhas, e lá o Monge se revela como um vampiro e lobisomem ao mesmo tempo, de novo usando uma armadilha com um fosso cheio de lobos do qual o homem-morcego escapa usando o gás paralisante e sua corda presa por um Batarangue.

No fim, ele pega uma estátua de prata para derretê-la e forjar duas balas que põe em uma pistola e mata o Monge e Dala com tiros enquanto dormem em seus caixões.

Imagem típica do Batman pelas mãos de Bob Kane.

Além da violência mortífera do Batman, que seria abrandada tempos depois, essa aventura também traz uma curiosidade: na edição 31 a cidade em que ele atua é nomeada pela primeira vez, como Nova York! Até então era apenas “a cidade” e a ideia de Gotham City ainda não havia nascido.

A Origem do Batman

Foi somente depois de seis histórias publicadas que a Batman ganhou uma origem. Por isso, Detective Comics 33, de novembro de 1939, abre com uma pequeno prólogo de duas páginas escrito por Bill Finger e com arte de Bob Kane (e provavelmente, nanquim de Jerry Robinson). A concisa trama mostra o casal Martha e Thomas Wayne serem assaltados e mortos num beco por um bandido comum (anos depois, ele seria batizado como Joe Chill), na presença de seu filho, Bruce, que aparenta ter uns 8 ou 10 anos. Traumatizado, o jovem milionário faz uma jura de combater o crime e, na vida adulta, treina o corpo e a mente para tal missão; adotando o disfarce de um morcego após ver um desses animais voando e pensando que ele pode instilar o terror no coração dos criminosos, nascendo o Batman, 15 anos depois (ou seja, o herói teria algo entre 23 e 25 anos).

O texto de Finger ficou célebre:

Criminosos são covardemente supersticiosos. Então, meu disfarce deve ser capaz de instilar o terror no coração dos criminosos. Uma criatura da noite… negra, terrível, um… [o bicho aparece na janela] Um morcego! É isso, é um sinal! Eu devo me tornar um morcego!

Mesmo com a DC passando por inúmeras reformulações 80 anos seguintes, praticamente nada dessa origem foi modificada até hoje, sendo apenas ampliada e detalhada pelos escritores posteriores, e também aparecendo em todo tipo de mídia.

A Chegada de Jerry Robinson

No início do verão de 1939, Detective Comics 27 tinha sido lançada há pouco tempo e Bob Kane descansava em um resort em Nova Jersey quando viu um menino usando uma daquelas jaquetas típicas de universitários americanos, só que customizada, decorada com vários desenhos a mão. Impressionado pela qualidade das gravuras, abordou o rapaz e lhe perguntou quem fizera aqueles desenhos, e tinha sido ele mesmo. Kane se apresentou, disse que era artista, que tinha acabado de lançar o Batman (o jovem não conhecia) e, depois alguma conversa, lhe ofereceu o trabalho de ser seu assistente.

O jovem em questão era Jerry Robinson, que tinha apenas 17 anos. Nascido em 1922 em Trenton, Nova Jersey, também tinha background judeu, seu pai nascera na Rússia e fugiu da perseguição antissemita do Czar no fim do século XIX, imigrando primeiro em Nova York, onde casou e mudou-se para Trenton. Robinson nascera numa família numerosa e sua mãe tinha o diferencial de trabalhar, sendo a chefe do setor de registro contábil de um grande empresa (um cargo muito importante numa época em que não existiam computadores). Sua família era adepta das artes (seu pai construiu o primeiro cinema da cidade) e seus irmãos tinham formação universitária.

Naquele momento, o pequeno Jerry tinha a ambição de ser escritor e fora aprovado em três universidades para estudar Jornalismo, mas era um desenhista autodidata. Ainda sentindo os efeitos da Grande Depressão e precisando de dinheiro para pagar os estudos, com a proposta de Kane, não pensou duas vezes: se matriculou na Universidade de Columbia e alugou um quitinete no Bronx, para viver próximo de Kane e Finger. No primeiríssimo momento, ele fez o letramento das histórias, mas bem no começo começou a finalizar em tinta nanquim o lápis de Kane.

Dali em diante, a produção de Batman passou a ser o serviço do trio Finger, Kane e Robinson. Como os créditos da época só traziam o nome de Kane e os registros da editora se perderam, não há muita certeza qual a primeira história traz a contribuição de Robinson, mas segundo seu depoimento, foram as últimas edições lançadas no ano de 1939, o que parece apontar para o número 36 que é a aposta dos historiadores e críticos, como veremos abaixo. A partir daí, a arte da tira se beneficiou muito do incremento de Robinson, que ao longo do ano seguinte passaria a assumir cada vez mais responsabilidades.

Dominando a Revista

Retornando a Detective Comics 33, a origem do Batman foi apenas a introdução da revista, que trouxe uma grandiosa aventura – escrita por Gardner Fox – na qual um vilão armado de um enorme dirigível vermelho ataca Nova York (sim, não Gotham) com um raio que explode edifícios. Batman tem uma árdua batalha (é baleado pela segunda vez e também leva outra grande pancada na cabeça) e num gesto quase suicida lança seu Batplano contra o dirigível, fazendo-o despencar do céu.

Exemplo do Batman com arma, na abertura da edição 35.

Nessa história, o herói também usa uma arma de fogo pela segunda vez e é revelado que Bruce Wayne tem um laboratório secreto escondido atrás de uma parede falsa em sua biblioteca, que é onde desenvolve suas armas (a ideia da Batcaverna só seria desenvolvida depois). E apesar de milhares de pessoas morrerem na aventura, este evento jamais é mencionado de novo em aventuras futuras. Ademais, é interessante anotar que a trama que introduziu o vilão Lex Luthor nas histórias do Superman (em Action Comics 23, de abril de 1940 – portanto cinco meses depois) guarda muitas semelhanças com essa história do Batman.

Detective Comics 34 trouxe uma curiosa história do Batman situada em Paris, na França, o que parece sugerir que se passava durante os eventos das edições 31 e 32, mas o mais importante: o número 34 foi a última vez em que Detective Comics teve uma capa não relacionada ao Batman. Até então, o herói alternava a aparição nas capas com as outras atrações da revista.

Detective Comics 35 traz o Batman na capa – nenhuma novidade, pois ele sempre vinha nos números ímpares – e uma história que marca o retorno de Bill Finger aos roteiros, com a ação em Chinetown e o roubo de uma estátua de rubi representando a deusa da morte (e da sexualidade) hindu Kali. Dessa vez, Batman mata um bandido com um golpe da própria espada e lança o vilão principal para a morte pela janela. Mas o mais importante: é a primeira aparição do Batmóvel propriamente dito, porque o herói usa um possante conversível azul nessa aventura, não sendo mais o sedan vermelho que Bruce Wayne também usava.

O primeiro Batmóvel propriamente dito, aqui na edição 37.

Detective Comics 36, de fevereiro de 1940, traz a primeira capa em número par para o herói (marcando o fim das capas com outros personagens) e é a primeira edição com Jerry Robinson fazendo a tinta nanquim e embelezando e melhorando a arte de Kane. A trama guarda importância por trazer a estreia do Professor Hugo Strange, que usa uma máquina de criar neblina para escapar de seus crimes, numa boa história de Bill Finger. Na edição 37 há uma trama internacional.

Capa de “Detective Comics 36”, por Bob Kane.

A Chegada de Whitney Ellsworth

A partir da época da edição 37 de Detective Comics, a DC Comics passou por uma mudança editorial importante. Desde os seus primeiros dias, a redação era comandada por Vin Sullivan, o que cara que comissionou a produção de histórias de Superman e Batman. Mas o prestígio do editor o levou a receber uma substancial proposta da Columbia Comics, uma nova e ambiciosa editora que tentava surfar no sucesso enorme e repentino dos super-heróis, e Sullivan deixou a National Periodicals.

Whitney Ellsworth em foto dos anos 1950.

Seu lugar foi ocupado por Whitney Ellsworth, que assumiu o cargo de editor executivo (e não editor-chefe, por algum motivo). Nascido em 1908 no Brooklyn, em Nova York, era um escritor de contos nas revistas pulps e em tiras de jornal e foi editor assistente no começo da National, em 1937, mas se desligou e passou um par de anos morando na Califórnia, publicando seus textos. Com a saída de Sullivan, Ellsworth foi chamado de volta e aceitou, agora como o chefe da redação, com apenas 32 anos de idade.

Ellsworth ocuparia o cargo por décadas, sendo portanto, a voz final nas decisões criativas que envolviam Superman, Batman e todos os personagens da linha DC. (Lembrando que na época, a National era divida em duas empresas, a DC – casa do Batman e do Superman – e a All-American, casa de Lanterna Verde, Flash, Sociedade da Justiça e Mulher-Maravilha; que era responsabilidade do editor Max Gaines). Mas lembre que, no ponto em que estamos de nossa história, no início de 1940, a maioria desses outros personagens nem existia ainda).

A chegada de Ellsworth coincidiu com uma guinada importante nas histórias do homem-morcego, com a estreia de seu parceiro-mirim (sidekick): um certo menino prodígio (boy wonder).

A Estreia do Robin

Em sua famosa entrevista ao Comic Book Journal, Jerry Robinson diz que, no momento em que começou a trabalhar com Bob Kane e Bill Finger nas histórias do Batman, já estava em discussão a criação de um garoto para atuar ao lado do Batman. Pelo o que os relatos dão a entender, Finger queria criar um novo personagem com quem o Batman pudesse conversar ao longo das histórias, em vez de estar sempre sozinho ou apenas pensando; e Kane teve a ideia de criar um herói mirim, para que os jovens leitores pudessem se identificar.

“Detective Comics 38”, com a estreia de Robin, já com a notável influência de Jerry Robinson.

Robinson disse que o trio mantinha uma lista de mais de 30 nomes, procurando o título certo para o novo herói, e ele mesmo terminou por recomendar Robin, que via como uma palavra bastante juvenil (trata-se de um pássaro chamado de tordo, no Brasil) e remetia ao herói de sua infância, Robin Hood. Robinson também reivindica a criação do visual do menino prodígio, que ele baseou nas belas gravuras de N.C. Wyeth para um livro sobre o personagem medieval.

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A estreia do Robin se deu com alarde em Detective Comics 38, de abril de 1940, numa história de Finger, Kane e Robinson. Na trama, vindo de uma família de trapezistas, Richard “Dick” Grayson vê a família morrer no picadeiro por meio de uma armadilha realizada pelo gangster Tony Zucko, que está chantageando o Circo Hally onde trabalham. Comovido por ver um menino reproduzindo uma história similar a sua própria, Bruce Wayne resolve adotá-lo e treiná-lo para combater o crime como ele. O texto esperto de Finger, inclusive, deixa bem claro que Bruce Wayne não assume o papel de pai do garoto, mas de seu tutor; o que provavelmente era uma estratégia para não “envelhecer” o Batman (retratado como alguém de uns 25 anos de idade) com um título de paternidade.

A origem do Robin por Finger, Kane e Robinson.

Mas não pense nem por um momento que a introdução de um garoto de 12 anos trouxe qualquer “alívio” à violência dominante nas histórias. Naquela estreia, o próprio menino prodígio derruba dois bandidos para a morte certa do alto de um prédio em construção, por exemplo. As histórias continuaram violentas e não somente o Batman, mas o Robin também matava seus inimigos.

O Robin em sua primeira ação, em Detective Comics 38.

Uma curiosidade da história é que, apesar do Batmóvel já ter sido modificado duas revistas antes como aquele modelo azul e conversível, por algum motivo, o sedan vermelho é usado novamente na edição 38. Talvez, as histórias não tenham sido publicadas na ordem em que foram feitas, inclusive, por que o número 37 anunciava para a edição seguinte a história dos Homens-Monstros, mas tal trama só apareceu mais para frente, substituída pela do Robin, o que indica alguma flutuação na ordem das tramas.

Mas o novo personagem fez muito sucesso, atendendo à expectativa de seus criadores de gerar uma identificação com as crianças e os mais jovens. Não à toa, a presença de um “parceiro mirim” se tornou obrigadora para todos os heróis da época: Flash e Kid Flash, Arqueiro Verde e Ricardito (Speedy), Capitão América & Bucky etc.

A segunda aventura da dupla dinâmica se dá a seguir, em Detective Comics 39, com mais uma aventura em Chinetown, contra uma quadrilha de contrabandistas de ópio. Curiosamente, Batman insiste que Robin fique em casa – como para mostrar que ele não está totalmente pronto ainda – mas o menino prodígio desobedece e termina num duelo contra um espadachim, tendo como defesa apenas uma espada de madeira, precisando da ajuda do homem-morcego para escapar dessa vez. Esta edição trouxe também uma pequena participação de Julie Madison, a noiva de Bruce Wayne.

Primeira Revista Solo

Àquela altura, no início de 1940, as histórias de Batman eram um grande sucesso, por isso, Whitney Ellsworth achou que chegara o momento do cavaleiro das trevas ter uma revista somente sua. É preciso lembrar que, naqueles tempos, a despeito do mercado de quadrinhos estar bastante aquecido – novos super-heróis de sucesso, como Tocha Humana, Namor, o príncipe submarino, The Flash e o Shazam (conhecido então como Capitão Marvel) estavam chegando às bancas – a lógica que imperava eram a das revistas mix, com vários personagens, como Detective Comics (que continuava publicando 8 histórias por mês, de personagens como Slam Bradley, Bart Regan, Red Logan, Crimson Avenger, Speed Saunders e Cliff Crosby).

Porém, um ano antes, Vin Sullivan tivera a ideia de criar a revista Superman, trazendo quatro histórias completas, 64 páginas e periodicidade trimestral, como maneira de impulsionar as aventuras do homem de aço que já saiam em Action Comics. Então, Ellsworth decidiu usar a mesma estratégia com o Batman.

A revista Batman teria as mesmas características e, por ser trimestral – um número para cada estação – ficava mais tempo em banca, o que aumentava a possibilidade de novos fãs e leitores a encontrarem e usarem como referência. Era um tipo de revista-evento, pensada para atrair mais público e ter um caráter um pouco mais especial do que as histórias mensais. Assim, pelo menos metade das histórias da nova revista representavam o melhor do material que vinha sendo produzido. A ideia era impactar. E deu muito certo.

Capa de “Batman 01”, nova revista trimestral lançada em 1940.

Batman 01, lançada na primavera de 1940, trouxe uma bela capa com a dupla dinâmica deslizando em suas cordas e a estreia de dois personagens fundamentais no cânone do homem-morcego: o Coringa e a Mulher-Gato, embora esta tenha sido chamada apenas de The Cat nesta primeira vez.

Primeira página da história com a primeia aparição do Coringa em “Batman 01”. Texto de Finger, arte de Kane e Robinson.

O grande destaque de Batman 01 foi, claro, o Coringa e a criação do vilão era fruto de disputa entre o trio Kane, Finger e Robinson. Na versão de Kane, Finger criara o Coringa a partir da imagem de Conrad Veidt no filme alemão O Homem que Ri, ele próprio criara o visual; e que Robinson criara somente a carta de baralho que retrata o vilão. Depoimentos de Finger parecem corroborar essa versão, porque ele diz explicitamente que Kane criou o visual mais sinistro do Coringa (indo além daquela imagem do filme). Robinson, por sua vez, vinha de uma família de jogadores de baralho e afirma que criou o visual do Coringa, dando a Kane o crédito da primeira ideia e de Finger como cocriador porque escreveu a história. Também menciona que Finger teria lhe dito que o lembrava do personagem do filme.

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Porém, Robinson sempre clamou o crédito de principal criador do Coringa – sem omitir as contribuições de Kane e Finger – e assim passou a ser mencionado por críticos e historiadores. Também pesa o fato de que com o passar dos anos, como veremos a seguir, coube ao jovem artista a primazia na ilustração do príncipe palhaço do crime. Oficialmente, a DC credita a criação do Coringa a Finger, Kane e Robinson, com a primazia deste último.

Jerry Robinson nos anos 1940 e o Coringa desenhado por ele.

O Coringa foi bombástico desde a sua estreia. O personagem causou uma impressão tão forte que ele aparece não em uma, mas em duas das quatro histórias de Batman 01. Criada provavelmente como mais uma cotidiana trama para Detective Comics, a história escrita por Bill Finger impressionou tanto o editor Whitney Ellsworth, que ele pediu para que Kane mudasse o final, pois no plano original o vilão morreria ao fim da história. Entendendo o potencial do personagem, a trama foi modificada para o Coringa sendo preso ao fim – provavelmente, ele morreria caindo do edifício, como está na história, mas a versão publicada mostra o Batman impedindo a queda, segurando o vilão pelo braço.

E mais: Ellsworth encomendou logo um retorno do palhaço assassino e colocou ambas as aventuras como a primeira e a quarta história de Batman 01.

Na primeira aventura, o palhaço do crime faz sua estreia com uma trama em que sai matando figuras ilustres e ricas da cidade – o nome Gotham ainda não tinha sido criado! – afim de roubar artefatos valiosos e, para humilhar as autoridades, anunciava a data e a hora dos homicídios, e mesmo assim, conseguia realizá-los. O mortífero gás do riso que causa a morte das pessoas e as deixa com um sorriso estático estampado no rosto, marca maior do Coringa, também já é usado nessa primeira aventura. A trama deixa claro que o vilão faz isso muito mais para criar o caos do que para seu benefício próprio. Mesmo sabendo que os assassinatos iriam ocorrer, a polícia não consegue deter o criminoso, que sempre cumpre o prometido com ações geniais, matando muitas pessoas no meio do caminho. Numa caçada de gato e rato, o Coringa sequestra o Robin e quase o mata antes do Batman salvá-lo. Na luta entre os dois, vilão quase cai do edifício, mas o homem-morcego o impede e o assassino vai para a prisão.

Lua entre Batman e Coringa na faca!

Na outra história, o Coringa consegue fugir explodindo sua cela – a partir de uma bomba escondida em um dente falso! – e, agora, organiza uma série de roubos também pré-anunciados. Essa história é ainda mais violenta, e o vilão mata uma dezena de policiais em sua ação frenética, o Robin é lançado do alto de um prédio (mas consegue se segurar num mastro) e a batalha final entre Batman e Coringa se dá com o criminoso armado de uma faca. O herói faz ele esfaquear a si mesmo e o bandido é levado em uma ambulância, mas o médico diz que ele irá sobreviver.

Críticos já perceberam que muitos elementos dessas duas histórias foram usados futuramente no filme Batman – O Cavaleiro das Trevas, com Christian Bale e Heath Ledger como o Coringa, como os crimes anunciados, o caos, a chacota ao crime organizado comum, o vilão disfarçado de policial (sem maquiagem) para matar alguém, a predileção por facas (em vez de armas de fogo) e até escapar da prisão com um explosivo escondido no corpo (embora no filme não seja um dente, mas um celular na barriga de outro preso).

E ainda havia mais! A segunda história da revista é Os Gigantes de Hugo Strange, trazendo o retorno do vilão que já havia aparecido em Detective Comics 36. Como já vimos, o retorno do cientista iria acontecer na edição 38, mas os planos provavelmente foram mudados para que Robin aparecesse na revista ainda antes da publicação de Batman 01. Por causa disso, essa aventura não traz o menino prodígio, mas o cientista criando uma série de homens gigantes (de 3 metros de altura) a partir de um soro injetado nos companheiros de cela do asilo em que estava internado (não é nomeado, mas será um precursor do Arkham).

Para vencê-lo, Batman usa seu Batplano e uma metralhadora, com a qual mata vários capangas e os monstros, o último do qual atirando-o do alto de um prédio. Essa aventura ganharia uma releitura décadas depois como uma minissérie.

A terceira história de Batman 01 traz a estreia da Mulher-Gato, embora sem que o nome Selina Kyle seja pronunciado e com a personagem referenciada apenas como The Cat (a gata). O recurso é utilizado porque a trama faz mistério sobre a identidade do ladrão (em inglês, o nome é neutro): enquanto Batman está ocupado, Dick Grayson se infiltra como trabalhador num navio que vai celebrar o aniversário de uma ricaça dona de um colar valiosíssimo. Uma série de suspeitos se apresenta para roubar o artefato e até uma gangue usa um barco para tal, mas Robin intervém, o Batman aparece, e descobrem que a verdadeira ladra – a tal Gata – estava disfarçada como uma senhora idosa.

Ao ser pegue, a Mulher-Gato faz uma proposta ao homem-morcego: se unirem na vida de crimes e ficarem juntos, mas ele recusa (dizendo que ficou tentado pela proposta, mas que ambos estão em lados diferentes da Lei), levando-a em sua Batlancha (que aparece pela primeira vez – e vermelha), mas ela consegue escapar (deixada de propósito?) pulando no mar e desaparecendo no meio da noite, deixando um Batman impressionado e meio apaixonado para trás. Assim, desde o primeiríssimo momento, Kane, Finger e Robinson exploram a tensão sexual entre os dois personagens.

Depois de Batman 01, chegou às bancas Detective Comics 40, com uma interessante história de Finger, Kane e Robinson sobre um serial killer que ataca as gravações de um filme chamado Dread Castle, que tem Julie Madison como uma das protagonistas. Até então, nunca ficara clara qual a profissão da noiva de Bruce Wayne, mas aqui é revelado que ela é uma atriz. A intervenção de Batman e Robin revela que o assassino é o Cara de Barro (Clayface), Basil Carlo, um ex-astro que agora trabalhava como maquiador.

Robin ganhou sua primeira aventura solo em Detective Comics 41, investigando uma série de assassinatos em uma escola para meninos (no que era um teste editorial para sua popularidade); a edição 42 traz outro misterioso caso de assassinato em série envolvendo retratos pintados; e o número 43 conta a curiosa história em que Bruce e Dick em viagem terminam numa cidade tomada pela corrupção e ajudam a população a tirá-los do poder, apontando uma ideia que seria relacionada a Gotham City no futuro distante.

George Roussos, em 1940.

Porém, um ponto mais importante nessa última edição é a chegada de um quarto membro para a equipe criativa de Batman: o arte-finalista George Roussos. Nascido Washington, DC, em 1915, filho de um casal de ascendência grega, mas crescendo em um orfanato no Brooklyn, Roussos respondeu a um anúncio no jornal para trabalhar como assistente de Jerry Robinson.

Naquele ponto, com a demanda de Detective Comics e Batman, Kane e Robinson não conseguiam mais dar conta do volume de trabalho necessário na arte. Em consequência, Kane abandonou as outras tiras em que trabalhava até então e passou a se focar exclusivamente no homem-morcego. Mas mesmo assim, Robinson precisava de ajuda para fazer o nanquim sobre toda a arte a lápis, além do letramento.

Roussos se candidatou à vaga e foi contratado, indo trabalhar de metrô todos os dias até a casa de Robinson no Bronx, onde o jovem usava o próprio quarto como estúdio. Robinson ainda atendia às aulas da Columbia University pela manhã, mas trabalhava com Roussos pela tarde e noite.

A divisão do trabalho consistia com Finger produzindo os textos, Kane fazendo a arte a lápis, Robinson cobrindo com nanquim os personagens principais e Roussos fazendo o nanquim nos cenários e o letramento. Isso dinamizou o serviço para que cumprissem os prazos apertados de produzirem uma média de 28 histórias por ano.

O resultado disso é que gradativamente a arte das histórias do Batman foi se tornando mais dinâmica, provavelmente, porque Robinson usou o tempo extra para aperfeiçoar o traço a lápis de Kane, resultando em figuras ligeiramente mais bonitas e com melhor movimento e dinamismo, como é possível notar na capa de Detective Comics 43.

Com mais dinheiro entrando e a necessidade de mais profissionalização para dar conta da demanda, após algum tempo, Kane alugou uma sala comercial no prédio do New York Times, em Times Square, no centro de Manhattan, que se tornou a base oficial de seu estúdio. Robinson e Roussos passaram a trabalhar lá, mas Kane e Finger ainda faziam a maior parte de seu serviço em suas próprias casas.

A Mulher-Gato é surpreendida pelo Coringa em Batman 02, de 1940.

Três meses depois da edição, 01, Batman 02 chegou às bancas tendo como atração principal uma história que coloca o Coringa em disputa com a Mulher-Gato em busca das Joias do Faraó. A trama é interessante porque mostra a Mulher-Gato (chamada de Catwoman pela primeira vez, embora ainda grafada Cat-Woman) deliberadamente ajudando o homem-morcego com informações que lhe ajudasse a pegar o palhaço do crime. Mas no fim, tanto ele quanto a ladra estão atrás do mesmo artefato num castelo, que pega fogo e o Batman é obrigado a deixar o Coringa “para a morte”, enquanto precisa salvar Robin e levá-lo ao Batplano. A Mulher-Gato vai com eles, mas de novo, salta em fuga no mar para não ir à cadeia.

Vale a anotação de que a Mulher-Gato ainda não usa um uniforme propriamente dito, mas o mesmo vestido verde como decote redondo da outra vez, desta vez, acrescido de um capuz com capa.

Ao contrário da edição 01, contudo, as outras três histórias de Batman 02 não foram nada célebres: um caso no qual um trabalhador de um museu desenvolve uma personalidade maníaca e vira um mestre do roubo; o caso de um assassino chamado Clubfoot (pé torto); e uma aventura na qual um cientista traz da África um gigante de 5 metros meio símio, meio humano, como um tipo de “elo perdido”.

Ao mesmo tempo, Detective Comics 44 trazia um experimento: uma aventura em que Batman e Robin vão à 4ª Dimensão e são pegues no meio de uma guerra entre gigantes e anões apenas para descobrirmos que tudo se trata de um sonho de Dick Grayson, que adormeceu lendo um livro. Era uma mudança total de tom, ainda que apenas um sonho, e a primeira aventura de ficção científica da dupla dinâmica, algo que se tornará muitíssimo comum na década seguinte.

Detective Comics 45, de novembro de 1940, traz a primeira aparição do Coringa nessa revista, novamente envolvido em roubos mirabolantes, dessa vez, usando discos de vinil para, ao tocarem, exalarem o seu veneno que faz as vítimas rirem até a morte. Essa aventura – tal qual sua primeira – mostra novamente o vilão sem maquiagem (como se pudesse tirá-la, algo que seria mudado no futuro), traz a alcunha de “o arlequim do ódio” pela primeira vez, aumenta ainda mais sua já longuíssima lista de assassinatos (incluindo aqui o Promotor Público Carter) e termina com uma batalha em um navio em alto mar e o Coringa caindo no oceano para uma morte aparente.

O primeiro uniforme da Mulher-Gato em Batman 03.

Mas por causa dessa aventura, o vilão não aparece em Batman 03, lançada no outono, cuja principal atração (a quarta história) é uma aventura contra a Mulher-Gato. Desta vez, ela é chamada publicamente de Cat-Woman e está envolvida numa conspiração para um roubo maciço de diamantes. Pela primeira vez, a ladra usa uma máscara, com uma cabeça completa de gato, e tem sua cor alterada de verde para laranja, mantendo o vestido com decote redondo e a capa da vez anterior.

No fim, ela é pegue pelo Batman, mas de novo, consegue escapar, mas não antes de roubar um beijo do morcego, sendo a primeira vez que os dois se beijam! Não será a última…

Como na edição anterior, as outras três histórias do número 03 não foram tão marcantes.

Detective Comics 46 trouxe a terceira aparição do Professor Hugo Strange, agora, usando um gás do medo como arma (um artifício que outro famoso vilão usaria no futuro como principal arma, o Espantalho); enquanto a edição 47 traz uma aventura cheia de “espírito”, no sentido que Batman não exatamente combate o crime, mas ajuda um banqueiro obcecado pelo trabalho a ver como sua ausência está causando problemas à sua família, o que causa uma mudança de atitude ao sr. Midas; e no número 48 Batman ajuda a família de uma amiga de Bruce Wayne que está ameaçada por bandidos que querem roubar o Fort Stox (e não Knox). Nessa última história, o veículo do herói é chamado de Batmóvel pela primeira vez, ainda que seja o mesmo Cord 1936 vermelho que usa desde o início. Essa história também traz a primeira menção direta à Mansão Wayne como a residência de nosso herói.

Vem então Batman 04, no inverno de 1940, que é uma edição que traz uma série de mudanças importantes ao mundo do cavaleiro das trevas. A atração principal é a primeira história, na qual o Coringa é resgatado por um navio e volta a Gotham City para continuar seus crimes, enfrentando a dupla dinâmica no seu esconderijo, uma casa mal-assombrada cheia de armadilhas. É a primeira vez que a cidade em que o Batman atua é chamada de Gotham City.

O Coringa em Batman 01, de 1940.

Inicialmente atuando apenas em uma grande cidade, Detective Comics 31 em diante mencionavam ocasionalmente que as histórias se passavam em Manhattan, em Nova York, mas Batman 04 define que se trata de uma cidade fictícia, Gotham City, que vai se tornar um elemento importantíssimo do cânone do cavaleiro das trevas. A ideia foi de Bill Finger, que queria um nome fictício para que qualquer leitor pudesse se identificar com a cidade. O nome veio de uma joalheria que encontrou em uma lista telefônica, mas “gotham” era um apelido antigo para Nova York.

As outras aventuras de Batman 04 mostraram um criminoso deduzindo a identidade secreta do Batman como Bruce Wayne, mas o herói usando um truque para enganá-los e convencê-los do contrário. O conjunto de aventuras daquela edição também definiu de maneira explícita, pela primeira vez, que o Batman não mata seus inimigos e nem usa armas letais.

Claro, isso era uma contradição latente com todas as aventuras anteriores – historiadores contabilizaram mais de 30 mortes infligidas pelo herói em seus primeiros 19 meses de aventuras (Robin teve pelo menos meia dúzia de mortes em suas costas também). Contudo, os tempos estavam mudando: a altíssima popularidade das histórias em quadrinhos com jovens e crianças no início dos anos 1940 levou à preocupação dos pais e dos conselhos escolares com o alto grau de violência nas HQs.

Em consequência, a All-American Comics (a editora irmã da DC Comics) criou um comitê de assessoria formado por especialistas, dentre os quais, o famoso psicólogo William Moulton Marston, criador do detector de mentiras. O comitê aconselhava os editores e, enquanto seus membros defendiam publicamente os super-heróis (para mostrar seu ponto de vista do potencial daquela mídia, Marston criou a Mulher-Maravilha e escreveu suas histórias), recomendaram privadamente os editores como Max Gaines (da All-American) e Whitney Ellsworth (da DC) a diminuir a violência explícita das histórias.

Ao acatarem tais recomendações no final de 1940, os editores promoveram uma discreta revolução nos quadrinhos, porque o elemento violento e mortíferos das histórias foi alterado de maneira determinante, ainda que não de modo radical (como seria em mais alguns anos no futuro). Era apenas o início de uma longuíssima batalha de narrativas sobre os supostos malefícios das HQs aos jovens e veremos mais desse desdobramento em breve.

No que concerne ao Batman no fim do ano de 1940, temos a partir de então a definição de que o herói não mata e não usa armas de fogo, como um tipo juramento ao fato de seus pais terem morrido sob essas circunstâncias quando ele era criança, um elemento que passou a ser central no cânone do morcego nos quadrinhos (mais do que no cinema, por exemplo).

A Terceira Revista

O mercado de quadrinhos não parava de crescer e as vendas só aumentavam. Em 1941, as revistas mais vendidas – como Superman, Batman (ambas da DC Comics), Captain Marvel (o Shazam, da Fawcett Comics) e Captain America (da Marvel) – vendiam na faixa de 1 milhão de unidades! Tanto quanto uma revista como a Time Magazine.

Por isso, as editoras não eram tímidas em ampliar suas linhas. A DC, então, lançou em março de 1941 a revista World’s Best Comics 01, no qual reunia os principais personagens do quinhão da National na mesma publicação, trazendo Superman, Batman, o mago Zatara, Crimson Avenger, Sandman, Johnny Thunder e Red, White and Blue, com uma história cada, mais algumas outras atrações e um total de 96 páginas! A periodicidade seria trimestral, como era Batman, por exemplo.

A nova revista chegou com impacto nas bancas, porque trazia Superman, Batman e Robin na mesma gravura – numa bela ilustração Fred Ray (artista que vinha fazendo belas capas para Superman). Contudo, era algo apenas ilustrativo, pois não havia nenhum indicativo nas histórias que o homem de aço e o cavaleiro das trevas se conheciam ou sequer habitavam o mesmo universo. Cada qual tinha suas aventuras separadas. A história do Batman mais uma vez trazia o escritor Bill Finger brincando com falsos elementos sobrenaturais, mostrando uma trama na qual um escritor é assassinado por uma bruxa, mas a ação da dupla dinâmica prova ser apenas um criminoso disfarçado.

O lançamento de World’s Best Comics 01 foi um enorme sucesso, porém, gerou um processo judicial para a National, porque existia uma editora chamada Best Comics, que se sentiu lesada. Por isso, a edição 02, lançada três meses depois – com outra capa de Fred Ray – mudou o título para World’s Finest Comics. Este seria o título definitivo da revista, que continuaria a trazer Superman e Batman em suas capas, mas sempre com histórias individuais dos personagens.

A edição 03 trouxe a estreia do vilão Espantalho, criado por Finger e Kane (outra importante adesão à galeria de vilões do Batman); e a edição 05, de março de 1942, trouxe a primeira história da dupla dinâmica desenhada por Jerry Robinson como artista principal (em vez de apenas cobrindo o lápis de Kane com nanquim).

A Chegada de Mort Weisinger

Agora, Batman tinha aventuras em Detective Comics, Batman e World’s Finest e a linha de revistas da National/DC só fazia crescer, portanto, o diretor editorial Whitney Ellsworth precisava de ajuda e ela veio na figura de Mort Weisinger, jovem nascido em 1915, em Washington Heights, na cidade de Nova York, mas que cresceu no Bronx e estudou na mesma escola que Kane, Finger e Eisner, e conhecia todos eles. Weisinger fez parte da primeira geração de fãs de ficção científica, como a dupla Jerry Siegel e Joe Shuster, e como eles participou de um importante movimento de criação dos primeiros fanzines.

Contudo, a experiência de Weisinger foi mais longe do que o esperado: ao lado de Julius Schwartz (outro futuro editor da DC) e outros, ele fundou o The Time Traveller, um fanzine que fez uma comunicação tão boa com os artistas da época que publicou histórias de nomes conhecidos e renomados no campo. Enquanto ia cursar a Universidade de Nova York (cujo curso não concluiu), ele e Schwartz venderam suas primeiras histórias próprias, mas em 1934 teve uma ideia sensacional: abrir uma agência para escritores e fazer a mediação com os editores, que já conheciam pelo trabalho no zine. A Solar Sales Service, que montou ao lado de Schwartz, foi um enorme sucesso e agenciou nomes importantes da ficção científica, como Edmond Hamilton, Otto Binder (dois futuros escritores do Superman), mas também os aclamadíssimos H.P. Lovecraft e Ray Bradbury.

Porém, depois de seis anos, Weisinger se desligou do sócio e assumiu o comando editorial da editora Standart Magazine, publicando uma extensa linha de mais de 40 títulos mensais, o que chamou a atenção da National e lhe valeu o convite de Whitney Ellsworth para ir trabalhar na DC Comics como editor assistente dos títulos de Superman e Batman. Enquanto Ellsworth era o chefe da redação e precisava lidar com aspectos comerciais e toda a linha de revistas, Weisinger ficava mais ligado ao campo criativo, trabalhando diretamente com escritores e desenhistas, sugerindo histórias, avaliando material etc. Ele assumiu o cargo em março de 1941, aos 26 anos e seu primeiro trabalho foi criar uma leva de novos personagens, como Aquaman, Arqueiro Verde, Johnny Quick e o primeiro Vigilante (um cowboy).

No Batman, de início, Weisinger era apenas um assistente, e em 1942 seria convocado para a II Guerra Mundial, ficando estacionado nos EUA, trabalhando como roteirista de filmes de treinamento e documentários do Exército, regressando à vida civil apenas em 1946, portanto, demoraria um pouco para sua influência se fazer presente. Mas ela faria no futuro e falaremos mais dele adiante.

Mudanças no Estúdio de Bob Kane

Segundo relatos de Jerry Robinson, por volta de um ano e meio após ele começar a trabalhar com Bob Kane e Bill Finger, ou seja, mais ou menos no fim do ano de 1940 (que gerou as histórias publicadas no início do ano seguinte), a insatisfação corria entre os artistas. Robinson, Finger e Roussos achavam que Kane não estava pagando o suficiente para eles e estava abocanhando um filão grande demais do dinheiro para alguém que, no mínimo, teria que dividir os créditos com o resto da turma. Como resultado, o trio decidiu pedir demissão do estúdio de Kane e ir fazer outros trabalhos.

Montagem com imagens de Bill Finger e Bob Kane.

Porém, Whitney Ellsworth ficou sabendo disso e ficou preocupadíssimo, pois Batman era uma das joias da coroa da DC Comics e também sabia que Kane sozinho não daria o mesmo brilho ao personagem, sem os textos de Finger e o refinamento da arte de Robinson. Então, Ellsworth contratou Finger, Robinson e Roussos como artistas empregados da DC para continuar o trabalho com o Batman. Num arranjo estranho, Kane ainda era comissionado a criar as histórias, mas agora, o trio restante ganhava por página pago diretamente pela DC e não pelo dinheiro que era pago a Kane (e ele repassava aos outros).

Como resultado, Kane passaria em breve a empregar outros escritores e artistas para lhe “ajudar” ao mesmo tempo em que continuava a parceria com Finger, Robinson e Roussos. E mais gente era necessária, dado o volume de histórias para as três revistas.

Nova Namorada, Novos Vilões, Batmóvel, Batsinal

De volta ao lado criativo, Detective Comics 49, de março de 1941, trouxe o retorno do Cara de Barro, que foge da prisão e novamente começa a matar envolvidos em um filme e tem Julie Madison como um de seus alvos prioritários. Batman e Robin intervêm e o vilão chega a pensar que matou a atriz, para descobrir que é o Robin disfarçado – enquanto Julie está vestida de Robin (a primeira vez que uma garota veste esse uniforme).

Esta segunda aparição seria a última do Cara de Barro original na Era de Ouro, mas o vilão deixaria uma herança em outros personagens que adotariam seu nome, como veremos adiante.

Infelizmente para Bruce Wayne, Julie se tornou uma estrela por causa de seu filme anterior e mudou seu nome para Portia Storme – um hábito da Hollywood dos tempos de ouro (Portia era o nome da namorada e futura esposa de Bill Finger) – e foi seguir sua carreira, decepcionada com a frivolidade de seu noivo. Como Bruce diz que não tem interesse nenhum em trabalhar ou ter uma carreira (uma forma de manter sua fachada de playboy), ele põe um fim ao relacionamento e vai embora, ainda que deixe a porta aberta para que ele mude de posição no futuro.

Ele não vai mudar e Julie Madison só terá aparições muito pontuais no futuro do homem-morcego. Por outro lado, a postura de Bruce é horrorosa e a história não aprofunda muito como fingir esse comportamento causa um enorme sofrimento no herói – algo que escritores futuros fariam de modo mais explícito.

Mas a fila anda e Bruce Wayne ganha uma nova namorada logo em seguida em uma das histórias de Batman 05, do verão de 1941. Como suas antecessoras, a nova edição tem quatro histórias, a primeira delas com o regresso do Coringa. O palhaço do crime é resgatado no mar por um barco e tem a sorte de que se trata de uma gangue de ladrões de diamantes, liderados por Queenie, uma ladra. Unindo forças, o bando promove uma série de ações até ser parado pelo Batman.

O Coringa e a gangue de Queenie.

Inclusive, Queenie descobre que Bruce Wayne é o Batman, ao flertar com o playboy e perceber que ambos tinham uma ferida no queixo. No fim, ela ajuda o herói e morre baleada, pedindo um beijo antes de falecer.

Essa história do Coringa em Batman 05 também tem o destaque de trazer a estreia do Batmóvel propriamente dito. O herói usava até então o Cord Sedã 1936 Vermelho como seu veículo de ação (e um conversível azul apareceu em algumas edições), mas esta revista apresentou um veículo de design diferenciado, com um aríete no formato do rosto do herói e detalhes aerodinâmicos na forma das asas de morcego. Enfim, um Batmóvel como nos acostumamos a ver. O design do veículo foi criado por Jerry Robinson e, logo, logo, os demais veículos incorporaram o mesmo visual, como o Batplano e a Batlancha.

A segunda história traz um experimento de Bill Finger, pois pela primeira vez em uma história sua, Batman e Robin enfrentam uma ameaça sobrenatural: um cientista criou uma máquina que transporta as pessoas para dentro de um livro de contos de fadas e sua filha fica presa lá dentro, lá indo a dupla dinâmica interagir com bruxas e magos até trazer a menina de volta. A terceira é uma ótima história mostrando a redenção de um criminoso (como Finger gostava de fazer de vez em quando), mas traz uma dramática cena em que Batman pensa que Robin foi morto e sai enfurecido contra os bandidos (levando três tiros!).

E na quarta história temos a estreia de Linda Page, uma ex-socialite e amiga de Bruce Wayne que deixou a vida de festas para se tornar enfermeira e ajudar as pessoas. Mas quando um bandido é ferido, sua gangue sequestra Linda para cuidar dele, para Batman e Robin salvá-la. Bruce termina saindo com ela e os dois começam a namorar, ainda que ela se queixe da frivolidade dele. E deseja que ele seja mais parecido com o Batman, veja só!

Ao contrário de Julie Madison (que só apareceu esporadicamente), Linda Page teria uma presença mais constante nas histórias aparecendo com frequência tanto em Batman quanto Detective Comics e World’s Finest. Tanto que a história de maior destaque de Batman 06 a traz como protagonista, quando seu pai – dono de um poço de petróleo no Texas – é ameaçado por bandidos e Batman intervém. Vale a curiosidade de que havia alguma inconsistência na cor do cabelo de Linda, que tem cabelos castanhos na estreia, apareceu algumas vezes como ruiva e mais constantemente como loira.

Mas uma coisa importante é que, devido ao sucesso das vendas, a partir daquela edição 06, Batman não era mais uma revista trimestral, mas se tornou bimestral – esse número correspondia a agosto-setembro de 1941.

Enquanto isso, Bill Finger continuava com histórias cheias de espírito, com Detective Comics 53 trazendo uma trama em que o Batman mobiliza a cidade de Gotham para que todos finjam que a aspirante a atriz Viola Vane é uma atriz famosa para não decepcionar os pais dela, e consegue, resultando nela ganhar de verdade o papel principal em uma peça badalada. Na edição 54, vemos o Batplano se transformar também na Batlancha; e o número 56 exibe a interessante história na qual novamente Finger brinca com o pseudo-sobrenatural, quando Batman e Robin passam de férias em uma cidade aterrorizada por um ídolo de pedra que “ganhou vida” e desmascaram uma conspiração para matar o prefeito em um sacrifício humano.

Em paralelo, Batman 07 foi outra edição bombástica, cheia de grandes histórias, todas por Finger, Kane, Robinson e Roussos. Na primeira história, o Coringa cria um ambicioso plano no qual treina vários capangas para realizarem “pratical jokes” (pegadinhas) que eram crimes e se fantasiassem como ele, obrigando a dupla dinâmica a lutar contra vários farsantes. (A ideia do vilão treinar substitutos seria reaproveitada no futuro na minissérie Os Três Coringas). A segunda história é o típico bom conto de detetive, com um crime envolvendo a herança de uma mina.

Mas o grande destaque foi a história The people vs. the Batman, no qual em meio a uma série de crimes, um bandido se fantasia de Batman e comete um assassinato, o que leva a uma grande tensão na relação do homem-morcego com a população de Gotham. A polícia também persegue o vigilante violentamente, mas o Comissário Gordon fica do lado do herói. Ao mesmo tempo em que Bruce Wayne é flagrado em uma cena de crime e é acusado de assassinato, levando à sua prisão. Robin cava um túnel para que Bruce fuja e deixa um manequim em seu lugar, mas a artimanha é descoberta e ele declarado fugitivo.

No fim, Batman resolve o crime, o culpado é levado a confessar, Bruce Wayne é inocentado. E mais importante: o Comissário Gordon transforma Batman em membro honorário do GCPD (Departamento de Polícia de Gotham City), e faz um discurso:

Talvez, isso chegue um pouco tarde, mas eu, o Comissário de Polícia de Gotham City, o declaro membro honorário do departamento de Polícia! De agora em diante, você trabalha de mãos dadas com a polícia!

É o início oficial da parceria de Batman com Gordon e a polícia, um elemento que se tornará essencial ao cânone do personagem. E também era mais um passo na moderação da violência na revista imposta pela direção da DC Comics, mostrando uma situação mais “edificante” no qual o herói não é perseguido pela polícia como um criminoso qualquer, mas alguém que trabalha ao lado (e com a ajuda) da lei.

Apesar da ilustração genérica da capa, o Pinguim estreia nessa edição.

Enquanto isso, Detective Comics dava início a uma série de histórias bastante importantes, começando com a edição 59, de janeiro de 1942, que trouxe a estreia do Pinguim, criado por Bill Finger e Bob Kane (mas Jerry Robinson e George Roussos fizeram o nanquim na história). Na trama, Oswald C. Cobblepott (seu nome só seria revelado muitos anos depois) rouba pinturas valiosas de um museu, manipula o crime organizado e já usa seus guarda-chuvas cheios de apetrechos.

O Pinguim estreia.

O visual caricato do vilão lhe dá um ar meio cômico, mas apesar disso, ele não é apenas galhofa nessa estreia, mostrando-se um criminoso bastante astuto.

Esta capa já é claramente desenhada por Jerry Robinson. A história traz o Coringa.

A edição seguinte, número 60, traz o Coringa outra vez, numa história escrita por Jack Schifft, no qual o palhaço do crime usa um circo inteiro de assassinos. Mas o mais importante é que, em consequência da aliança de Batman com Gordon e a polícia, se dá a estreia do Bat-sinal, outro dos elementos icônicos do personagem.

Dali em diante, o Batsinal estaria em praticamente todas as versões do personagem, inclusive, nos filmes, e seria uma marca reconhecível no mundo inteiro a partir do símbolo do morcego envolto em uma eclipse de luz quase sempre amarela.

Esta arte de Batman 08 parece ter muito mais de Jerry Robinson do que de Bob Kane.

Ao mesmo tempo, Batman 08 trouxe o Coringa de novo, numa aventura em que o vilão comete crimes em vários estados, tornando-se o “inimigo número 1 do país” e o Batman precisa se aliar ao chefe do FBI, G. Henry Mover (a versão DC de J. Edgar Hoover). A revista também trouxe a interessante aventura contra o Professor Radium.

Detective Comics 62 já traz o Coringa outra vez, agora, numa situação algo insólita: quando o maior comediante de Gotham City morre, deixa sua enorme herança para o “melhor comediante”, e é promovido um concurso para escolhê-lo, de modo que o palhaço do crime sai matando os candidatos, para não ter concorrência. Também é interessante que, na trama, o Batman é capturado e o Coringa contempla a possibilidade de desmascarar o herói, mas se dá conta de que isso não faz a menor diferença e não está nem aí para quem ele é, um elemento que seria usado várias vezes ao longo das décadas.

O Coringa aparece pela primeira vez em uma capa, na arte de Jerry Robinson.

Todavia, essa edição tem um grande diferencial e marca certa mudança editorial, pois o Coringa aparece na capa da revista pela primeira vez. Desde a estreia do Batman, apenas o Monge e o Doutor Morte tinham aparecido em destaque nas capas, mas depois disso, as capas passaram a trazer ilustrações genéricas da dupla dinâmica em ação, como se pode ver na estreia do Pinguim acima.

Mas o Coringa estava se mostrando um vilão extremamente popular e a DC não foi tímida em explorar várias aparições ao longo do ano e lhe dando lugar cativo nas capas.

Falando nas capas, a partir desse momento é possível notar que Jerry Robinson começa a assumir a função de capista no lugar de Bob Kane, o que é um indicativo de que o mesmo ocorria nas próprias histórias. Enquanto o único crédito das revistas continuava a ser o “by Bob Kane”, a mudança de Robinson, Roussos e Finger para a DC motivou Kane a começar a usar não apenas “auxiliares”, mas “desenhistas fantasmas”.

Não é muito claro quem fez o quê, mas a partir de 1942, nomes como Jack Burnley, Win Mortimer e Charles Paris começaram a desenhar o lápis nas histórias no lugar de Kane. E embora exista muita animosidade contra Kane por parte de críticos e historiadores por causa dessa prática (o que é justo), também é necessário pensar que isso era uma prática adotada à exaustão no mercado de quadrinhos da época, inclusive, por nomes como Jack Kirby, Harry G. Peter e Joe Shuster.

Por fim, também é preciso acrescentar que Bob Kane não ficava só sentado recebendo a grana pelos desenhos dos outros e recebendo os créditos. Embora isso acontecesse, Kane atuava como um tipo de editor do Batman, criando personagens e conceitos, apresentando plots para histórias e analisando e corrigindo o material dos escritores e artistas.

Batman 09 traz uma das capas mais icônicas do personagem na Era de Ouro dos quadrinhos e a composição elegante e bonita deixa bem claro que a arte é de Fred Ray. No interior quatro histórias trazendo algum destaque. A segunda história – aparentemente de Bill Finger – tem o diferencial de trazer pela segunda vez o elemento sobrenatural de modo explícito: uma quadrilha de criminosos mata um hindu para roubar a preciosa safira que ele traz consigo, mas antes de falecer, o homem amaldiçoa os bandidos, que vão morrendo um a um de acordo com a maldição, sem que o Batman possa fazer nada. Há uma aventura que espelha o clássico Mobydick de Herman Melville, com uma baleia branca atacando navios na Baía de Gotham até Batman descobrir que se trata de um submarino “disfarçado” e não de um animal. Há outra daquelas histórias espirituosas de Finger na qual Batman procura fazer o Natal de um órfão ser feliz, numa trama que mostra pela primeira vez a ação filantrópica de Bruce Wayne, em vez da odiosa faceta de playboy.

Mas o maior destaque é (de novo) o Coringa, que tenta fraudar a loteria de um banco e somos apresentados pela primeira vez por uma retrospectiva, quando Batman e Robin relembram alguns dos confrontos anteriores com o vilão em cenas de flashback.

Detective Comics 63 mostra um grupo criminoso roubando a elite de Gotham, inclusive, Bruce Wayne, e vemos pela primeira vez panoramas mais detalhados da Mansão Wayne e do Celeiro em que o herói guarda seus veículos especiais – e que é ligado à casa por um túnel subterrâneo. (Ainda não existia Batcaverna).

O Coringa regressa outra vez em Detective Comics 64, de junho de 1942, com a interessante história (por Bill Finger e Jerry Robinson) na qual o Coringa é preso e condenado à cadeira elétrica, sendo executado. Mas trata-se de um plano do vilão, que usou infiltrados na prisão para se safar. O palhaço do crime reaparece na cidade, mas não pode ser preso, pois já cumpriu sua pena e a dupla dinâmica precisa de muita astúcia para descobrir os novos crimes do vilão, que usa um letreiro luminoso para se comunicar com sua gangue, que segue realizando crimes, enquanto ele é vigiado pela polícia.

Uma curiosidade é que Detective Comics 64 traz a estreia de The Boys Commandos, uma tira de Joe Simon e Jack Kirby (os criadores do Capitão América), que estreiam na DC em grande estilo. Essas histórias fariam um enorme sucesso na época.

Tanto que na edição 65, mimetizando o efeito de World’s Finest, a capa traz a dupla dinâmica parabenizando os Boy Commandos, enquanto a história interna – totalmente desvinculada da capa – trazia roteiro de Alvin Schwartz (pseudônimo de Joseph Greene) e arte de Jack Burnley.

Detective Comics 66 trouxe a estreia do Duas Caras. A trama de Finger e Kane (mais Robinson e Roussos no nanquim) mostra o Promotor Público Harvey Kent (sim, Kent. Aparições outras estabeleceram seu nome como Dent em vez de Kent) levando o chefão do crime Sal Maroni a julgamento e o gangster jogando ácido sulfúrico no rosto dele, deixando Dent (ops, Kent) com metade da face deformada. Rejeitado por todos, inclusive, pela esposa Gilda, Dent usa a moeda de Maroni que possui duas caras, em vez de cara e coroa, e danifica um dos lados, passando a decidir suas ações, entre o bem e o mal a partir do lado em que a moeda cai, iniciando uma vida de crimes.

Na edição 67, o Pinguim já regressa – após 8 edições – e dessa vez usa aves exóticas para cometer crimes usando um trem como transporte. O vilão também tem a honra de estampar a capa, numa ação que começava a se tornar o padrão: ter a capa, de fato, trazendo uma ilustração relacionada à história no interior.

A famosa capa de Detective Comics 69, por Jerry Robinson.

As edições seguintes de Detective Comics trouxeram cada vez mais participações de outros nomes além do quarteto principal que criara as histórias do Batman até ali, com Alvin Schwartz escrevendo o número 69, que traz mais um confronto com o Coringa e tem arte (e uma capa icônica) de Jerry Robinson; Don Cameron no texto da edição 70; e o Coringa de volta de novo no número 71, numa interessante história (de Bill Finger) na qual após ser enganado pelo vilão, Batman tem uma crise de dúvida e chega a pensar em desistir da carreira de combate ao crime até ser incentivado por Robin e conseguir prender o palhaço do crime. Na edição 72, o roteiro é de Joseph Samachson; no número 73, o Espantalho faz sua segunda aparição (por Finger); e na edição 74, Don Cameron traz a estreia da infame dupla Tweedledum & Tweedledee, num aceno cômico. A arte dessas histórias variou entre Kane, Robinson e Jack Burnley (este às vezes fazendo ghosting para Kane também).

A partir da edição 71, o escritor Jack Schifft assumiu o cargo de editor assistente das revistas do Batman, substituindo Mort Weisinger (que fora convocado para o exército) e trabalhando sob a supervisão de Whitney Ellsworth.

Enquanto isso, Batman 10 traz uma história – escrita por Alvin Schwartz – na qual vemos o aniversário de Dick Grayson. Não é dito explicitamente quantos anos o garoto comemora, mas o bolo (desenhado por Kane ou Robinson) traz 14 velas. Essa história – A Ilha que o Tempo Esqueceu – mostra Bruce dar de presente para Dick uma versão menor e própria do Batplano (o que mais se dá a um Robin?) e quando a dupla dinâmica vai testar os veículos em um voo em Gotham City, uma tempestade irrompe e joga os heróis para o oceano, indo cair em uma remota e estranha ilha. Lá, um antropólogo manipula uma tribo de nativos ao mesmo tempo em que um Tiranossauro Rex ataca a todos. Batman e Robin são pegues no meio do conflito, mas no fim, descobrem que o dinossauro é um monstro mecânico e que tudo se trata de um filme, e que o diretor ao ver a intromissão dos heróis decidiu continuar a ação e incorporar tudo isso à película.

Era a primeira vez que o Batman enfrentava um T-Rex mecânico, mas não seria a última!

A terceira aventura de Batman 10, por Jack Schifft e Jerry Robinson, trouxe a Mulher-Gato, e dessa vez, após Batman desarmar o plano da ladra, um dos criminosos tenta matar a vilã com um tiro e o homem-morcego impede. Em agradecimento, a gata beija o morcego e “consegue” escapar. Mais tarde, já em casa, Dick Grayson diz a Bruce que é óbvio que ele deixou a ladra fugir, no que ele tenta desajeitadamente negar.

Batman 11 traz histórias (de Bill Finger) com o Coringa (que estrela a capa também) e Pinguim, mas o maior destaque é uma trama de Edmond Hamilton e arte de Kane e Robinson no qual Bruce Wayne participa de um júri popular e percebe que o réu é inocente, trabalhando como Batman para provar sua inocência e conseguindo.

A capa de Batman 12 faz menção à II Guerra com a venda de bônus de guerra.

Batman 12 traz uma história de Don Cameron mostrando pela primeira vez de forma explícita a Sala de Troféus do homem-morcego, nesta ocasião ainda situada em um quarto secreto da Mansão Wayne; mas a história seguinte, de Bill Finger, traz o Coringa e mostra que o herói usa uma base secreta subterrânea debaixo da Mansão Wayne. Embora não seja batizada nesta ocasião, esta é a estreia oficial da Batcaverna.

A Batcaverna é detalhada pela primeira vez em Batman 12, por Finger, Kane e Robinson.

Outro dos elementos mais famosos do cânone do morcego, a Batcaverna aparece primeiramente como um bunker bastante detalhado, onde o herói guarda seus veículos (que são içados à superfície por um sistema de correntes e saem dentro do Celeiro “abandonado” próximo à Mansão Wayne; mas em pouco tempo iria começar a ser retratada como uma caverna mesmo.

Outra aventura dessa edição mostra que Bruce Wayne está escrevendo um livro chamado Observação do Crime, onde narra suas aventuras como Batman e reflexões criminológicas. Estaria guardando a publicação para o futuro? A capa de Batman 12 traz uma propaganda governamental pela compra de bônus de guerra, um esforço de auxílio no financiamento do Exército dos EUA na II Guerra Mundial.

A diversidade dos escritores continua em Batman 13, com duas histórias de Don Cameron, uma de Jack Shcifft (com o Coringa) e outra de Bill Finger, com arte de Jack Burnley. Nas outras a arte é de Kane e Robinson.

Batman 14, de dezembro de 1942 e janeiro de 1943, traz um diferencial, com todas as quatro histórias escritas por Don Cameron; uma delas com o retorno do Pinguim; mas o destaque é uma luta contra um grupo de nazistas, sendo a primeira vez que o homem-morcego se envolve diretamente nos negócios da II Guerra Mundial, que eclodira três anos antes (na mesma época da estreia do herói) e cujo os EUA se envolveram no fim de 1941. Dali em diante, a guerra e os nazistas apareceriam com alguma frequência nas aventuras.

“Mantenha essas balas voando” diz a chamada. Batman não usava mais armas há um tempão, mas era necessário vender bônus de guerra.

Batman 15, de fevereiro-março de 1943, é a primeira edição dessa revista com a editoria de Jack Schifft e ele também escreve a primeira história (com arte de Kane e Robinson), numa interessante aventura na qual a Mulher-Gato assume a identidade da socialite Elva Barr. Bruce Wayne, claro, a reconhece de cara e trava um plano ousado de se enamorar da jovem, o que não deve ter sido nenhum sacrifício para ele. O plano dá certo e a ladra se apaixona de verdade por Bruce e os dois anunciam um noivado nos jornais, o que deixa Linda Page exasperada!

Apaixonada, “Elva” decide abandonar a carreira de crimes para seguir seu noivado com Bruce, mas seus capangas lhe informam que o playboy já tinha uma noiva: Linda. Ao mesmo tempo, a confusa enfermeira vai até o salão de beleza de “Eva” para entender o que está acontecendo, mas isso faz com que a Mulher-Gato seja capaz de criar uma máscara com as feições de Linda e fazendo-se passar pela enfermeira vai ao encontro de Bruce tirar satisfações sobre o novo noivado.

Enganado pela ladra, Bruce conta a “Linda” que só noivou com Elva Barr porque o Batman lhe pediu, como parte de um plano para que a vilã abandone a vida de crime. Ao chegar em casa, Bruce fala com Linda e descobre a farsa, ao mesmo tempo em que a Mulher-Gato retoma suas atividades criminosas e mergulha Gotham City em uma onda de roubos. Mas Batman e Robin conseguem desarticular o plano da vilã, que tenta roubar animais raros, na hora de capturá-la, a Mulher-Gato termina confessando ao Batman que está apaixonada por Bruce Wayne e que se ele a deixasse ir, ela teria uma vida correta caso tivesse chance de ficar com o playboy; mas a Mulher-Gato é presa pela primeira vez desde sua estreia!

Essa história é importante por dois motivos: tanto porque é a primeira vez que Bruce Wayne e Selina Kyle (lembre-se, seu nome ainda não havia sido revelado) se envolvem em suas identidades civis (um elemento que perdurará no cânone); quanto por mostrar que a Mulher-Gato realmente não é uma vilã tradicional e que tem um enorme potencial para o bem, e que o amor pelo Batman poderia fazê-la deixar os crimes, algo que também irá ressoar no futuro.

Batman 15 ainda tem duas histórias escritas por Don Cameron, e uma outra por Bill Finger, no qual em meio aos eventos da Guerra, Batman, Robin e um cientista analisam dois cenários possíveis do futuro: um no qual os Aliados vencem o conflito e outro em que os Nazistas vencem.

Batman Vai aos Jornais

Enquanto isso chegava às bancas, a DC Comics negociou com o McClure Syndicate para que fossem publicadas tiras de jornal do Batman (e também Superman e Mulher-Maravilha), pois naqueles tempos, as tiras gozavam de maior prestígio do que as revistas. Fazer uma tira de jornal diária era o sonho de Bob Kane e ele se empenhou de verdade nessa atividade. A publicação da tira iniciou em 25 de outubro de 1943, tanto no formato diário quanto nas páginas dominicais. Normalmente, as tiras diárias traziam três quadrinhos de história e as dominicais traziam o equivalente mais ou menos a uma página de quadrinhos.

Claro, Kane levou todo o crédito, mas ele fez uma boa parte da arte de verdade, contando com Charles Paris no nanquim e trabalhando com os escritores Bill Finger, Don Cameron, Jack Shifft e Alvin Schwartz nos roteiros. Em sua maioria, as tiras traziam releituras de aventuras já publicadas.

O trabalho diário de produção das tiras de jornal provocou que Bob Kane praticamente deixou de fazer a arte nas revistas se afastando da publicação cotidiana, embora ainda continuasse supervisionando o trabalho em torno de seu personagem. Mas o fato é que isso o fez entregar todo o trabalho de arte aos desenhistas contratados diretamente pela DC ou aos seus artistas fantasmas.

As tiras, contudo, não foram tão bem-sucedidas e seriam encerradas em 02 de novembro de 1946.

O Mordomo Alfred

Outra adesão fundamental ao cânone do homem-morcego apareceu em Batman 16, de abril e maio de 1943: o mordomo Alfred. Contudo, embora hoje seja conhecido pelo sobrenome Pennyworth, em sua estreia (e primeira versão) seu nome era Beagle; além do fato dele ser retratado de uma maneira diferente, com uma aparência de um sujeito de baixa estatura, gordinho e atrapalhado, servindo mais como um alívio cômico e mimetizando a aparência de Oliver Hardy, de O Gordo e o Magro (Laurel & Hardy, no original). Ele também tinha “habilidades” detetivescas e já era retratado como de origem britânica.

Alfred (ainda Beagle) faz sua estreia em Batman 16.

A história trazia roteiro de Don Cameron e arte de Kane, Robinson e Roussos, e uma trama na qual Alfred Beagle chega de Londres a Gotham City e se apresenta para Bruce Wayne como filho de Jarvis Beagle, que fora o mordomo da família Wayne e que veio dar prosseguimento à tradição de servir à família. De início, o herói pensa em recusar o serviço, mas ao mesmo tempo, Alfred é confundido com o Duque de Dorian e é sequestrado e atacado por criminosos. No meio da ação, com a intervenção da dupla dinâmica, Alfred termina por deduzir a identidade secreta de Batman e Robin, o que os motiva a acolher o mordomo.

Há certa disputa criativa sobre quem criou o personagem Alfred, mas muitos historiadores afirmam que não foi nem Kane nem Cameron, mas o trio de roteiristas Victor McLeod, Leslie Swabacker e Harry Fraser, responsáveis pelo seriado de cinema do Batman que estrearia naquele mesmo ano (e vamos falar abaixo), com a DC optando por fazê-lo estrear antes nas HQs.

Batman 16 traz uma pose icônica para a dupla dinâmica na arte de Jerry Robinson.

No mais, Batman 16 trouxe outras duas histórias de Don Cameron (uma delas com o Coringa) e outra pela escritora Ruth Lyons Kaufman, com arte de Jack Burnley.

Logo em seguida, Alfred apareceu também Detective Comics 75, numa história de Don Cameron e Jack Burnley; e de novo em Batman 17 (por Cameron e Burnley) e virou membro do elenco fixo das histórias, juntamente ao Comissário Gordon e Linda Page. Nessas primeiras aventuras, o padrão era Alfred tentar ajudar a dupla dinâmica e se atrapalhar e se meter em enrascadas.

O Batman Chega aos Cinemas

Numa época em que não existia ainda a televisão, os seriados eram exibidos no cinema, especialmente nas matinês, sessões ocorridas nas manhãs de sábado, para que crianças e jovens (que durante a semana estavam em aulas) pudessem assistir. Em um tempo em que o ingresso do cinema era tão barato quanto o preço de um gibi, era algo extremamente acessível. Grande parte desses seriados nas matinês eram dedicados à aventura e, com o sucesso dos super-heróis, quem melhor para estrelar esse tipo de programa?

A National/DC Comics já havia investido em um serial do Superman em desenho animado, em 1941, produzido pelo estúdio dos irmãos Fleisher (o mesmo em que Bob Kane trabalhara antes de migrar para as HQs); mas o primeiro produto da editora transposto ao live action com atores foi Batman, um seriado que estreou em 1943.

Produzido pela Columbia Pictures, Batman teve produção de Rudolph C. Flothow, direção de Lambert Hillyer e roteiro de Victor McLeod, Leslie Swabacker e Harry Fraser. Foi exibido nos cinemas entre julho e outubro de 1943, em 15 episódios, com o primeiro e o último tendo 20 minutos e os demais na média de 16 minutos (um total de 260 minutos). O elenco trazia Lewis Wilson, de 24 anos, como Bruce Wayne/ Batman; Douglas Croft, de 16 anos, como Dick Grayson/Robin; J. Carrol Naish como o vilão Tito Daka; Shirlley Patterson como Linda Page; William Austin como Alfred; e Charles C. Wilson como o capitão Arnold (um papel equivalente ao Comissário Gordon).

Lewis Wilson era um aspirante a ator, em início de carreira, e realizou uma performance sem afetação, ainda que fosse muito magro para o papel e seu uniforme usou, portanto, enchimento demais. Ele não teve uma carreira muito bem sucedida depois disso, e é mais famoso por ser o pai biológico de Michael G. Wilson, o roteirista e produtor que, após ser adotado pelo produtor Albert Broccolli (que casou com sua mãe), herdou do pai adotivo a propriedade da franquia de James Bond/007, ao lado da irmã Barbara Broccolli. Já Douglas Croft era um ator mirim com uma boa carreira na época em que estrelou como o mais jovem Robin já retratado no cinema, pois era um adolescente de verdade, porém, sofreu a maldição da maioria dos astros-mirim e não conseguiu trabalho depois de crescer, morrendo por problemas com o alcoolismo aos 37 anos. E seguindo a tradição da época, J. Carrol Naish usou maquiagem para se parecer com um oriental.

Na trama, Batman e Robin combatem a ameaça do Dr. Daka, um espião japonês que usa uma máquina que transforma as pessoas em zumbis e está desenvolvendo uma arma de raios para debilitar os Estados Unidos na sua guerra contra o Japão. O seriado é até relativamente fiel aos quadrinhos, com a maior diferença sendo o fato da dupla dinâmica ser de agentes federais, o que foi uma imposição de Hollywood, que não admitia a glorificação de vigilantes agindo à margem da lei. Como a maioria dos serials, era uma produção de baixo orçamento e a ação, os figurinos, o cenário e elementos da trama sofrem com as restrições.

O seriado foi um grande sucesso de público e se destacou dentro da produção de seriados de super-heróis da época – que geraram adaptações de Shazam, Capitão América, Besouro Verde e muito mais – ainda que os críticos não tenham se empolgado. A Columbia se animou com os resultados, mas por algum motivo, a sequência demorou seis anos para aparecer (e veio com outro elenco).

A batcaverna em sua primeira aparição no seriado de 1943.

Normalmente, o seriado é creditado por ter criado a Batcaverna e o mordomo Alfred. Contudo, a base subterrânea do Batman já tinha aparecido um ano antes nas HQs, talvez, a grande questão é que o seriado reaproveitou o cenário de outro programa e situou a base numa caverna de verdade, com pedras e estalactites, chamando-a de Batcaverna. A entrada para a caverna se dava através de uma passagem secreta atrás de um grande relógio antigo, com acesso por uma escadaria. Os quadrinhos incorporaram essa ideia.

A imagem do ator William Austin, calvo, magro e com bigodinho, é usada até hoje nos quadrinhos do Batman.

E como já vimos, provavelmente, Alfred foi mesmo criado para o programa, mas a DC lançou sua versão nos quadrinhos antes. Contudo, o visual de William Austin foi tão marcante que após o sucesso da série, as HQs incorporaram a exata aparência do ator para o personagem, como veremos a seguir.

Duas Caras Volta ao Normal

Enquanto isso nos quadrinhos, os novos escritores e desenhistas continuavam a desenvolver os personagens ao lado dos artistas veteranos, de modo que o roteirista H.L. Gold e o desenhista Jerry Robinson contaram mais uma aventura com o Coringa em Detective Comics 76, a edição 77 trouxe o Crime Doctor e o número 78 trouxe roteiro de Alvin Schwartz e arte de Jack Burnley, que também assina a sua primeira capa. A edição 79 trouxe história de Don Cameron e Robinson.

O Duas Caras ganha sua primeira capa e encerra seu primeiro ciclo.

Duas edições importantes de Detective Comics saíram enquanto o serial de cinema era exibido. A primeira foi o número 80, no qual Bill Finger e Bob Kane encerram (por enquanto) a saga do Duas Caras. Após os eventos das edições 66 e 68, o trágico vilão se vê novamente em meio a uma ação criminosa até que sua esposa, Gilda Kent (ainda não era usado o nome Dent, que se consolidou depois), fez um gesto desesperado para o marido parasse. Ela é baleada e um Duas Caras furioso sai contra outro grupo de criminosos até saber que ela está viva e vai se recuperar. Demonstrando que ainda tem algo de Harvey Kent dentro de si, o ex-promotor se entrega à polícia e é submetido a uma cirurgia plástica, recuperando seu rosto e voltando ao normal.

A outra edição importante é o número 81, onde temos a estreia do Cavaleiro (Mortimer Drake), um vilão que se veste como um herói medieval e gosta de roubar objetos exóticos e singulares, e seria um oponente bastante frequente na Era de Ouro. Em suas primeiras aparições, ele daria bastante trabalho ao Batman, sempre conseguindo escapar sem ser preso.

Dick Sprang: um dos maiores artistas do Batman em todos os tempos.

A Chegada de Dick Sprang

Nessa época, Batman ganhou um de seus desenhistas mais expressivos e importantes: Dick Sprang. Nascido em Fremont, Ohio, em 1914, tendo, portanto, a mesma idade de Bob Kane, Sprang começou a carreira como ilustrador quando era bem jovem. Ao longo da década de 1930, ainda no ensino médio, ele trabalhou no jornal Standart Magazine, fazendo a ilustração para produtos à venda (como móveis e roupas), antes de se mudar para Nova York e trabalhar na ilustração de capas e arte interna de revistas pulp diversas.

As HQs levaram as revistas pulps ao declínio, então, Sprang diversificou seu trabalho, conseguindo importantes colocações como desenhista fantasma para a tira de jornal Secret Agent X-9, produzida pelo romancista Dashiel Hammett e o artista Alex Reymond (criador de Flash Gordon) e também na popular tira do Cavaleiro Solitário. Ele também montou um pequeno estúdio com o arte-finalista Norman Fallon produzindo histórias em quadrinhos genéricas para diversas editoras pequenas.

A arte de Dick Sprang já é reconhecível nessa gravura, feita para a história de Detective Comics 84, mas que antes foi recortada para ilustrar a capa de Batman 19.

Sempre em busca de trabalho, Sprang enviou amostras de seu material para a DC Comics e foi aprovado por Whitney Ellsworth, que precisava de mais mão de obra, uma vez que Bob Kane estava envolvido na produção da tira de jornal do Batman, entre 1943 e 1946. Como teste, Ellsworth lhe passou um roteiro de Mort Weisinger e a arte de Sprang lhe impressionou tanto que o editor selecionou uma figura da dupla dinâmica, a ampliou e a publicou como capa de Batman 18, de agosto-setembro de 1943, sendo o primeiro trabalho publicado do artista com o herói. Começava uma parceria que duraria 20 anos!

Sprang era capaz de seguir o direcionamento proposto pela arte original de Bob Kane e Jerry Robinson de um Batman de queixo quadrado e peitoral largo, elementos caricaturais, mas ao mesmo tempo, dotar os traços de beleza, leveza e fluidez que faltava a ambos os artistas. Era uma arte estilosa e bonita, se afastando a feiura da arte original de Kane em suas primeiras histórias.

Por isso, ele virou o desenhista para o Batman favorito tanto de Bob Kane quanto de Ellsworth.

Capa de “Batman 20” por Dick Sprang.

Assim, Sprang se firmou quase imediatamente como o principal desenhista da revista Batman, ainda que sua arte também fosse usada em Detective Comics e em World’s Finest. Começando em Batman 19, de outubro-novembro de 1943, na qual desenhou todas as quatro histórias (!), Sprang virou o artista oficial da revista e esteve presente na maioria de seus números até o número 133, de 1960! Em Detective Comics, sua primeira história veio na edição 84, de fevereiro de 1944, e de modo mais salteado, continuou aparecendo até a edição 308, de 1962.

… mas logo ganhou uma bela versão estilizada, aqui transposto para a realidade.

Mas antes de chegar a esse futuro, vamos com calma. Por exemplo, em Batman 20, de dezembro-janeiro de 1944, Sprang não desenhou nenhuma das histórias (a arte ficou com Burnley e Kane; e os roteiros por Cameron e Finger), mas fez uma estonteante capa na qual realizou um ligeiro redesign no Batmóvel, adicionando listas vermelhas horizontais e lhe dando um toque maior de realidade. O Batmóvel manteria esse visual pelos próximos 20 anos.

Dick Sprang desenhou de novo as quatro histórias de Batman 21, uma delas com o Pinguim, um vilão cujo visual casou como uma luva com a arte do desenhista.

O Redesign de Alfred

Como já dissemos, o visual do ator William Austin como Alfred impactou tanto que a DC Comics decidiu incorporá-lo aos quadrinhos. Assim, Detective Comics 83, de janeiro de 1944, traz uma história de Bill Finger e Jack Burnley (que também fez a capa) na qual Alfred Beagle vê que sua falta de forma (e suas aspirações a detetive e fazer parte da ação) estava lhe atrapalhando, então, ele pede alguns dias de folga e se submete a um treinamento intensivo para emagrecer, aparecendo, então, como uma figura alta, magra e com um bigode fino, estreando o visual pelo qual o personagem é retratado até hoje nas HQs.

Outro destaque da edição 83 é que foi também a primeira vez que a Batcaverna foi retratada como uma caverna de verdade, também incorporando o visual do seriado de cinema (inclusive, com a entrada pelo relógio e a escadaria). Dali em diante, a base subterrânea deixaria de ser apenas uma garagem para os veículos e passou a concentrar todas as funcionalidades relacionadas à atuação da dupla dinâmica, com a Sala de Troféus, ginásio, laboratório, computador etc.

O número 84 trouxe (como já dissemos) a estreia de Dick Sprang na revista (com roteiro de Mort Weisinger); a edição 85 trouxe roteiro de Bill Finger e arte de Ed Kressey e Dick Sprang, com uma interessante aventura do Coringa contra um farsante que tenta roubar sua identidade (um tema que seria reutilizado nos anos 1980) e trouxe também uma retrospectiva dos embates da dupla da dinâmica contra o vilão.

O Pinguim é finalmente preso em Detective Comics 87 e a edição 89 trouxe a volta do Cavaleiro, ambas com arte de Dick Sprang.

Alfred ganha destaque novamente em Batman 22, de abril-maio de 1944, numa revista com capa de Sprang, mas o artista não desenha nenhuma das histórias. Numa delas, por Mort Weisinger e Jerry Robinson, Alfred ganha sua primeira aventura solo, algo que lhe valeu estampar a capa pela primeira vez, também. Weisinger ainda estava no Exército na época, mas conseguia escrever um roteiro ou outro de vez em quando e enviar para a DC em Nova York pelo correio.

A empreitada foi bem-sucedida e Alfred permaneceu tendo uma história solo em Batman até o número 36 (em 1946).

Algo importante acontece em Batman 24, de agosto-setembro de 1944, onde Joseph Samachson e Dick Sprang trazem a estreia do professor Carter Nichols, que desenvolve uma técnica de enviar as pessoas de volta no tempo através de hipnose. Nesta ocasião, ele envia a dupla dinâmica aos tempos do Império Romano e os heróis ajudam a desmontar uma rede de corrupção e ajudar à população necessitada. Era mais outro passo rumo à fantasia em maior escala e Nichols seria bastante usado no futuro. A revista também traz outra aventura solo de Alfred por Mort Weisinger.

Aproveitando a deixa, Mort Weisinger reassumiu suas funções editorais em 1946, quando retornou do Exército, mas como Jack Schifft já estava ocupado da editoria das revistas do Batman, a DC Comics fez um arranjo no qual Weisinger assumiu um posto intermediário, supervisionando o trabalho de Schifft em Batman e de Murray Boltinoff no Superman, mas abaixo de Whitney Ellsworth na hierarquia.

Mort Weisinger: abusador e bullyier.

Ao que consta, Schifft lidava com os aspectos mais operacionais da editoria, acompanhando o trabalho de escritores e desenhistas, cuidando da parte técnica (design das revistas, letramento, organização da revista etc.); enquanto a Weisinger cabia o direcionamento criativo. Como escritor que era, lhe cabia demandar histórias específicas e temas a serem explorados, sendo, portanto, o grande narrador por trás dos eventos e o principal interlocutor de seu antigo colega de colégio, Bob Kane, na condução das histórias.

Weisinger tinha certo respeito por Kane, mas ficou conhecido como um editor irascível, que tinha uma postura abusadora e gostava de humilhar seus subordinados e os artistas.

Acenos Cômicos

A presença de Mort Weisinger na redação pressionava Bob Kane e o seu estúdio para que as histórias tivessem mais humor e comédia, como uma forma de atrair a leitura de crianças sem as preocupações dos pais, que continuavam a ver as HQs com reservas. Infelizmente, isso foi levando a situações meio embaraçadoras.

Coringa, Pinguim e humor em Batman 25, por Cameron, Burnley e Robinson.

Por exemplo, em Batman 25, de 1944, escrita por Don Cameron e com arte de Jack Burnley e Jerry Robinson, temos um evento histórico no qual no qual o Coringa une as forças com o Pinguim pela primeira vez, mas numa trama tipicamente infantil e leve, nada parecida com os contos de pouco tempo antes. Em determinado momento, Batman consegue fazer com que os dois vilões fiquem brigando entre si feito duas crianças birrentas e, com isso, libertar a si mesmo e Robin.

Outro exemplo é Batman 32, de dezembro de 1945, escrita por Cameron e com arte de Dick Sprang, ainda mais cômica, com o Coringa capturando o Batman e obrigando o Robin a executar uma série de atividades vexatórias, e no fim, inclusive traz o típico final fanfarrão, no qual o Batman acerta um tambor na cabeça no Coringa, que sai correndo com o instrumento enfiado na cabeça, às cegas, e bate em um poste. Esta aventura ainda é célebre por trazer pela primeira vez a carta de baralho gigante do curinga que se transformará em um dos itens mais famosos da Sala dos Troféus da Batcaverna.

Como nos velhos tempos, esta revista tinha outras histórias importantes. Além de mais uma aventura solo de Alfred, vemos uma origem mais detalhada do Robin, por Bill Finger e Sprang, na qual vemos a segunda aventura do menino prodígio, que teria ocorrido entre Detective Comics 38 e 39, contando que a ideia de Bruce Wayne era que Dick Grayson realizasse apenas sua captura do gangster responsável pela morte de seus pais e passasse a ter uma vida normal, mas o garoto insiste em continuar como Robin e salva o Batman das mãos de uma quadrilha criminosa.

Outra história traz o retorno do professor Carter Nichols, dessa vez, enviando a dupla dinâmica para a Idade Média para interagir com D’Artagnan e os Três Mosqueteiros.

A arte de Dick Sprang para Batman 33.

Dick Sprang fez outra de suas capas mais icônicas para Batman 33, de junho-julho de 1945, na qual o herói e o Coringa jogam xadrez com peças que representam eles próprios (copiando, na verdade, uma ideia que aparecera em uma das primeiras histórias do Capitão América, de quatro anos antes), enquanto a edição 36 trouxe outra história com viagem no tempo, com a dupla dinâmica indo parar na Corte do Rei Arthur.

Mais Fantasmas para Bob Kane

É importante contextualizar que o período da primeira metade dos anos 1940 (onde estávamos) representam aquele de maior sucesso na história da indústria de HQs em todos os tempos, com revistas como Batman vendendo na casa de 1 milhão de unidades, mas essa euforia acabou quase imediatamente com o fim da II Guerra Mundial, em setembro de 1945. Muito rapidamente o mercado de quadrinhos declinou em vendas e os super-heróis perderam o protagonismo, com o público (em parte adulto) preferindo histórias mais violentas de terror e tramas policiais.

O efeito foi tão forte que, gradativamente, o imenso panteão de personagens da All-American Comics (a editora irmã da DC) começou a desaparecer das bancas e até o fim da década de 1940, nomes como The Flash e Lanterna Verde deixaram de ser publicados, o que se expandiu para outras editoras, também, com o Capitão América cancelado em 1949. Em alguns anos, Superman, Batman e Mulher-Maravilha seriam os únicos super-heróis presentes nas bancas!

As tiras de jornal do Batman, por exemplo, foram encerradas em 1946, mas Bob Kane não regressou à arte nas revistas de forma continuada. Preferiu continuar a exercer seu confortável papel de editor, deixando a arte para seus “fantasmas”, ainda que ele dirigisse o seu personagem como um editor de facto. A crescente produção de histórias também levou à contratação de mais novos desenhistas para darem conta do volume. Naquele ano, dois novos nomes importantes chegaram: Paul Cooper e Jim Mooney.

Capa de Win Mortimer.

Cooper teve uma passagem mais breve pelo Batman, mas deixou sua marca com sua arte bonita, estreando em Batman 35, de janeiro de 1946, mas também trabalhou em Detective Comics (a partir do número 117) e de World’s Finest (a partir do número 28).

Contra o dinossauro que irá enfeitar a Batcaverna. Arte de Paul Cooper.

É de Paul Cooper a arte da segunda história de Batman 35, que trouxe Dinossaur Island, escrita por Bill Finger, na qual a dupla dinâmica vai parar em uma ilha que é um parque “de diversões” equipado com versões robóticas de dinossauros. Como “brinde” dessa aventura, Batman leva o modelo do T-Rex para a Batcaverna e o animal mecânico se transformou no item mais notável e famoso a enfeitar a base do herói e um elemento icônico do universo do morcego que perdura até hoje.

Vale mencionar ainda que o Batman já tinha enfrentado um T-Rex robô na edição 11 da mesma revista, mas oficialmente a DC Comics sempre considerou o artefato da Batcaverna este segundo robô. A reaproveitação de ideias de histórias anteriores é uma marca da gestão de Mort Weisinger, o editor assistente responsável pelas histórias do morcego.

Já o desenhista Jim Mooney era um veterano da DC, trabalhando em personagens do universo do Superman, mas também teve uma importante passagem pelo Batman, estreando em Batman 38, de dezembro de 1946, e colaborando até o número 76; bem como em Detective Comics, entre os números 148 e 255. Depois, ele teria uma passagem na Marvel e regressaria à DC.

Na passagem de 1947 para 1948, após nove anos como um dos principais ilustradores do Batman, Jerry Robinson decidiu partir para outras aventuras. Perambulou por um tempo por outras editoras de quadrinhos, mas terminou ficando famoso como um cartunista político. Para substituí-lo Charles Paris – que já vinha fazendo a tinta nanquim nas revistas há muito tempo – migrou para o lápis em Batman 42, de agosto de 1947, trabalhando também na Detective Comics a partir do número 127, de setembro daquele mesmo ano.

A estreia de Vicki Vale.

Por fim, nessa fase, veio o desenhista Lew S. Schwartz, que estreou em Batman 49, de outubro de 1948, numa história escrita por Bill Finger. Ele começou em grande estilo, pois a aventura que desenhou introduziu o vilão Chapeleiro Louco e a fotógrafa jornalista Vicki Vale, o novo interesse romântico de Bruce Wayne, ocupando o lugar de Linda Page, que cansara da frivolidade do noivo.

Contudo, ao que consta, o design de Vicki Vale foi criado por Bob Kane, pois sempre foi alegado que ele contratou uma modelo em início de carreira para desenhá-la e servir de molde à personagem. Essa modelo se chamava Norma Jeane Mortenson, mas alguns anos depois, ele chegou ao estrelato em Hollywood e adotou o nome artístico de Marilyn Monroe.

Com o passar do tempo, Vale se tornou a mais famosa das namoradas “civis” do Batman, mas ela foi introduzida com a intenção de mimetizar o papel de Lois Lane, como uma intrépida repórter que chega a suspeitar que Bruce Wayne é o homem-morcego.

A versão original do Pistoleiro, de fraque e cartola.

Lew S. Schwartz terminou tendo bastante destaque na equipe criativa do Batman, sendo o responsável pela criação do Pistoleiro (Deadshot) em Batman 59, de 1950 (com roteiro de David Vern Reed); e do Mariposa Assassina em Batman 63, de 1951 (com texto de Bill Finger). A história do Pistoleiro foi particularmente marcante, pois Floyd Lawson era retratado como um vigilante que vem auxiliar o Batman no combate ao crime em Gotham City e trabalha ao lado do Comissário Gordon na ausência do homem-morcego até que o herói descobre que se trata de uma farsa, que o Pistoleiro é um criminoso e sua ação “heroica” visava apenas distrair a polícia de crimes mais importantes.

O Pistoleiro teria bastante importância na DC Comics décadas no futuro, com um design totalmente diferente e como um vilão trágico e membro principal do Esquadrão Suicida, conforme veremos adiante.

Dessa época veio a última adesão fundamental à famosa galeria de vilões do personagem, com o Charada estreando em Detective Comics 140, de outubro de 1948, com texto de Bill Finger e arte de Dick Sprang. A história mostra não somente o primeiro confronto com a dupla dinâmica, mas a origem Edward Nigma.

E não eram apenas desenhistas que vinham compor o relativamente extenso grupo de criadores do Batman de então: alguns roteiristas também vieram auxiliar Bob Kane, já que Finger não dava conta de escrever tudo sozinho. Dentre esses, David Vern Reed (pseudônimo de David Levine) foi um destaque, começando em Batman 56, de dezembro de 1949, e contribuiu também em Detective Comics a partir do número 179, de janeiro de 1952.

Pin-up da Batcaverna por Dick Sprang, datada de 1995.

Este período da segunda metade dos anos 1940, que coincide com o retorno de Mort Weisinger à editoria das revistas do Batman, vivenciou o declínio nas vendas que atingiram a indústria, então, era necessário mais agilidade do que nunca para perceber o que vendia bem e o que não e responder às demandas do mercado, no que Weisinger era, realmente, habilidoso. Mas para isso, o editor mudou o modo como a redação da DC Comics funcionava.

Até então, pelo menos no campo específico do morcego, a criação das revistas vinha basicamente do diálogo entre o editor em questão e o estúdio de Bob Kane, mas Weisinger – apesar de conhecer o cartunista desde a adolescência – não era famoso pela gentileza: ao perceber que o contrato com Kane não exigia exclusividade, começou a demandar histórias de outros criadores independentes tanto do estúdio de Kane quanto dos corredores da editora.

Dali em diante, a criação das histórias passava pelas demandas de Weisinger num sistema meio de leilão: ele dava um mote, os roteiristas produziam suas histórias, o editor avaliava, exigia mudanças e mandava à produção (o que incluía desenho, nanquim, letramento etc.) e à publicação o que aprovasse. Mas o editor realmente exercia duramente seu poder: humilhando, xingando, chantageando, abusando e assediando todos os que trabalhassem com ele.

Por isso temos não só o aumento da diversidade de criadores, mas o afastamento de alguns mais antigos, dos quais o caso (já citado) de Jerry Robinson foi o mais notório. Todavia, Bill Finger também escreveu menos nesse período, preferindo o ambiente mais amigável da Marvel (que ainda se chamava Timely naqueles tempos): o roteirista já contribuía com o Capitão América pelo menos desde 1943 e intensificou sua participação na etapa final de publicação do sentinela da liberdade, que deixou as bancas em 1949.

Briga de Gata e Morcego

Mas vamos dar um passo atrás para abordar um tópico específico: a conturbada relação entre Batman e Mulher-Gato, que teve um grande desenvolvimento nessa época. De volta a 1944, enquanto vilões novos (e marcantes), como Pinguim e Duas Caras surgiam, e o Coringa aparecia para tudo o que é lado, a Mulher-Gato não foi esquecida e recebeu alguns desenvolvimentos nesse período. A mesma Batman 22 , de abril-maio de 1944, em que houve a primeira aventura solo de Alfred, também trouxe outro confronto com a ladra, na qual ela se faz passar por uma governanta de uma socialite como estratégia de se vingar de Bruce Wayne por a ter enganado (sete números antes). Usando Alfred como isca, ela chega a capturar o milionário e seu protegido, mas depois, a dupla dinâmica dá o troco, usando Alfred (fantasiado de Batman) para enganá-la e preservar a identidade secreta do herói.

A estreia do uniforme clássico da Mulher-Gato.

Ela ficou um tempo presa e escapou novamente em Batman 35, de junho de 1946, numa história tradicionalmente creditada a Bill Finger e Bob Kane (o que mostra que Kane realmente continuava por trás da maior parte dos passos importantes relacionados ao morcego), quando a Mulher-Gato resolve adotar um novo uniforme: uma máscara com orelhas muito similar a do homem-morcego, luvas, um vestido e capa, que se transformou no visual clássico da vilã durante a Era de Ouro (e um pouco além, até os anos 1980).

No fim dessa história, a Mulher-Gato cai em um abismo e é dada como morta. Um detalhe editorial é que a vilã teve seu cabelo pintado de loiro nessa edição, o que foi um erro.

Mas, claro, ela já voltou na edição 39, de fevereiro-março de 1947, por Finger e Kane, novamente tentando convencer o herói a se unir a ela na vida de crimes dentro de uma história de temática natalina. Sem sucesso, e cadeia de novo.

A primeira capa da Mulher-Gato, em 1947.

E como a personagem era muito popular, já voltou outra vez em Detective Comics 122, de abril de 1947, também por Finger e Kane, na qual a ladra felina estreia o uso de suas garras retráveis em suas luvas. Inclusive, ela escapa da prisão usando esse artefato e aparece na capa rasgando o uniforme do Robin. Aliás, essa era a estreia da personagem em uma capa! Ela também estreia seu veículo especial, o Kitt Car ou Catmobile.

A Mulher-Gato era uma ótima maneira de brincar com a sexualidade nas histórias do Batman.

Uma curiosidade é que nessa última edição a Mulher-Gato consegue escapar da dupla dinâmica usando seu carro, mas em sua aparição seguinte, em Batman 42, de agosto-setembro de 1947, por Finger e arte de Charles Paris, ela está de novo na prisão. Dessa vez, ela baseia seus crimes em histórias relacionadas a gatos e, embora escape das garras da dupla dinâmica duas vezes, termina sendo presa outra vez no fim.

Três edições depois, lá está a vilã de volta, em Batman 45, de fevereiro-março de 1948, com roteiro de William Woodfolk e arte de Charles Paris, agora, reivindicando seu reconhecimento como malvada quando um livro sobre mulheres criminosas é lançado e não faz menção a ela. E duas edições depois, no número 47, por Finger e Kane, lá está a Mulher-Gato de novo, agora, com uma série de crimes relacionados à moda.

Depois dessa sequência quase ininterrupta de aparições, a Mulher-Gato foi deixada um pouco de lado por alguns meses.

Joe Chill, o Assassino

Como vimos, Bob Kane continuava envolvido nas histórias do Batman e coordenando os principais momentos do herói. Então, a mesma Batman 47, de junho-julho de 1948, nas mãos de Bill Finger e Bob Kane, trouxe uma história muito importante e especial: a primeira adesão à origem do homem-morcego.

Esta bela capa é creditada a Bob Kane e Charles Paris.

Lembremos, a origem do Batman havia sido contada apenas em rápidos quadros na abertura da história de Detective Comics 33, de nove anos antes. Mas a trama de The Origin of Batman trouxe uma série de novidades. Na trama, no que parece ser um crime ordinário, a dupla dinâmica investiga um caminhão deixado para trás, e descobrem junto ao Comissário Gordon quem é o proprietário da companhia que abriga o veículo: Joe Chill.

Mas ao ver a foto do sujeito no GCPD, Batman de imediato reconhece o sujeito: é o assassino de seus pais, Thomas e Martha Wayne. O herói recorda o evento e o juramento que fez para vingar suas mortes e combater o crime; porém, ficamos sabendo que até aquele momento, Bruce Wayne nunca soubera quem fora o assassino, e com isso, que o crime nunca fora solucionado. Sem dúvidas, um elemento trágico e dramático ao herói, ainda mais, quando ele próprio é famoso por ser detetive.

O curioso é que apesar de Finger e Kane terem criado ambas as versões, a cena do crime é narrada ligeiramente diferente desta vez, com um novo diálogo, e uma mudança: na versão de 1933, Martha também é baleada pelo bandido; enquanto na versão de 1948, ela morre de um ataque cardíaco após ver Thomas ser baleado. Será que a DC Comics julgou que era covardia demais Joe Chill matar uma mulher a sangue frio? É bem provável…

Querendo sua vingança, um Batman um pouco mais nervoso que o normal decide ir nessa missão sozinho (sem Robin) e tenta se infiltrar na companhia de Chill, sem sucesso. Chill está organizando uma partida de jogo ilegal a bordo de uma lancha, de modo que avançando na baía sai do alcance da polícia de Gotham. Mas a polícia estadual aparece e o dono do barco vai avisar Chill.

O ladrão acha que o proprietário atraiu a polícia e o mata a tiros quando o Batman chega. Mas Chill alega que agiu em legítima defesa e o herói não tem como provar que não foi. Furioso, Batman vai ao encontro do bandido outra vez e lhe diz que Bruce Wayne ainda é capaz de identificá-lo como o assassino de seu pai; e na resposta de Chill que nenhum juri acreditaria que Wayne pudesse fazer isso depois de todos esses anos, o Batman tira sua máscara e diz para Chill que é Bruce Wayne e isso o transformou no homem-morcego.

É interessante que a arte mostra Batman usando sua silhueta para assustar Chill, naquele típico gesto mais assustador e violento que o herói tinha em suas primeiras histórias, antes de ser suavizado pela DC Comics. O morcego diz que não pode prendê-lo, mas que vai ficar vigiando-o bem de perto até que cometa algum erro.

Assustado e desesperado, Chill vai em busca de seus homens e diz para eles que o Batman revelou quem era e que se tornou o herói porque ele matou os pais dele. Os bandidos ficam loucos porque Chill “criou” o Batman e o matam com uma saraivada de tiros. Os bandidos percebem que atiraram antes de saber quem o herói é tentam fazer o agonizante Chill dizer, mas Batman aparece e derruba os criminosos antes que algo seja dito. Chill morre e os outros são presos. Bruce lamenta que as coisas tenha ocorrido dessa maneira, mas o caso Thomas e Martha Wayne finalmente é encerrado.

Essa trama de Finger e Kane seria bem marcante dentro do cânone do herói, inclusive, por testar seus limites e a história seria ampliada e aprofundada em uma nova versão no futuro, no arco Batman: Ano Dois, que comentaremos mais adiante.

O Seriado de Cinema de 1949

Após o sucesso do seriado de 1943, a Columbia Pictures investiu em um novo serial, que foi ao ar em 1949. Não é conhecido o motivo de ter demorado tanto, mas o novo programa foi tomado como uma sequência, embora com um elenco totalmente novo. Dessa vez, batizado de The New Adventures of Batman and Robin, The Boy Wonder (muitas vezes, encurtado para Batman and Robin), a série teve produção de Sam Katzman, direção de Spencer Gordon Bennett e roteiro de George H. Plympton e Joseph F. Poland.

Para o elenco, Robert Lowery como Bruce Wayne/ Batman, Johnny Ducan como Dick Grayson/ Robin, Jane Adams como Vicki Vale, Lyle Talbot como Comissário Gordon, dentre outros. Na trama, a dupla dinâmica combate o vilão The Wizard, cuja identidade secreta é um mistério ao longo do programa. O seriado teve 15 episódios, totalizando 264 minutos e foi exibido nos cinemas de maio a setembro de 1949. Como o anterior, era uma produção de baixo orçamento e isso é visível em todos os aspectos do programa.

Robert Lowery foi o Batman de 1949.

Embora seja menos bem-sucedido do que seu predecessor, a série de 1949 guarda algumas curiosidades, como o fato de Lowery ter toda a pinta de playboy e experiência com filmes de ação; Ducan ter 25 anos de idade (ainda que realmente pareça um adolescente tardio); e Talbot se notabilizando por, poucos anos depois, ser o primeiro ator a interpretar Lex Luthor, em um seriado do Superman.

O resultado não deve ter sido boa coisa, pois não houve outra adaptação do Batman em live action por quase 20 anos.

A Origem da Mulher-Gato

Após algum tempo fora do ar, a Mulher-Gato regressou em uma trilogia de aventuras que mudaram totalmente o seu status quo. Começa em Batman 62, de dezembro-janeiro de 1951, por Bill Finger no roteiro e arte de Bob Kane e Lew S. Schwartz. Na trama, um novo gangster chamado Sr. X planeja uma série de roubos e decide “contratar” os serviços da Mulher-Gato, enviando um pacote de dinamite para a prisão e libertando-a. A felina aceita a proposta e entra em ação.

Mas claro que a dupla dinâmica encontra a ladra e se inicia um confronto, porém, quando a Mulher-Gato está prestes a fugir, Batman fica no alvo de um prédio velho que começa a desabar. Achando que o herói irá morrer, a vilã corre em sua ajuda e o salva, mas é atingida na cabeça por um tijolo e desmaia. Ela acorda na Batcaverna e descobrimos que seu nome é Selina Kyle e que despertou de um estado de amnésia do qual sofreu nos últimos 10 anos!

Ficamos então, sabendo da origem dela: Kyle era uma aeromoça que foi vítima de um acidente aéreo e perdeu sua memória, condição que a levou a se transformar em uma ladra. O fascínio pelos gatos vinha do pai dela, que fora o dono de um pet shop, e essa lembrança ficou em seu inconsciente. Ao mesmo tempo, Batman e Robin relatam vários de seus encontros com ela como vilã – numa retrospectiva das histórias antigas – e Selina fica horrorizada pelo o que fez.

Em conluio com o Comissário Gordon, como maneira de compensar por seus crimes anteriores, a dupla dinâmica decide usar Selina para pegar o Sr. X, com ela fingindo executar seus crimes para entregar o criminoso, num plano que dá certo. Com isso, Selina dá fim à sua carreira criminosa.

Pouco tempo depois, Batman 65, de junho-julho de 1951, traz outra história de Finger, Kane e Lew S. Schwartz na qual uma série de crimes envolvendo gatos ocorrem em Gotham City e a imprensa aponta a responsabilidade para a Mulher-Gato, mas Selina Kyle agora é uma reformada dona de pet shop. A dupla dinâmica fica um pouco confusa, ainda mais quando a ex-ladra se alia ao chefão Baleia Morton e sai ao confronto dos dois até descobrirem que a gata cumprira o papel de agente duplo para ajudar o Comissário Gordon a pegar Morton.

A mesma revista tem outra história importante, não relacionada à trama da Mulher-Gato, que vale à pena citar: novamente por Finger e Lew S. Schwartz, temos Um parceiro para o Batman, na qual, enquanto o Robin se acidenta em ação, quebrando o pé, o homem-morcego e o Comissário Gordon treinam um novo herói chamado Alado, destinado a combater o crime na Europa.

Mas o interessante é que a imprensa julga que ele irá substituir o Robin, e o menino-prodígio é atacado por insegurança e ciúme até tudo se esclarecer no fim.

Finger, Kane e Schwartz terminam sua trilogia em Batman 69, de fevereiro-março de 1952, onde surge um criminoso chamado O Rei dos Gatos, que tenta mimetizar os velhos crimes da Mulher-Gato. Quando o vilão é confrontado pela dupla dinâmica, a Mulher-Gato intervém a favor do Rei, mas sabemos por seus pensamentos que ela fez isso apenas para que consiga convencer o novo vilão a se entregar à polícia. No fim, a batalha se dá no Zoológico de Gotham e Batman e o Rei dos Gatos caem nas jaulas dos grandes felinos, correndo grandes riscos, e ambos são salvos pela Mulher-Gato. Ao ver isso, o Rei se entrega à polícia e ficamos sabendo que ele é ninguém menos do que Karl Kyle, o irmão de Selina.

A ex-ladra continua afastada de sua vida de crimes por um tempo.

A Origem do Coringa

Após 11 anos como o principal vilão do Batman, o Coringa finalmente ganhou uma origem, contada em grande estilo em Detective Comics 168, de fevereiro de 1951, com roteiro de Bill Finger, arte de Lew S. Schwartz e Win Mortimer e capa de Schwartz. É provável que Bob Kane tenha tido envolvimento direto, pois é sabido por depoimentos que Kane continuava administrando as principais tramas e eventos do mundo do morcego.

A capa de “Detective Comics 158” que traz o Capuz Vermelho e a origem do Coringa.

Na trama da história, Batman e Robin investigam os crimes de um bandido chamado Capuz Vermelho, que o homem-morcego perseguira dez anos antes e desaparecera. O motivo é um curso de detetive para alunos da Universidade de Gotham ministrado pelo Batman (é, é a Era de Ouro, lembram?). Mas em meio às aulas, o Capuz Vermelho volta a agir. O clima de investigação e mistério é o terreno próprio de Finger e a história é muito boa, ao final do qual o homem-morcego descobre que aquele velho vilão era, na verdade, o Coringa, e que seu desaparecimento estava relacionado ao acidente que o transformou no que é hoje.

A origem contada pela primeira vez.

O palhaço do crime narra como, em sua última missão como Capuz Vermelho, realizou um grande roubo à Monarch Playing Cards Company, uma fábrica de baralhos (!), e escapou pelo tubo de dejetos químicos, usando um tubo de oxigênio embutido em sua máscara e fugindo do Batman. Mas depois, descobriu que o ácido dos químicos o deixou com a pele totalmente branca, os cabelos verdes e um sorriso permanente no rosto. É a origem oficial do vilão apresentada pela primeira vez.

A Era Jack Schiff Começa

Em 1952, a DC Comics começou a trabalhar em um novo serial para o cinema, mas dessa vez sobre o Superman – que resultou na estreia live action do personagem. O passado de editor de ficção científica e agenciador de escritores fazia com que Mort Weisinger conhecesse muita gente em Hollywood e tivesse bom trânsito na indústria do cinema, por isso, Whitney Ellsworth o designou como um tipo de editor dos roteiros para esses programas, o que lhe valeu os créditos de produtor executivo nesses filmes, inclusive, na famosa e bem sucedida série (agora já para a TV) de The Adventures of Superman, estrelada por George Reeves e exibida entre 1954 e 1958.

Jack Schiff se torna o único editor do Batman.

Por causa desse novo trabalho, Weisinger assumiu integralmente a editoria de todos os títulos associados ao homem de aço (ainda o personagem mais popular da companhia), e deixando de trabalhar com o Batman. Por isso, Jack Schiff se tornou o único editor dos títulos do homem-morcego.

Claro, Schiff já era editor das revistas desde 1943, mas trabalhara sob a supervisão cerrada de Ellsworth primeiro e depois de Weisinger. Dez anos depois, ele se tornou o chefe – embora, claro, ainda respondesse ao chefe maior, Ellsworth – e essa nova etapa duraria outros 12 anos.

Todavia, o Batman continuaria a ser o personagem favorito de Weisinger, e ele daria um jeitinho de continuar minimamente relacionado ao homem-morcego em uma jogada esperta: fazer Superman e Batman atuarem juntos nas revistas pela primeira vez.

Superman e Batman unem as Forças

Dentre os roteiristas novos que passaram a trabalhar com o Batman a partir do fim dos anos 1940, o principal foi Edmond Hamilton, um nome conhecido da ficção científica e que notabilizou como um dos principais escritores do Superman. Nascido em 1904 (portanto, dez anos mais velho do que Kane), em Youngstown, Ohio, Hamilton foi um menino prodígio que entrou na universidade aos 14 anos de idade e começou a escrever muito cedo, publicando seus contos de ficção científica na revista pulp Weird Tales, a partir de 1926, na mesma publicação que revelou nomes importantes da fantasia, como H.P. Lovecraft e Robert E. Howard, e na qual publicaria quase 80 histórias até 1948.

Edmond Hamilton, um dos mais influentes escritores da DC Comics.

Hamilton se tornou um dos mais populares escritores de ficção científica, publicou alguns romances (como The Star Kings e The Haunted Stars) e foi o principal roteirista da famosa franquia Captain Future na década de 1940 (personagem, inclusive, que fora criado por Mort Weisinger!). Ele também trabalhou nos quadrinhos, iniciando pelo Batman: sua primeira contribuição foi já na Batman 11, mas foi um serviço pontual. Ele realmente começou a escrever para o cavaleiro das trevas de modo contínuo em Detective Comics 91, de setembro de 1944 (ao lado de Dick Sprang) e também voltou ao título principal a partir de Batman 38, de dezembro de 1946; contribuindo ainda com as aventuras do homem-morcego em World’s Finest a partir do número 34, de maio de 1948.

Superman e Batman atuam juntos pela primeira vez.

Hamilton ficaria um longo tempo escrevendo o Batman, até a edição 233 de Detective Comics. Mas seu principal feito foi finalmente colocar o homem-morcego ao lado do homem de aço. Já fazia 11 anos que Superman e Batman dividiam as capas da revista World’s Finest, porém, os heróis nunca se encontravam nas aventuras e não havia sequer indícios de que habitavam o mesmo universo ficcional.

Não é muito claro até hoje o porquê da insistência da DC Comics de não criar uma interação entre suas duas maiores criações, justificada geralmente pela enorme diferença entre os personagens (um superpoderoso, outro apenas um homem treinado), mas isso mudou em Superman 76, de maio de 1952, com roteiro de Edmond Hamilton e arte de Curt Swan, trabalhando a partir de uma ideia de Mort Weisinger. Na histórica trama, a superlotação de um cruzeiro obriga Bruce Wayne e Clark Kent a dividirem uma cabine, e quando criminosos atacam o barco, os dois agem, deduzem a identidade um do outro e unem forças para combatê-los. E ainda precisam despistar as suspeitas de Lois Lane.

Muitos historiadores dos quadrinhos consideram essa aventura como as primeiras aparições das versões da Terra 1 de Superman e Batman, ou seja, as versões modernas dos personagens, conforme o retcon que a DC criaria no futuro (e falaremos adiante).

Ainda assim, apesar de realizarem o sonho da maioria dos fãs de quadrinhos ao finalmente unir Superman e Batman na mesma aventura, ainda se passaram dois anos com a World’s Finest publicando capas dos heróis unidos sem que se encontrassem nas histórias internas. Naquele tempo, a revista trazia uma história de cada um dos heróis e mais algumas outras atrações, como o Arqueiro Verde e Tomahawk.

A próxima vez em que Batman e Superman uniram as forças se deu em World’s Finest 71, de julho de 1954, mas curiosamente com roteiro de Alvin Schwartz e arte de Curt Swan. Nessa trama, os dois heróis relembram a aventura anterior e precisam, de novo, despistar Lois Lane, e para isso, trocam de identidades, o que leva à repórter a desmascarar o Batman e descobrindo que ele é… Clark Kent! No fim, ela vê Clark e Batman na mesma sala e fica confusa. Mas continua com suspeitas.

Dali em diante, em vez de aventuras solo, World’s Finest passaria a apresentar uma história conjunta de Superman e Batman, trazendo realidade às capas compartilhadas desde sempre. A primeira dessas aventuras escritas por Hamilton veio já no número 73, também com arte de Curt Swan. Ele continuaria a ser um dos principais roteiristas dessas aventuras conjuntas, mas passaria a trabalhar com Dick Sprang.

Coringa e Lex Luthor unem as forças: histórias infantis.

Um dos contos mais marcantes dessa época veio na edição 88, de 1957, por Hamilton e Sprang, que trouxe o primeiro encontro entre Coringa e Lex Luthor, que aliam forças contra seus oponentes numa trama datada, típica do Luthor cientista louco que é capaz de criar tudo: na história, ele cria robores humanoides para cometer roubos e o palhaço do crime o auxilia. Dali em diante, seria muito frequente as alianças entre os dois nas páginas de World’s Finest.

Capa de “World’s Finest 89”.

É bem provável que o motivo da mudança, da DC Comics unir Superman e Batman tenha sido dinheiro: as vendas das HQs caíram drasticamente ao fim da II Guerra Mundial, em 1945, e os super-heróis encolheram ainda mais, com os consumidores preferindo outros gêneros, como faroeste, guerra, policial e terror – este último virou uma febre no fim da década de 1940. Para se ter uma ideia do quanto o mercado de super-heróis foi atingido, no ponto em que estamos dessa história, por volta de 1954, de todo o panteão de personagens da DC Comics/All-American Comics, somente Superman, Batman e Mulher-Maravilha tinham títulos próprios nas bancas. Os demais ou foram cancelados ou permaneciam publicados de maneira secundária nas revistas dos principais.

E tudo ainda pioraria!

A Chegada de Sheldon Moldoff

Antes de falar da piora do mercado, um parênteses importante: a estreia de Sheldon Moldoff como desenhista do Batman. Nascido em 1920 em Manhattan e crescido no Bronx (ou seja, na mesma vizinhança de Kane e Finger), Moldoff começou sua carreira bem jovem, aos 17 anos, e trabalhou na National/DC para o editor Vin Sullivan, criando páginas “tapa-buraco” para revistas como Action Comics e Detective Comics, antes de ser alçado à nobre categoria de capista, como na capa de All-American Comics 16, de 1940, que trouxe a estreia do Lanterna Verde (criado por Bill Finger), e também assumiu as histórias do Gavião Negro (Hawkman) a partir de Flash Comics 04, do mesmo ano.

Sheldon Moldoff.

Ele trabalhou na DC até 1944, quando foi convocado pelo Exército e quando voltou à vida civil, dois anos depois, o mercado de super-heróis já encolhia a olhos vistos, então, migrou para o gênero de terror, onde foi bem sucedido.

Em 1953, Moldoff foi abordado por Bob Kane para ser seu “desenhista fantasma”. O próprio artista comentou em uma entrevista sobre como foi o acordo ao fanzine Alter-Ego:

Eu trabalhei para Bob Kane como um “fantasma” de 53 até 67. A DC não sabia que eu estava envolvido. Este foi o acordo de boca que tive com Bob: “Você faz o trabalho, não diz nada, Shelly, e você terá trabalho contínuo”. Não, ele não pagava grande coisa, mas era trabalho certo, era seguro. Eu sabia que teria um mínimo de 350 a 360 páginas por ano. Eu também estava fazendo outros trabalhos ao mesmo tempo para [os editores] Jack Schifft e Murray Boltinoff na DC. Eles não sabiam que eu estava trabalhando no Batman com Bob. Então, eu estava ocupado. Entre as duas coisas, eu nunca tive um ano ruim, o que foi a compensação por ser o fantasma de Bob, por me manter anônimo.

Dessa forma, a partir de 1953, com Dick Sprang e Sheldoff Moldoff fazendo as artes nas histórias do Batman, outros desenhistas foram gradativamente se afastando e Bob Kane só pegava no lápis em ocasiões muito e muito especiais, ainda que continuasse a atuar como um editor, propondo histórias aos roteiristas, criando personagens e supervisionando o trabalho.

A Censura aos Quadrinhos e a Infantilização das Histórias

Na medida em que avançavam os anos 1950, as histórias se tornariam cada vez mais infantis, especialmente após a perseguição aos quadrinhos empreendida pelo psiquiatra Fredric Wertham que lançou o livro A Sedução do Inocente, em 1954, acusando os quadrinhos de serem os responsáveis pela delinquência juvenil nos EUA e afirmando que Batman e Robin tinham uma relação homossexual (e pedófila).

Wertham botava lenha na fogueira do velho debate já existente desde o início dos anos 1940 de que as HQs eram prejudiciais à juventude, mas o novo livro foi escrito de modo bombástico, atacando não somente o homem-morcego, mas também a Mulher-Maravilha (que era chamada de lésbica) e toda a linha de terror que se tornara muito popular após o declínio das vendas dos super-heróis.

O rebuliço do livro foi tão grande que foi aberta até uma investigação no Congresso dos EUA (um tipo de CPI). Não ajudava o fato de que – independente das HQs (e mais relacionada às contradições internas da sociedade estadunidense da época) – o país vivia mesmo uma onda de incremento na delinquência juvenil, com crimes e gangues de motoqueiros fazendo arruaça. Na verdade, Wertham poderia ter notado que esse fenômeno não era local e ocorria também no outro lado do Atlântico mesmo sem as HQs por lá. O fato é que uma nova juventude emergia do pós-guerra e entrava em choque com os valores da geração de seus pais, algo que gerou os movimentos artísticos de vanguarda, como os beatnicks e o rock’n’roll.

De qualquer modo, na esteira da polêmica, as vendas caíram e para se desvencilhar das acusações, as DC Comics impôs um ritmo mais calmo e infantil às histórias ao mesmo tempo em que as próprias editoras se reuniram e criaram o Comic Code Authority (CCA), um selo responsável por uma autocensura que impedia que coisas como sexo e violência explícita aparecessem nas tramas. Como resultado, Superman e Batman foram transformados em heróis totalmente “inofensivos”. Aos pais era dada a mensagem de que ao adquirirem uma revista com o selo de aprovação do Código, só encontrariam histórias inofensivas, divertidas e edificantes.

Uma das consequências imediatas do Código foi o desaparecimento da Mulher-Gato. Afinal, a vilã tinha como função trazer a tensão sexual e um toque de humor em consequência a isso na sua briga de gato e rato (alado) com o herói. E o pior, é que isso aconteceu justamente no momento em que a ladra vivia um retorno em grande estilo.

Afinal, após dois anos completos de ausência nas bancas por causa de sua regeneração, atendendo a pedidos intensos dos leitores, a Mulher-Gato retomou sua carreira de crimes em Detective Comics 203, de janeiro de 1954, com roteiro de Edmond Hamilton e arte creditada pelos historiadores a Bob Kane (e não Sheldon Moldoff como seria o esperado). Na trama, num desculpa esfarrapada, Selina Kyle fica furiosa ao ler uma reportagem do Gotham Gazette de que a cidade estava sem crimes por causa da ação do Batman e fazia pouco caso da Mulher-Gato. Então, ela retoma sua carreira criminosa, enfrenta a dupla dinâmica e consegue escapar em uma lancha no fim.

A Mulher-Gato em “Batman 84”.

Ela logo voltou em Batman 84, de junho de 1954, por David Vern Reed e Sheldoff Moldoff, numa trama em que Selina Kyle concorre em um concurso de beleza. Batman tenta prendê-la, mas a jovem tenta convencê-lo de que continua “na linha” e que os recentes crimes da Mulher-Gato (incluindo sua aparição anterior) seriam realizados por uma segunda Mulher-Gato e não ela. Quando todas as competidoras, incluindo Selina, caem em um coma misterioso, isso parece corroborar seu argumento, mas ela se recupera “milagrosamente” e ganha o concurso pela “desistência” das outras. Batman desmascara o plano e a Mulher-Gato é presa.

Ela regressa uma última vez em Detective Comics 211, de setembro de 1954, por Edmond Hamilton e Dick Sprang, quando após um roubo de diamantes é perseguida pela dupla dinâmica em seu Catplane até uma ilha tropical deserta, onde consegue derrubar o Batplano e encurralar os heróis com seus capangas e um conjunto de felinos selvagens. Batman e Robin conseguem se salvar e capturar os bandidos, mas a Mulher-Gato consegue escapar.

O duo promete prendê-la da próxima vez, mas a Mulher-Gato só voltaria 12 anos depois! O fato é que o envolvimento amoroso de um herói com uma criminosa e pretensamente assassina não era aceito pelo CCA, então, não havia sentido em usar a personagem.

Explorando o Passado

Na transição para a adoção integral das políticas do CCA, as revistas do homem-morcego publicaram duas histórias importantes sobre as origens do herói e teriam influências cronológicas duradouras.

A primeira delas veio em Detective Comics 226, de dezembro de 1955, com roteiro de Edmond Hamilton e arte de Dick Sprang, na qual quando o famoso detetive Harvey Harris morre, seu espólio envia uma caixa para Bruce Wayne e, quando ele abre, se revela um uniforme do Robin! Então, Bruce explica para Dick que ele foi o primeiro Robin: quando tinha a mesma idade do adolescente, decidiu fazer um “estágio” com Harris, que era o melhor detetive de Gotham, e para preservar sua identidade, adotou o uniforme do menino prodígio, cujo nome “Robin” teria sido dado pelo detetive.

Embora os escritores posteriores não insistiram muito no fato de Bruce Wayne ter sido o primeiro Robin em histórias futuras, a trama geral implicava que o herói iniciou seu treinamento para se tornar o Batman no futuro muito cedo, algo que as revisões cronológicas do futuro mantiveram, assim como a procura por especialistas em cada campo para dominá-los.

A segunda história também mexeu no passado, mas com um elemento mais duradouro. Menos de um ano depois da anterior, Detective Comics 235, de setembro de 1956, por Bill Finger e Sheldon Moldoff (ou seja, sob a coordenação de Bob Kane), temos a trama na qual Batman descobre um vídeo caseiro de seu pai, Thomas Wayne, usando um uniforme muito parecido com o seu para uma festa à fantasia. Daí, Bruce lembra e percebe que criou o uniforme do Batman quando adulto (após a famosa cena do morcego entrando por sua janela, de Detective Comics 33, que é recontada) porque inconscientemente lembrava que seu pai tinha usado um.

A trama mostra que Thomas Wayne usou tal fantasia numa festa e terminou interferindo nos planos do gangster Lew Moxon, que decidiu, então, matar o famoso médico. Daí vem a grande revelação: Joe Chill (o assassino que havia sido revelado em Batman 47) fora contratado por Moxon para matar o casal Wayne, e não fora um assalto comum.

Com essa descoberta, Batman e Robin vão ao encalço de Moxon, ainda vivo e atuante, mas o criminoso nega que conheça Chill ou os Wayne. Então, após o homem-morcego ter seu uniforme danificado na luta contra a quadrilha do chefão, decide voltar usando o uniforme de seu pai, o que faz Moxon ter um ataque de pânico, achando que aquele é o espírito de Thomas Wayne querendo vingança. Correndo desesperado para fugir, Moxon termina sendo atropelado por um caminhão e morre.

Reconhecendo mais essa importância de seu pai para sua carreira de combate ao crime, Bruce expõe o uniforme dele em sua Sala de Troféus.

No futuro, os escritores ficariam oscilando entre considerar a morte dos Wayne como um assalto casual ou como um crime encomendado por Lew Moxon, mas este elemento permaneceu circulando pelo cânone do herói, hora aceito, hora não, e essa aventura até ganharia uma releitura décadas mais tarde. E a ideia de uma roupa para festa à fantasia que se transforma em uniforme oficial seria reciclada pouco mais de uma década à frente com a Batgirl.

O Clube dos Heróis

Ao mesmo tempo em que as mudanças causadas pela adoção do Comics Code Authority começavam a aparecer, os criadores em torno do Batman (Jack Schiff, Bob Kane) começaram a investir num tipo de “diversificação” da imagem do homem-morcego, criando uma série de variações do herói ou outros personagens vinculados, o que resultou na criação do Clube dos Heróis – o que em algum sentido traz uma importância como um tipo (precário, é verdade) de antecessores da Liga da Justiça (sobre a qual falaremos adiante).

Provavelmente, a intenção era criar novos personagens que, caso fossem bem recebidos pelos leitores, pudessem ganhar aventuras próprias e ampliar o leque de opções da DC Comics que, como já escrevemos, àquela altura tinha apenas Batman, Robin, Superman, Superboy e Mulher-Maravilha como super-heróis publicados de modo fixo e contínuo. Mas se era esse o plano, não logrou êxito.

De qualquer modo, seguindo a lógica do Alado que mencionamos há pouco, vemos o surgimento de versões indígenas de Batman e Robin em Batman 86, de setembro de 1954, por France Herron e Sheldon Moldoff. Na trama, os heróis descobrem que os dois guerreiros originários se inspiraram nos combatentes “da cidade grande” para lutar por seus direitos em suas terras e combater inimigos, e são ajudados por eles.

Daí, pouco tempo depois veio a super-clássica Batmen de todas as nações, de Detective Comics 215, de janeiro de 1955, por Edmond Hamilton e Sheldon Moldoff, que mostra o surgimento de uma série de heróis espalhados pelo mundo: o Cavaleiro (Knight no original, diferente do vilão Cavallier, que também é traduzido como Cavaleiro em português) e seu parceiro Escudeiro, na Inglaterra; o Mosqueteiro (com o visual muito parecido com o Cavallier), na França; o Legionário na Itália; o Gaúcho na América do Sul (não fica claro se ele é do Brasil, da Argentina, Uruguai ou do Paraguai – ainda que fale espanhol) e o Ranger na Austrália.

Ao ler sobre eles em um jornal, Batman os convida para ir a Gotham City aprender com sua metodologia de combate ao crime, mas um chefão criminoso toma o lugar do Legionário e sabota várias ações, com o detetive embuçado fingindo sua morte em um atentado para desmascará-lo.

A reunião desse time de heróis é chamada de Clube dos Heróis em World’s Finest Comics 89, de julho-agosto de 1957, por Hamilton e Dick Sprang, numa trama, claro, que inclui também o Superman: todos se reúnem em Metrópolis e vêm o surgimento de um novo e poderoso herói chamado Homem-Relâmpago, até descobrirem que o novato é o próprio homem de aço, que criou uma dupla identidade ao ser afetado por um satélite de kryptonita na atmosfera terrestre.

Todavia, apesar de causar alguma impressão em uma série de leitores da época – vide por exemplo, escritores futuros como Grant Morrison – o conceito parece que não emplacou, pois a DC Comics não retomou esses heróis depois disso.

Deu A Louca no Batman

A adoção do Comics Code Authority causou um dano severo no Batman e na qualidade de suas histórias. Ainda que desde meados dos anos 1940 já houvesse um movimento de suavizar as histórias, até então, a linha narrativa principal do homem-morcego ainda era a de tramas policiais com alguma dose de realismo e violência; mas sob o controle do CCA, as HQs precisavam ser inofensivas e agradáveis, o que as levou a ficar inócuas.

Não somente isso, um tom infantil e bobo se tornou mais dominante. E como as tramas policiais não eram mais bem-vindas, o editor Jack Schiff decidiu investir no que estava dando certo com os outros heróis da DC, especialmente após a virada para a Era de Prata em 1956 (conforme veremos abaixo): a ficção científica. Daí, abundaram histórias sem pé nem cabeça na qual Batman e Robin viajavam no tempo, enfrentavam monstros e alienígenas; numa total ruptura com o entorno do personagem.

Num aceno fofinho aos novos tempos, em Batman 92, de junho de 1955, Bill Finger e Sheldon Moldoff apresentam a história que introduziu Ace, o Batcão, quando a dupla dinâmica adota um houndog e lhe põe uma máscara para disfarçar a mancha branca que tem na testa e garantir sua “identidade secreta”.

As memórias de Wertham também continuavam a assombrar e, após um tempo, ter Bruce Wayne flertando com a fotógrafa Vicki Vale e mimetizando a relação Clark Kent/ Lois Lane não era mais o suficiente, então, foi decidido dar um interesse romântico mais constante ao herói, surgindo, assim, a Batwoman em Detective Comics 233, de julho de 1956, com roteiro de Edmond Hamilton e arte de Sheldon Moldoff.

Na trama, Kathy Kane (uma [auto?]homenagem ao criador do personagem?) era uma socialite de Gotham City, dona de um circo e que fora trapezista e se apresentava com a moto no picadeiro, que decidia auxiliar a dupla dinâmica no combate ao crime. Ela é bem sucedida em sua estreia, mas numa ação paternalista (e machista?), o homem-morcego fica preocupado com sua segurança e lhe convence a abandonar a ideia.

Era um teste editorial, claro, e com a resposta positiva dos leitores, a Batwoman regressou em Batman 105, de fevereiro de 1957, agora por Bill Finger e Sheldon Moldoff (dupla que escreverá a maior parte de suas aventuras), novamente se mostrando capaz. Dali em diante, Kathy Kane continuaria aparecendo constantemente, fosse em Detective, em Batman ou mesmo em World’s Finest, onde se faz presente a partir do número 90, por Edmond Hamilton e Dick Sprang.

Àquela altura, provavelmente, Bill Finger apenas escrevia as histórias por encomenda, fosse de Bob Kane ou de Jack Schiff, mas o escritor fazia um esforço para garantir algum interesse nas tramas, como se vê em Detective Comics 247, de setembro de 1957, com arte de Moldoff, na qual há uma trama muito bacana em que vemos Batman adotando uma nova identidade heroica chamada Starman (sim, mais ou menos o mesmo herói da All-Star Comics dos anos 1940) porque o vilão Professor Milo usou uma tática de hipnose para fazer o herói ter fobia de sua silhueta de morcego.

Para vencer, Bruce conta com a ajuda de Robin para assistir seguidamente várias filmagens de si mesmo e vencer o medo, o que consegue e prende Milo, o que faz desse esquecido vilão, na verdade, o mais contundente oponente que o cruzado embuçado enfrentou nessa reta final da Era de Ouro.

Essa aventura teve um desdobramento logo em seguida, em Batman 112, de dezembro de 1957, de novo por Finger e Moldoff, na qual Batman acorda em uma instituição psiquiátrica e “descobre” que ele não pode ser Bruce Wayne, porque Bruce e Dick vivem na Mansão Wayne e não sabem quem ele é. Até que o detetive sombrio descobre a farsa – Alfred se passa tanto por Bruce quanto por Batman – e Robin lhe explica que ele fora envenenado pelo Professor Milo quando o prendeu, numa substância que causa profunda depressão e inação que culmina na morte, e a única forma de cura era manter o herói intrigado e em movimento por 24 horas para expelir o veneno.

Ao mesmo tempo, em Detective Comics 249, de novembro de 1957, Finger e Moldoff trazem a trama em que Bruce Wayne é acusado de um assassinato e está prestes a ser fuzilado, o que faz Robin e Batwoman unirem as forças para provar sua inocência, noutra história cheia de suspense psicológico e nível de qualidade mais alto.

Contudo, apesar dessas exceções, a linha prioritária das aventuras da DC Comics, e do Batman em particular, era histórias de temática bizarra, que puxavam o herói para longe de sua ambientação urbana originária em temas de ficção científica bastante exagerados, como a que vemos em uma das histórias de Batman 113, de fevereiro de 1958, por Frank Herron e Dick Sprang (artista que era muito bom nessas ambientações, em vista de seu trabalho em World’s Finest), no qual Batman é abduzido ao planeta Zur-En-Arrn por um herói alienígena que adotou a identidade de Batman ao assistir (via telescópio) as aventuras do nosso herói.

Mimetizando a lógica do Superman, uma vez na atmosfera estranha do novo planeta, Batman se torna tão poderoso quanto seu velho amigo e usa dessas novas habilidades para ajudar seu novo amigo, lutando contra robores gigantes, até que no fim é mandado de volta a Gotham. A trama termina com a ideia de “será que foi um sonho?”, mas ele mantém nas mãos o rádio com o qual se comunicava com seu amigo.

Para apimentar as coisas, em Batman 119, de outubro de 1958 (não se sabe quem foi o escritor, mas a arte provavelmente foi de Moldoff), Vicki Vale e Batwoman disputam a atenção e o interesse do homem-morcego quando as duas são eleitas “A Mulher do Ano” pelo Gotham Gazette. Mas em médio prazo, Kathy Kane levou a melhor, pois enquanto a mulher-morcego continuou aparecendo constantemente, Vale desapareceu das histórias por um tempo.

Mas não pense que o retrato de uma heroína nessas HQs era qualquer coisa de emancipadora da figura feminina: as tramas tinham tom paternalista e condescendente, ainda que a Batwoman fosse realmente eficiente em sua ação, mas retratada de um modo muito estereotipado. Inclusive, em vez de um cinto de utilidades, ela tinha uma bolsa de utilidades e todos os seus apetrechos especiais eram designados como utensílios femininos, como um batom que virava maçarico ou um pincel que se transformava em telescópio e esse tipo de coisa.

Se tudo isso ainda não era suficientemente estranho, em Detective Comics 267, de maio de 1959, Finger e Moldoff introduzem o Bat-Mite, um duende da 5ª Dimensão com poderes mágicos que era o maior fã do Batman e aparecia na nossa realidade sempre disposto ajudar, mas criando uma série de confusões. Era uma versão atrapalhada e bem intencionada do Sr. Mxyzptlk do Superman.

Outro exemplo bizarro da “loucura” que tomava as aventuras do herói foi uma das hsitórias de Batman 134, de setembro de 1960, por Finger e Moldoff, na qual a dupla dinâmica enfrenta a Criatura Arco-Íris na qual cada espectro de cor causa um efeito bizarro, inclusive, tornando Batman e Robin finos como folhas. Puxa…

A editoria da DC percebeu que apenas Batman ter uma namorada não era o suficiente, então, trataram de arranjar uma garota para o Robin, também. Assim, em Batman 139, de abril de 1961, por Finger e Moldoff, estreia a Batgirl, quando a sobrinha de Kathy, Betty Kane, vem a Gotham, descobre a identidade secreta da tia e decide auxiliar o trio dinâmica, formando um quarteto incrível de heróis. Sim, é tão ruim quanto parece e agora a Bat-Família do início dos anos 1960 estava completa.

Em meio a isso, surgiu pelo menos um novo vilão importante dentro do cânone do herói: Detective Comics 298, de dezembro de 1961, por Finger e Moldoff, mostra o explorador Matt Hagen encontrar uma caverna submarina com uma piscina de protoplasma radioativo no qual ele cai acidentalmente e se transforma em uma criatura de barro capaz de assumir a forma de qualquer coisa, o que lhe torna a segunda versão do Cara de Barro.

O Cara de Barro II voltaria logo em seguida em Detective Comics 304 e, de novo, na edição 312. Apesar de muito em acordo com o espírito da época, o vilão deixaria uma impressão duradoura e seria bastante significativo a partir dos anos 1980.

A rivalidade da Batwoman com Vicki Vale é retomada em Detective Comics 309, de novembro de 1962, quando somos informados que a repórter tinha passado um tempo como correspondente estrangeira (daí sua ausência prolongada nas tramas); e de novo em Batman 157, de agosto de 1963, em que Finger e Moldoff mostram que o vilão Sr. Espelho descobriu a identidade secreta do Batman (ao ver o rosto do herói por debaixo do capuz usando um aparelho de raios-x) e tenta provar isso, com Vicki Vale tentando mostrar que ele estava errado, a Batwoman ajudando o herói e Alfred outra vez se passando pelo Batman para enganar as duas moças e convencê-las de que Bruce Wayne não tinha nada a ver com aquilo.

Inclusive, fazendo-se valer de seu passado de ator, Alfred-Batman arranca um beijo de Vicki, dizendo depois ao seu patrão que “precisou improvisar”.

A Bat-Família ainda tem uma célebre batalha contra a união do Coringa com o Cara de Barro II em Batman 159, que encerra o ciclo deste último vilão na Era de Ouro.

Temos um último exemplo da tentativa de Bill Finger de realizar histórias relevantes, na super-clássica Robin morre ao amanhecer, em Batman 156, de junho de 1963, com arte de Moldoff.

Talvez até deliberadamente, a trama da história dupla inicia com outra daquelas aventuras bizarras, na qual Batman e Robin estão em um estranho planeta alienígena e enfrentam um robô gigante de seis braços e um monstro atarracado de olhos brilhantes e a luta termina com Robin sendo esmagado por uma grande rocha e morrendo. Abalado, o detetive sombrio é obrigado a improvisar um enterro ao seu tutelado e busca vingança, até que… Batman desperta em um tipo de laboratório e descobrimos que tudo aquilo se tratava de um experimento científico para medir os efeitos da falta de gravidade e do isolamento no espaço para o nascente programa espacial dos Estados Unidos.

O mais interessante é que o herói fica com sequelas da alucinação que sofreu no teste e começa a ter pesadelos ou associar elementos da realidade aos eventos que sonhou, o que atrapalha sua ação contra o crime, o que leva Bruce a contemplar a possibilidade de abandonar sua carreira ao crime. Mas com a ajuda de Robin, Alfred e Ace, o batcão, o herói vai se fortalecendo, e sua resiliência prevalece, vencendo o seu trauma.

A ideia do trauma, da superação e dos medos internos, como podemos notar, eram temáticas que Finger queria explorar nas aventuras do Batman e eram uma forma de trazer um pouco do velho clima sombrio, adulto e sério de tempos idos. E a sacada de fazer a bizarra alucinação do Batman ser fruto de um experimento parecia uma maneira do escritor de justificar toda aquela bizarrice que abundava nas revistas como fruto desse tipo de situação.

E claro, a imagem de Robin morto nos braços do Batman ainda voltaria a ecoar o mundo do cavaleiro das trevas. Tenha paciência e espere chegarmos aos anos 1980…

A Era de Kane e Finger estava realmente chegando ao fim e terminaria, infelizmente, em notas negativas, com a grotesca aventura de Batman 162, (sem roteirista conhecido, mas em vista da assinatura de Bob Kane presente, é provável ter sido executada por Finger e Moldoff), na qual Batman, Robin e Batwoman combatem uma quadrilha que usa uma arma que transforma feras (como touros, tigres, gorilas etc.) em humanos ferais muito fortes e habilidosos, e no qual Batman termina sendo atingido e se transforma numa besta até ser revertido à forma normal. E Batwoman e Batgirl aparecerem pela última vez em Detective Comics 325. Ambas as revistas publicadas em março de 1964.

Nesse meio tempo, as coisas mudaram: as vendas das revistas do homem-morcego despencaram (por que será?) ao ponto em que Detective Comics passou a ter apenas duas histórias (em vez das 8 ou 6 que tinha no início da década de 1950), uma do herói e outra do Caçador de Marte; e Batman, que tinha 4 histórias desde sempre (mesmo quando se tornou mensal), se reduziu para somente duas.

Mas num cenário em que novos heróis da DC Comics emergiam com bastante sucesso e a Marvel Comics e os heróis problemáticos de Stan Lee e Jack Kirby apareciam como uma ameaça no horizonte, a editora cogitava seriamente cancelar o personagem e tirá-lo das bancas.

A Era de Prata dos Quadrinhos e a Liga da Justiça

Os historiadores consideram que a estreia do Superman em 1938 deu origem à Era de Ouro dos Quadrinhos, que se encerra com a perseguição liderada por Fredric Wertham e a instauração do Comics Code Authority. Mas se seguiu a Era de Prata, cujo principal artífice foi o editor Julius Schwartz.

Julius Schwartz, jovem e idoso.

Nenhum outro editor foi mais importante para a história da DC Comics do que Julius Schwartz. Já o encontramos nessa história: ele foi o parceiro de Mort Weisinger no fanzine The Time Traveller e depois na agência de escritores Solar Sales Services, administrando a carreira de ficção científica. Após Weisinger se mudar para a DC Comics, Schwartz permaneceu na agência até 1944, quando fechou as portas após o declínio do espaço de publicação para a ficção científica que ocorrera no período.

Naquele ano, um dos clientes de Schwartz, Alfred Bester, estava escrevendo as histórias do Lanterna Verde (herói criado por Bill Finger) na editora irmã da DC, a All-American Comics, e lhe recomendou o trabalho como editor. Mas após o declínio das vendas dos super-heróis no pós-guerra, a perseguição de Wertham e a criação do CCA, o enxugamento da máquina editorial levou finalmente à fusão de DC e All-American sob uma única bandeira, com o nome da primeira. Quando a ação do CCA convenceu os pais de que era “seguro” aos seus filhos lerem HQs novamente e as vendas sentiram um pequeno incremento, Schwartz enxergou uma oportunidade para trazer de volta os personagens da All-American de volta às bancas, pois Lanterna Verde, Flash, Gavião Negro e outros tinham, todos, deixado de serem publicados ainda no fim dos anos 1940.

Showcase 04 traz a estreia do Flash.

No entanto, a grande sacada de Schwartz foi criar novas versões desses personagens, em vez de simplesmente trazê-los de volta. Assim, uma nova versão do Flash, agora chamado Berry Allen, estreou na revista Showcase 04, de outubro de 1956, nas mãos do roteirista Robert Kanigher e do artista Carmine Infantino, no que é considerado o marco-zero da Era de Prata. O sucesso do velocista escarlate – agora com um belo uniforme vermelho e mascarado – garantiu o relançamento da revista Flash Comics, depois rebatizada de The Flash (e não mais uma revista mix e trazendo apenas aventuras do herói). O criador do Flash original, Gardner Fox, também foi trazido de volta como roteirista.

O Volume 02 traz capa de “Showcase 22”, de 1959, com a primeira aparição do novo Lanterna Verde.

A Mulher-Maravilha era a única personagem de expressão da velha All-American que continuava a ser publicada, inclusive, em seu próprio título, e Schwartz também comandou uma modernização dela, tendo Robert Kanigher como escritor e Ross Andru como artista, a partir de 1958. Em seguida, lançou uma nova versão do Lanterna Verde: agora, Hal Jordan era um piloto de testes selecionado para fazer parte de uma polícia intergaláctica que protege o universo, conforme vemos a partir de Showcase 22, de outubro de 1959, por John Broome e Gil Kane, o que levou ao lançamento da revista Green Lantern.

Capa de “The Brave and the Bold 28”, de 1960, com a primeira história da Liga da Justiça.

Com um punhado de personagens renovados e fazendo sucesso de novo após muitos anos, Schwartz decidiu criar uma nova versão da Sociedade da Justiça, e trouxe o mesmo Gardner Fox para desenvolver a ideia, batizando agora o grupo de Liga da Justiça (“liga” era uma expressão mais moderna e jovial do que “sociedade”), que estreou na revista The Brave and the Bold 28, de fevereiro-março de 1960, por Fox e Mike Sekowsky, reunindo Flash, Lanterna Verde, Mulher-Maravilha, Aquaman e o Caçador de Marte sob o mesmo teto.

Mas tendo em vista que a DC Comics era uma editora unificada, agora, a estreia (que mostra o grupo já formado e atuante) dá a entender que Superman e Batman são membros do time, embora não participem da aventura. O Batman efetivamente participa da história de The Brave and the Bold 29, contra o vilão Amazo, mas não aparece na capa; e não aparece na edição 30, que dessa vez traz o Superman pela primeira vez.

Após três edições de teste em The Brave and the Bold, o chefão Whitney Ellsworth autorizou que o grupo ganhasse uma revista própria e The Justice League of America 01 estreou com alarde e sucesso. A estratégia de poupar Superman e Batman continuou, com os heróis aparecendo efetivamente nas aventuras, mas em papeis reduzidos e sem estrelarem as capas – ainda que na edição 01 é claramente visível a dupla no jogo de tabuleiro do vilão Despero.

E prevendo que o grupo precisaria de mais membros no futuro, Schwartz garantiu o lançamento de novas versões de Gavião Negro (em The Brave and the Bold 34, de 1961) e do Átomo (por muito tempo chamado de Elektron no Brasil, em Showcase 34, de 1961).

A origem do grupo só foi revelada na edição 09, de 1962, contando como um grupo de alienígenas vem promover uma batalha em estilo rito de passagem na Terra e é impedida pelos heróis, mas Superman e Batman combatem os monstros separadamente, sem o conhecimento da ação dos outros – o que dá a entender que a formação original da Liga é o quinteto com Flash, Lanterna Verde, Mulher-Maravilha, Aquaman e Caçador de Marte e que Superman e Batman ingressaram apenas depois. Ainda mais porque, estranhamente, essa história revela que o time já existe há três anos!

A Liga continuaria a ganhar membros: o Arqueiro Verde entra na edição 04; seguido pelo Átomo na edição 14; e Superman e Batman só começaram a aparecer desavergonhadamente nas capas lá pelo número 19, de 1963.

O sucesso dessa empreitada exitosa de Schwartz chegou até mesmo ameaçar os títulos de Superman e Batman, até então, os mais populares da DC, e a revista da Liga e a do Flash logo estariam em patamares de vendas praticamente iguais aqueles. Ou superiores! E para piorar, as vendas do homem-morcego só faziam declinar nos últimos anos, ameaçando seriamente sua manutenção.

Então, Whitney Ellsworth fez o que considerava lógico: transferiu a editoria do Batman para Julius Schwartz, também.

A Renovação do Batman

Ao iniciar os anos 1960, as histórias do Batman estavam discrepantes em relação ao restante da DC Comics. Não somente o tom infatiloide e bobo das tramas e as vendas baixas, mas até a arte estava defasada em relação ao estilo da editora. Neste último ponto, a culpa era da editora, que sempre insistiu para que o aspecto visual dos personagens fosse padronizado, contudo, enquanto Superman, Flash ou Lanterna Verde vinham se desenvolvendo numa linha artística de estilo clássico, Batman ainda era retratado de modo caricatural, emulando a arte de Bob Kane.

O novo visual do Batman criado por Carmine Infantino.

Ao mesmo tempo, em janeiro de 1964, se encerrou o contrato da DC com o estúdio de Bob Kane e a direção de editora, com o presidente Irwin Donnefeld e o diretor editorial Whitney Ellsworth decidiram não mais renová-lo. Com isso, foi feito um acordo em que Kane continuaria a receber seus royalties devidos, porém, a produção das histórias seria assumida integralmente pela editora pela primeira vez.

Encerrava-se assim uma era, na qual Bob Kane não teria mais nenhuma ingerência sobre o personagem e seu universo, ao mesmo tempo em que a quase totalidade de seus subordinados (fantasmas) seriam dispensados. Sheldon Moldoff, por exemplo, continuou a fazer serviços para a editora; mas Bill Finger foi praticamente colocado de lado; Dick Sprang simplesmente decidiu se aposentar.

Bob Kane assim “encerrou” sua produção nos quadrinhos e foi trabalhar com desenhos animados, vivendo confortavelmente por causa dos royalties do Batman. O fato é que em um punhado de anos, entre 1964 e 1967, toda aquela geração de artistas e escritores que produziam o Batman nas últimas décadas (Kane, Finger, Moldoff, Sprang) simplesmente sumiu do mapa e deu lugar ao novo time da Era de Prata.

A última edição do Batman editada pelo estúdio de Bob Kane foi Detective Comics 326, justamente a tricentésima aparição do personagem na revista em que surgiu. De modo irônico e provavelmente não intencional, a edição trazia uma aventura que sintetizava o que tinha de mais característico (e pior) do personagem nesses últimos tempos, com uma trama sobre os heróis serem selecionados para um zoológico alienígena.

A editoria do Batman passou de Jack Schiff para Julius Schwartz, que designou uma nova equipe de escritores e desenhistas, a partir do time com quem vinha reformulando os velhos personagens já relatados. Como líderes criativos foram colocados o escritor John Broome (criador do Lanterna Verde Hal Jordan) e o desenhista Carmine Infantino (cocriador do Flash Barry Allen), trabalhando também com o veterano escritor Gardner Fox e ainda Mike Friedrich; e os desenhistas Chic Stone, Murphy Anderson e Gil Kane.

Carmine Infantino dez o novo design da dupla dinâmica, com um Batman mais delgado e ágil, traços mais realistas, máscara mais retilínea, contornos mais redondos e a elipse amarela em volta do símbolo do morcego. O Robin também ganhou visual menos caricato, mas ainda infantil, parecendo uma criança de 12 ou 14 anos.

A estreia da nova fase se deu em Detective Comics 327, de maio de 1964, apresentando não somente o novo visual dos personagens – sem os laços caricaturais e associadas à arte clássica de Carmine Infantino – (ainda que as inovações não sejam tão notáveis na gravura em si), mas uma trama que se voltava novamente para questões mais humanas e de tom policial e detetivesco.

A revista também modificou sua história secundária, saindo o Caçador de Marte e entrando o Rapaz Elástico que, não coincidentemente, também era um herói detetive.

Nos roteiros, a nova equipe tentou implantar um ritmo mais sério às histórias, afastando todo o elenco secundário que julgava desnecessário, como Batgirl e Batwoman. Até Vicki Vale foi descontinuada! Inclusive, até o mordomo Alfred Pennyworth foi morto logo em Detective Comics 328, numa história ainda assinada por Bill Finger e Sheldon Moldoff, agora, sob o novo design.

Alfred morre para salvar a vida da dupla dinâmica por Finger e Moldoff.

É interessante e simbólico que a segunda aventura pós-redesign do personagem tenha sido criada pela velha equipe criativa, e uma oportunidade curiosa de ver Moldoff mimetizando a arte de Infantino em vez da de Kane.

Em homenagem ao dedicado mordomo, Bruce Wayne abre a Alfred Fundation, e recebem a visita da tia Harriet, uma parente distante de Dick Grayson que se voluntaria para cuidar da dupla na ausência do leal amigo.

Voltando ao aspecto criativo, o estilo da DC era o de que, uma vez definido o visual de uma personagem, todos os outros artistas tinham que seguir tal padrão, assim, fosse Moldoff ou Gil Kane quem os desenhasse, o faziam no estilo de Infantino (assim como todos os artistas tinham que desenhar o Superman no estilo de Curt Swan).

Página de “Detective Comics 371” de 1968 por Gil Kane.

Em seguida, surge o vilão Outsider, em Detective Comics 334, que ataca sorrateiro, agindo nos bastidores, usando uma máquina para animar objetos contra os heróis, incluindo o Batmóvel, na edição 340, e também passa a manipular uma série de criminosos contra a dupla dinâmica, incluindo o Arrasa-Quarteirão (Blockbuster), na edição 349.

Embora soasse como uma pálida imitação (literalmente) do Hulk da concorrente Marvel Comics, o Arrasa-Quarteirão teria futuro no universo do morcego, ainda mais nas aventuras solo de Dick Grayson três décadas depois.

A saga com o Outsider se estende até Detective Comics 356, de outubro de 1966, na qual é revelado que o vilão é na verdade o próprio Alfred, que foi revivido por um cientista e transformado em um monstro. Mas é curado pelo Batman e retoma suas atividades comuns, agora, ao lado da tia Harriet.

Bela capa de Irv Novick para Batman 205.

Dali em diante, Alfred teria uma função mais atuante nas aventuras da dupla dinâmica, como veríamos Batman 205, de setembro de 1968, Frank Robbins e Irv Novick (este último, um artista veterano nas HQs, mas que estreava no personagem com bastante aclamação), Alfred ajuda na batalha contra o com The Schemer; e Batman 211, de maio de 1969, a mesma dupla criativa mostra Alfred salvando o homem-morcego da morte, quando um jornal underground especula a identidade secreta do Batman e o herói decide “revelar” a si mesmo, mas, mediante um acordo, usando o recluso milionário Howard Hayes (em homenagem ao real Howard Hughes) como “dublê”. A imprensa adora a história e louva o “esforço” de Hayes, que fica encantado com a aclamação e, num surto egoísta, decide matar herói e tomar o seu lugar. Quando o homem-morcego é emboscado por um espadachim mascarado, fica tão aturdido ao ver que o seu “amigo” Hayes que é golpeado pela espada, ficando à beira da morte e sendo salvo por Alfred que usa suas habilidades médicas (é revelado que ele foi paramédico no exército).

A grande história sobre Alfred nessa época veio em Batman 216, de novembro de 1969, outra vez por Robbins e Novick, onde somos apresentados a Daphne, a sobrinha do mordomo, filha de seu irmão Wilfred Pennyworth. Alfred fica aturdido quando Daphne rouba um manuscrito original de William Shakespeare que pertence a Bruce Wayne até o Batman descobrir que ela está sendo chantageada por uma quadrilha criminosa.

A Série de TV de 1966

No início da década de 1960, com filmes e TVs ainda majoritariamente em preto e branco, os cinemas ainda exibiam os velhos seriados em matinês aos sábados, e a Columbia Pictures reprisou o seriado do Batman de 1943 ao longo do ano de 1964. Novamente fazendo sucesso, o programa motivou o braço televisivo da Columbia, a CBS a produzir uma série de TV para o personagem. O programa foi intermediado na DC Comics por Whitney Ellsworth e Mort Weisinger.

A série de TV (1966-68) fez sucesso, mas manchou a imagem do homem-morcego.

O elenco da série – convenhamos – foi muito bem escolhido: Adam West era relativamente bonito e convencia com seu Bruce Wayne playboy e ar de despreocupado, ainda que estivesse longe da forma física ideal para viver o Batman e, ao longo da série, sua barriga foi ficando mais proeminente, o que terminava combinando com o clima de galhofa do programa; Burt Ward não era um adolescente, mas parecia bem jovial para encarar um Robin, ainda que as meias calças ficassem muito estranhas num programa a cores.

Outro grande destaque eram os atores convidados que faziam os vilões, com Cesar Romero (um típico latin lover da baixa Hollywood) como um Coringa histriônico; Burguess Meredith como uma versão gentleman do Pinguim; a bela e fatal Julie Newmar como Mulher-Gato; e o engraçado Frank Gorshin como Charada; além de vários outros velhos astros e galãs semiaposentados da velha Hollywood em participações especiais.

A produção coube a William Dozier e a equipe de roteiristas era liderada por Lorenzo Semple Jr., contando com Stanley Ralph Ross, Standford Sherman e Charles Hoffman como principais, mas um batalhão de escritores contribuiu ao programa, inclusive, Bill Finger, que desde a década anterior já era um habitué na TV americana. Mort Weisinger entrou como consultor de roteiro representando a DC, mas por discordar veemente do tom do programa se desligou na primeira semana de trabalho.

Antenados com a época, os produtores investiram em cores saturadas, o que dá um ar psicodélico ao show, ainda mais com o uso das onomatopeias dos quadrinhos saltando na tela a cada golpe ou soco; porém, há tons de pop-art na estética dos cenários e vestuário também. Como os testes do programa foram muito bem sucedidos, a CBS antecipou a estreia para janeiro de 1966 (quando originalmente estava previsto nove meses depois), mas isso os obrigou a exibir o seriado em dois episódios semanais de 30 minutos (em vez do tradicional semanal de uma hora), adotando um gancho na trama, uma situação de perigo, para ligar os dois capítulos, no que ficou como um tipo de homenagem aos velhos serials dos cinemas.

Robin e Batman na TV.

A primeira temporada foi não só um sucesso, mas um fenômeno cultural, de modo que a Columbia encomendou um longametragem para o cinema seguindo a mesma estética. O filme Batman foi lançado no verão de 1966 (o primeiro longa do homem-morcego) com uma trama que reunia os quatro principais vilões: Coringa, Pinguim, Mulher-Gato e Charada, ainda que Julie Newmar tenha sido substituída por Lee Meriwether, por causa de restrições contratuais.

Newmar voltou normalmente para a segunda temporada, mas Gershin foi substituído como Charada por John Astin, e Gershin voltou na terceira temporada; enquanto a Mulher-Gato foi vivida pela atriz e cantora Eartha Kitt, a primeira afrodescendente a representar o papel.

A comédia kirsh e pastelão de Adam West e Burt Ward gerou uma espécie de batmania e um novo público passou a acompanhar as revistas do herói. Porém, esse público esperava encontrar o mesmo conteúdo cômico e sem noção da TV e houve pressão do lado empresarial da DC Comics para atender essa demanda.

Houve, então, um retrocesso e as histórias voltaram a repetir o clima infantilóide da fase final do estúdio de Bob Kane. Mas foi uma estratégia equivocada da DC: rapidamente, a série de TV perdeu seu fôlego e foi cancelada na terceira temporada, em 1968. A queda das vendas nos quadrinhos também foi vertiginosa e, para completar, havia a concorrência com a Marvel Comics, cujos heróis mais sérios e problemáticos começavam a dominar o mercado.

A Nova Batgirl

A série de TV deixou pelo menos um legado duradouro nos quadrinhos: uma nova Batgirl. Com a queda na audiência no seriado em sua segunda temporada, os produtores decidiram criar uma versão televisiva da Batgirl. Para acomodar a personagem à estrutura do programa, os roteiristas sequer cogitaram criar uma versão de Betty Kane, mas fazer uma nova abordagem com a filha do Comissário Gordon (vivido por Neil Hamilton no programa), surgindo assim Barbara Gordon, interpretada por Yvonne Craig.

Mas pelos termos do contrato, a equipe de William Dozier precisava do aval da DC Comics, e Whitney Ellsworth concedeu a permissão, mas com a condição de que a personagem estreasse primeiro nas HQs. Então, às pressas, foi criada uma história para apresentar a nova Batgirl, Barbara Gordon nos quadrinhos.

Detective Comics 359, de janeiro de 1967, trouxe a história “O debute de um milhão de dólares da Batgirl”, escrita por Gardner Fox e desenhada por Carmine Infantino, na qual a filha do Comissário Gordon, Barbara, decide ir fantasiada de Batgirl em uma festa à fantasia, mas um roubo seguido de sequestro ao anfitrião Bruce Wayne (ele mesmo), obriga a moça a agir com sua fantasia e, por fim, se decidir a passar de fato a combater o crime.

A estreia da Batgirl Barbara Gordon em “Detective Comics 359”, de 1967.

Barbara era apresentada como uma menina atlética e de dotes intelectuais, pois era a bibliotecária chefe da Biblioteca de Gotham, colocando-o como uma jovem, não uma adolescente como era o Robin. O curioso é que o Comissário já era uma personagem da tira há 29 anos e sua filha nunca tinha aparecido. E não há menções a Betty Kane.

Em pouco tempo, a nova Batgirl estaria comprometida com a dupla dinâmica e começaria, inclusive, a ter aventuras solo publicadas como histórias secundárias em Detective Comics, substituindo aquelas do Rapaz Elástico e, em breve, outras ao lado da Supergirl. Rapidamente, Barbara Gordon se transformou em uma das personagens femininas mais queridas dos quadrinhos e permanece com sua força até hoje.

Ressaca Televisiva

O surgimento da nova Batgirl e o retorno de Alfred nem de longe foram as únicas consequências do seriado da TV nos quadrinhos. Muitas outras coisas de desenvolveram a partir daí.

Como já deu para notar, os escritores se esforçaram para criar uma série de vilões novos, mas pouquíssimos deles conseguiram se firmar para a posteridade, sendo a Hera Venenosa uma exceção: Pamela Isley estreou em Batman 181, de junho de 1966, pelas mãos de Robert Kaninger e Sheldon Moldoff. Na trama, ela joga seu charme em cima do Batman, que cede um pouco ao ponto de criar alguma tensão com o Robin, mimetizando o efeito que outra vilã causava no passado.

E falando nisso, outra consequência da série de TV foi a volta da Mulher-Gato: quando Julie Newmar encantou os telespectadores com seus miados e malha preta colante na TV, já faziam 12 anos que Selina Kyle havia sido banida das HQs em consequência da adoção do CCA. Ou seja, uma geração inteira de pré-adolescentes jamais havia lido uma aventura da adorável ladra. Mas passado tanto tempo e numa década cheia de mudanças culturais não seria possível que ela voltasse? Ela voltou, mas curiosamente, isso não aconteceu nas revistas do morcego.

Talvez tenha sido um teste da DC, mas a Mulher-Gato reapareceu depois de uma dúzia de anos longe dos quadrinhos na revista de Lois Lane (sim, a “namorada” do Superman tinha um título próprio naqueles tempos). Na trama de Superman’s Girlfriend Lois Lane 70 e 71, de novembro e dezembro de 1966, Leo Dorfman e Kurt Schaffenberger mostram a intrépida repórter em busca da ajuda de Selina Kyle para pegar uma quadrilha de assaltantes. Curiosamente, apesar dela ter escapado da dupla dinâmica na última vez que a vimos, a ladra é mostrada na cadeia de novo, foge e é capturada de novo pelo trio Superman, Batman e Robin.

Outra curiosidade é que – seja proposital ou acidental – a felina vilã usa uma variação de seu uniforme clássico, no qual a antiga saia recortada é substituída por uma calça mais recatada.

Pouco depois, a vilã aparece rapidamente (numa espécie de anúncio de seu retorno) em Detective Comics 369, por Gardner Fox e Carmine Infantino, na interessante trama na qual a Batgirl percebe que Batman contraiu a Febre do Pântano (um doença fictícia, pois esta só dá em equinos) e, no fim, Bruce Wayne está acamado e fica intrigado quando o Comissário Gordon lhe dá de presente um pacote de laranjas chinesas quando lhe visita junto a Barbara, o que lhe faz pensar que o amigo sabe que ele é o homem-morcego.

Então, a Mulher-Gato e o herói se reencontram em Batman 197, de dezembro de 1967, por Fox e com Frank Springer na arte, quando vemos que a ladra está enciumada do cavaleiro das trevas andar por Gotham ao lado da Batgirl e busca hostilizá-la. Nessa aparição bombástica, a vilã exibe um uniforme exatamente igual ao de Lee Meriwether no filme para o cinema, com a máscara com orelhas, apenas pintado de verde em vez do preto televisivo, pois tintas escuras ainda eram complicadas naqueles tempos em que as HQs ainda eram impressas em 4 cores.

Capa de Neal Adams para a comemorativa Batman 200.

Nessa mesma época, a revista Batman atingiu o ducentésimo número, estando “defasada” em relação à sua irmã Detective Comics, porque iniciou sua carreira como trimestral, depois de um par de anos passou a ser bimestral por um longo período até se tornar mensal em 1954. E na edição comemorativa, de abril de 1968, Mike Friedrich e Chic Stone mostram uma aventura especial na qual Batman e Robin são afetados pela toxina do medo do Espantalho e ficam incapacitados de agir, o que leva Alfred a confortar os amigos e relembrá-los de suas origens, o que faz vencerem o medo induzido pelo gás e vencem o vilão.

A comemoração continua no número seguinte, a edição 201, com um evento pouco comum: reunir vários vilões em uma mesma história, com a dupla dinâmica enfrentando a reunião de Pinguim, Coringa, Mulher-Gato, Mestre das Pistas e Chapeleiro Louco numa disputa pela liderança no crime organizado.

O Coringa em sua última aparição antes do embargo.

Outro efeito da série é que a imagem do Coringa ficou bastante desgastada entre os leitores veteranos, que não gostavam do tom galhofeiro dado ao vilão e, se aproveitando que Julius Schwartz não gostava do vilão, ele emitiu uma espécie de embargo contra o personagem, aparecendo muito esporadicamente, e depois de Detective Comics 388, de junho de 1969, o Coringa passou nada menos do que quatro anos sem dar as caras.

Outra consequência do sucesso da série de TV nos quadrinhos foi que a revista The Brave and the Bold, que trazia “grandes encontros” dos heróis da DC (foi nela que surgiu a Liga da Justiça, por exemplo), passou a apresentar o Batman como anfitrião fixo ao lado de um convidado, ou seja, a partir do número 67, de setembro de 1966, todas as suas edições passaram a trazer o homem-morcego em aventuras conjuntas a outros personagens, especialmente da própria Liga da Justiça, como Flash, Lanterna Verde, Arqueiro Verde e, em seguida, praticamente todo o crescente panteão da editora.

Mesmo antes disso, a revista já era comandada pelo escritor Bob Haney, que prosseguiu nessa missão ao lado de praticamente um artista a cada edição, como Carmine Infantino, Mike Sekowski, Jimmy Craig, George Papp etc.

Capa de “The Brave and the Bold 81”: Batman e Flash unidos contra Bork numa clássica aventura.

A edição 81, por exemplo, escrita por Bob Haney e desenhada por Neal Adams mostrava o cavaleiro das trevas ao lado do velocista escarlate contra o vilão Bork. Parecia uma aventura corriqueira, mas o tom sério, a pintura escura, a arte cinematográfica com altas doses de realismo… Parecia que algo novo estava no ar!

Mudanças na DC

Enquanto a série de TV do Batman era exibida, ocorreu uma mudança de grande porte na DC Comics. Até então, a editora – ainda oficialmente nomeada National Comics – fazia parte de um conglomerado empresarial (que incluía a Independent News, uma distribuidora de revistas) de propriedade da família de Harry Donenfeld (que falecera em 1965) e seu filho Irwin Donenfeld (que era então o diretor executivo), além do sócio Jack S. Liebowitz. Contudo, o sucesso estrondoso do seriado – que também gerou uma reprise na TV de As Aventuras do Superman e à produção de desenhos animados do Batman e do Superman pela Filmation para exibição nas manhãs de sábado – despertou o interesse corporativo aos quadrinhos de uma forma que nunca ocorrera antes.

Harry Donenfeld, Jack Liebowitz e Irwin Donenfeld.

Então, em 1967, a DC Comics foi comprada pela Kinney National Company, uma empresa que iniciou as atividades ainda no século XIX com manutenção de residências e, àquela altura, era um forte conglomerado agindo em várias áreas, como estacionamentos. Com isso, deixou de ser uma editora pequena com rostos discerníveis e relações pessoais entre proprietários, editores e artistas e se transformou em uma peça de um conglomerado de entretenimento.

E isso ganhou uma dimensão ainda mais forte dois anos depois, em 1969, quando a Kinney comprou a Warner Bros.-Seven Arts, um tradicional estúdio de cinema que passava por momentos difíceis na aurora da Nova Hollywood. Com isso, a Kinney mudou seu nome para Warner Communications Inc. e a DC Comics se transformou (como o é até hoje) numa subsidiária de uma empresa de cinema e mídia. Isso teria grandes implicações para a exploração das HQs em outras mídias.

Infantino: publisher da DC.

Em consequência dessas mudanças corporativas, todo o velho staff editorial foi afastado da direção da editora. Saíram nomes como Whitney Ellsworth e restou apenas Mort Weisinger ainda na editoria dos títulos do Superman, mas ele também seria afastado em 1970. Irwin Donenfeld deixou de ser o editor executivo da DC e foi temporariamente promovido a vice-presidente executivo, mas logo foi afastado da nova empresa e o cargo de editor executivo foi ocupado interinamente por George Kashdan até parar nas mãos do desenhista Carmine Infantino.

Escritores e artistas aproveitaram o aumento de musculatura financeira da DC e tomaram a oportunidade para reivindicar melhores condições de trabalho, como previdência social e seguro saúde, o que resultou na Kinney simplesmente demitir sumariamente todo um grupo de veteranos, como Bill Finger, Sheldon Moldoff, Jerry Sieger e muitos outros, em 1967.

A Era de Bronze: A Volta do Batman Sombrio

Desde o começo, Carmine Infantino (diretor editorial) e Julius Schwartz (editor dos títulos do Batman) tentavam convencer a direção da Kinney/Warner/DC de que o Batman fosse representado de forma séria nos quadrinhos, mas houve resistência nos rescaldos do sucesso da série de TV. Isso crou um mal estar danado no fandoom dos leitores e a máxima de que “todo mundo sabe como o Batman deve ser, menos a DC Comics”. Mas no fim, o dinheiro falou mais alto: com o declínio brusco nas vendas após a febre do seriado, a empresa cedeu.

Batman (e Arqueiro Verde) na deslumbrante arte de Neal Adams.

A virada para um Batman novamente sério, até mais do que isso, novamente sombrio, fez o personagem entrar na Era de Bronze, um período em que as HQs se tornaram mais maduras e comandadas por uma nova geração de artistas. Para o cavaleiro das trevas, o processo não foi exatamente veloz, mas gradativo, começando em 1968, e resultando na renovação quase completa das equipes criativas do personagem e nomes como Dennis O’Neil, Neal Adams, Frank Robbins, Irv Novick, Bob Haney, Jim Aparo, Bob Brown, Gil Kane e mais alguns outros se tornando os principais nomes por trás do homem-morcego.

“The Brave and the Bold 85”, de 1968: início de uma das melhores fases do Batman.

Muitos historiadores apontam a revista The Brave and the Bold 85, de 1968, como o marco inicial dessa fase: o escritor Bob Haney e o novo desenhista Neal Adams começaram a imprimir um ritmo mais sério às histórias. Na trama de Atiraram no Senador, Bruce Wayne tem que lidar com um assassinato no Senado Federal dos EUA, ao lado do Arqueiro Verde como convidado, num novo visual criado por Adams. A história é séria, dramática, de tons sombrios e lida com política e temas do cotidiano, parecendo mesmo uma ruptura daqueles elementos mais fantasiosos e coloridos de pouco antes.

Página de The Brave and the Bold 85, por Haney (texto) e Adams (arte).

E como se tudo isso não bastasse, ainda havia a belíssima arte de Neal Adams, adotando um estilo fotográfico e realista (indo além da reformulação visual de Infantino), transformando o Batman numa figura mais delgada e ágil e fortalecendo os contornos sombrios do personagem, bem como cenas de ação bonitas e quadros com angulações provocativas. Tudo era sério, bonito e de boa qualidade. Em pouquíssimo tempo, o artista se tornou um dos nomes mais apreciados do mercado de quadrinhos.

Sob a liderança de Schwartz, o grupo criadores mais jovens, como O’Neil, Haney, Robbins e Adams começou a discutir de que maneira as aventuras do Batman podiam ser amadurecidas, e um pensamento recorrente era se livrar do Robin e todas as más lembranças que ele trazia de Wertham ou da série de TV. Assim foi feito: Detective Comics 393, de novembro de 1969, com texto de Frank Robins e arte de Bob Brown traz “a despedida”, o “último caso” tocado pela dupla dinâmica. Dick Grayson tinha terminado o Ensino Médio (o que dava ao menino prodígio uns 18 anos de idade e não mais aquele garotinho que era retratado quase aos 12 anos há pouquíssimo tempo!) e era o momento de ir para a Universidade de Hudson, ao norte de Gotham City.

Para dar ainda ares mais “modernos” ao evento, Bruce Wayne e Dick Grayson terminam tendo uma forte discussão na despedida, rompendo os laços em Batman 217, de dezembro de 1969, por Frank Robbins e Irv Novick. Bruce Wayne e Alfred, então, se mudam da Mansão para a cobertura no prédio da Fundação Wayne, instalando lá uma versão compacta da batcaverna, e passando a viver no centro de Gotham City, mais conectado com a cidade.

No mês seguinte, Robin passou a ter aventuras solo em Detective Comics, pela dupla Frank Robbins e Gil Kane, agora, situadas no mundo universitário e juvenil vivido por Dick em sua nova morada.

Batman e Robin encontram os Beatles em “Batman 222”, de 1970: a dupla dinâmica resolve o boato de “Paul está morto”.

Claro, a dupla dinâmica se reunia vez por outra em ocasiões especiais, como aquela de Batman 222, de junho de 1970, por Robbins e Novick (mais capa de Adams) na qual os herói encontram os Beatles, ou melhor, uma banda de rock sob a qual paira um mistério e um boato de que um de seus membros está morto e abrem uma investigação. Era uma clara menção ao famoso boato de que Paul McCartney estava morto (uma das lendas urbanas mais famosas da história do rock) e que tinha se popularizado apenas alguns meses antes. Era um recado da DC para mostrar que estava antenada ao que estava acontecendo no mundo da cultura.

Mas o fato é que o Batman não tinha mais a presença do Robin constantemente ao seu lado e adotou uma persona mais solitária e sombria. E só iria melhorar!

Dick Giordano.

Ao mesmo tempo, algumas mudanças criativas e editoriais continuavam a acontecer na DC Comics. Entre 1966 e 1968, a editora concorrente Charlton Comics chamou a atenção do público leitor de quadrinhos com uma renovação de seus velhos heróis (como o Besouro Azul e o Capitão Átomo) recriados por Steve Ditko (o cocriador do Homem-Aranha), que logo lançou novos personagens também, como o Questão; resultando na Charlton contratando toda uma nova leva de artistas que incluíam Neal Adams e Jim Aparo. Precisando de “sangue novo” para fazer frente ao crescimento estonteante da Marvel Comics, o editor executivo Carmine Infantino trouxe para a DC Comics o editor responsável por aquela empreitada: Dick Giordano.

Autorretrato de Jim Aparo em The Brave and the Bold 124.

Trabalhando na redação da DC, Giordano (que também era desenhista) trouxe para a casa seus principais artistas: Ditko, Adams e Aparo.

Essas mudanças foram bem recebidas e, em consequência, a direção da DC mudou o organograma da redação: Carmine Infantino foi promovido a publisher, Julius Schwartz se tornou o editor executivo e Dick Giordano virou seu braço direito; logo no início de 1971.

No que mais nos interessa aqui, Jim Aparo foi convidado para desenhar uma edição de The Brave and the Bold (o número 98), porque trazia o Vingador Fantasma, a quem o artista ilustrava em seu título solo. Satisfeito com o trabalho, pois Aparo imprimia um Batman esguio e sólido, como um meio termo entre Neal Adams e Irv Novick, Aparo se tornou o artista fixo de The Brave and the Bold a partir do número 100, de fevereiro-março de 1971, se mantendo na arte de modo quase ininterrupto pelo restante da vida da publicação, até 1983.

A Fase de Dennis O’Neil e Neal Adams: o clássico dos clássicos

O desenhista Neal Adams era um grande contador de histórias e sempre dizia em suas entrevistas que, certa vez, em 1969, o editor Julius Schwartz chegou até ele perguntando porque ele só recebia cartas dos leitores dizendo que o verdadeiro Batman era o da revista The Brave and the Bold (que ele desenhava com roteiros de Bob Haney) e não o das duas revistas do personagem (Batman e Detective Comics); e Adams lhe deu a icônica resposta: “Julius, todo mundo sabe como o Batman deve ser, menos a DC“.

O desenhista Neal Adams, um dos líderes da nova fase.

O que Adams queria dizer é que os leitores queriam o Batman sério e sombrio de suas origens e não a versão cômica do seriado de TV, ou o herói de ficção científica dos anos 1950 e nem a versão colorida e pretensamente séria de Infantino. Schwartz ponderou sobre o tema, outras reuniões ocorreram e, no fim das contas, ele autorizou a “virada de chave” do personagem, entregando o controle do universo do morcego ao time mais jovem da editora, em particular, ao escritor Dennis O’Neil e o próprio Adams, que seriam os líderes da nova fase que se iniciava, embora (verdade seja dita) nem de longe seus únicos articuladores.

A nova abordagem deixava espaço para uma “volta às origens”, com Batman novamente envolto em aventuras mais pé no chão, inimigos mais mundanos e trabalho de detetive, além de uma ambientação noturna e sombria. Quem melhor desenvolveu essa ideia foi o escritor Dennis O´Neil, que se tornou o principal responsável pelas aventuras do homem-morcego. Seu trabalho com Neal Adams mudou para sempre o status quo do cavaleiro das trevas e virou a referência máxima do personagem pelas três décadas seguintes, ainda que a dupla não tenha realizado um trabalho regular no sentido de escreverem uma temporada de várias edições seguidas, mas sim, se reuniam de tempos em tempos em histórias célebres. Isso se dava pela abordagem específica da DC não comissionava seus personagens principais a uma equipe criativa fixa (como fazia a Marvel na época e o mercado de HQs faz hoje), mas ao contrário, tinha um grupo de criadores rotativos que se alternavam nas edições.

Dennis O’Neil: um dos maiores escritores do Batman.

Apesar disso, Dennis O’Neil promoveu uma verdadeira revolução na escrita dos personagens da DC: muito mais jovem do que seus companheiros de redação, estava mais antenado com o que os jovens queriam e entregava tramas sérias e surpreendentes, cheias de elementos típicos da virada dos anos 1960 para os 70 (a contracultura). Por isso, foi paulatinamente se tornando o principal escritor da editora, assumindo sucessivamente as revistas da Liga da Justiça, da Mulher-Maravilha e do Superman. E o Batman!

Mais do que insistir nos velhos vilões – que ainda estavam desgastados por causa da série de TV – O’Neil preferiu investir em novas e surpreendentes ameaças, fazendo do seu Batman uma criatura urbana e noturna, mas também trazendo de volta um elemento que há muito tempo não se via nas histórias do cavaleiro das trevas: o terror. Adams era o seu parceiro perfeito, mas como dissemos, bem sempre os dois estavam juntos nas histórias. De qualquer modo, entre 1970 e 1973 praticamente nenhum dos vilões clássicos do personagem apareceu em destaque, cedendo espaço à nova ambientação e novos oponentes.

Isso tudo já começa na primeira história em que O’Neil e Adams trabalham juntos: Detective Comics 395, de janeiro de 1970, na clássica The secret of the waiting graves, numa trama recheada de mistério, suspense, surpresas e terror. No México, Bruce Wayne aparece em uma festa do suspeito casal Juan e Dolores Muerto, logo, desbaratando uma trama na qual o casal usa misteriosas flores para garantir a imortalidade para si e as usam como armas contra seus oponentes, causando alucinações. Situados em um velho monastério, usando lobos e falcões como armas, tudo na história remete ao terror antigo e a narrativa é cheia de momentos simbólicos, como o casal ter tumbas abertas com seus próprios nomes.

No fim, o Batman incendeia o jardim das tais flores, o que leva o casal Muerto a envelhecer aceleradamente até se transformarem em cadáveres apodrecidos (mais terror) e caírem dentro das tumbas que guardavam para si. O herói nota que as datas de nascimento nas lápides datam de mais de 130 anos antes e, noutro gesto cheio de simbolismo, anota a data das mortes do casal nas tumbas.

Um Batman sombrio por Neal Adams em Detective Comics 397.

Clima similar tem Detective Comics 397, de novo por O’Neil e Adams, na qual Batman persegue um excêntrico milionário que vive em uma réplica de um velho castelo medieval europeu nas cercanias de Gotham, trazendo de novo aquele clima de terror dos filmes antigos, inclusive, com o vilão tendo uma “visão” de uma figura fantasmagórica feminina ao qual reverencia e o leva a cair de uma varanda até ser salvo pelo herói e internado em um hospital psiquiátrico (ainda não havia sido criado o Asilo de Arkham, lembre-se).

Adams desenhou, ainda, a partir de texto de Mike Friedrich, a segunda história de Batman 219, de fevereiro de 1970, na qual há um sombrio conto de Natal, ainda que com uma mensagem positiva.

Também é de Adams a arte (com roteiro de Frank Robbins) na comemorativa Detective Comics 400 (primeira publicação da DC Comics a atingir numeração tão alta), de junho de 1970, na qual se dá a estreia do Morcego Humano (Man-Bat), um monstro que é a transfiguração literal do que o homem-morcego poderia ser. Na trama, ele é o Dr. Kirk Langstrom, que na busca pela cura de uma doença, injeta em si o soro tirado das glândulas de um morcego e se transforma no terrível monstro. O vilão trágico – na linha do Lagarto do Homem-Aranha – teria várias histórias pautadas pelo clima de terror que sua aparência horrenda desperta.

Um pequeno arco sobre o vilão se desenvolveria a seguir, por Robbins e Adams, começando logo em Detective Comics 402, no qual o Morcego-Humano tenta se aproximar de sua noiva, Francine Lee, que trabalha no Museu de História Natural de Gotham; e prossegue na edição 407, na qual o cavaleiro das trevas tenta impedir o casamento de Langstrom com Francine até descobrir que ela também injetou o soro das glândulas do morcego em si e se transformou em uma Morcego-Humana igual ao seu noivo.

Marla Manning na arte de Irv Novick.

Essa nova fase do Batman também trouxe um novo interesse romântico para Bruce Wayne, na figura da pouco lembrada Marla Manning, que surgiu em Batman 220, de março de 1970, criada por Frank Robbins e Irv Novick, e que é uma repórter audaciosa, lembrando (e até certo ponto substituindo) a velha Vicki Vale. Inclusive, tal situação era propícia à manutenção da identidade secreta de Bruce, como em Detective Comics 416 (com roteiro e arte de Frank Robbins) na qual o retorno do Morcego-Humano quando Wayne e Marla estavam na Ópera e a saída da repórter para averiguar o caso, deu a deixa perfeita para ele se transformar no herói. Contudo, Marla tinha uma personalidade mais dúbia e o relacionamento com Bruce não se desenvolveu tanto, com a personagem desaparecendo ao fim dessa fase, em Batman 449, de 1973, praticamente não sendo mais citada depois disso.

Bela capa de Neal Adams para a estreia da Liga dos Assassinos.

Ao mesmo tempo, um passo decisivo ocorreu em Detective Comics 405, de novembro de 1970, por O’Neil e o artista Bob Brown, no qual o Comissário Gordon é avisado pela Interpol da ação da organização terrorista Liga dos Assassinos em Gotham City, o que leva à intervenção do Batman, que conhece o líder do grupo na edição 406, o Doutor Darkk. A Liga era um grupo criado por Neal Adams pouco tempo antes numa aventura do Deadman (Desafiador), em Strange Adventures 215, de dezembro de 1968.

Batman e Talia se conhecem em Detective Comics 411, por O’Neil e Brown.

A Liga dos Assassinos continua a ser uma ameaça nas edições seguintes até que, em Detective Comics 411, de maio de 1971, ainda por O’Neil e Brown, Batman enfrenta o Doutor Darkk, que tem uma refém especial consigo: uma mulher chamada Talia. Batman é espancado, derrotado e capturado, sendo aprisionado junto com Talia, que tira sua máscara sob a desculpa dele estar muito machucado. A garota conta que é estudante de Medicina na Universidade do Cairo e foi sequestrada por Darkk porque ele quer se vingar do pai dela, Rã’s Al Ghul, e também há uma flama imediata entre o herói e a garota e, no fim, quando Darkk tenta atacar o homem-morcego com uma faca, Talia dispara um tiro contra o vilão, que cai e ainda é atropelado por um trem.

A primeira aparição de Ra’s Al Ghul (e Ubu) por O’Neil e Adams.

Mas apresentar Talia era apenas um aperitivo para o que vem depois: conhecer o pai dela, o vilão Rã’s Al Ghul, que estreia em toda a sua glória em Batman 232, de junho de 1971, nas mãos não menos gloriosas de O’Neil e Adams. Na trama, intrigado pela afeição da filha ao “detetive” (como chama o herói), o “cabeça do demônio” decide testá-lo e sequestra o Robin e envia um pedido de resgate diretamente para Bruce Wayne e aparecendo diante do herói na Batcaverna (sempre ladeado por seu servo-segurança Ubu), querendo fazer o detetive pensar que Talia também foi sequestrada e que os dois estão no encalço do mesmo criminoso.

Batman em ação no Himalaia na arte de Neal Adams.

Fingindo acreditar, Batman e Al Ghul têm uma longa jornada de perigos através do globo que os leva até o Himalaia, onde está a base do vilão e ele encontra o Robin e desmascara o plano de Rã’s. No fim, sem luta, o vilão diz que foi apenas um teste para conhecê-lo melhor, pois Talia o ama. Ela aparece e beija o homem-morcego, que fica desconsertado.

Conscientemente, essa fase parecia abrir uma nova fase, pois a partir da edição seguinte, Batman 233, a revista aumentou o número de páginas e passou a trazer republicações de algumas das melhores histórias do homem-morcego, tanto da Era de Ouro quanto da Era de Prata, além das histórias solo do Robin, que continuavam sendo publicadas.

Em Batman 234, O’Neil e Adams se reúnem para mostrar o retorno do Duas Caras, vilão que não aparecia nas revistas desde seu banimento pelo CCA 17 anos antes! Essa história relembrou os leitores de sua origem e firmou Harvey Dent como um dos mais temíveis inimigos dos cavaleiro das trevas.

Talia em Batman 240, por Irv Novick.

Dali em diante, vem um pequeno, mas sensacional arco envolvendo a rivalidade entre Batman e Rã’s Al Ghul, escrito por O’Neil, mas com três episódios seguidos com arte de Irv Novick (que demonstra que, depois de Adams, era o melhor artista do personagem no momento) que transcorrem por Batman 235, 240 e 242, na passagem de 1971 para 1972, na qual o vilão enreda o herói numa série de pequenas batalhas contra inimigos comuns e Talia se mostra totalmente à disposição do herói, que reluta em aceitá-la por ela ser uma assassina.

Em paralelo, outras tramas avulsas continuam a sair em Batman, seguindo a estranha abordagem da DC de comissionar a revista ao time rotativo de escritores e artistas, em vez de centralizar em uma equipe criativa fixa, de modo que a edição 236, de Frank Robbins e Irv Novick, por exemplo, traz a aventura em que Batman é assombrado pelo fantasma de uma mulher assassinada cujo crime jamais foi solucionado e o cavaleiro das trevas termina descobrindo que o próprio marido dela a matou na lua de mel para ficar com a fortuna, terminando o conto refletindo se o tal fantasma era uma projeção de sua mente ou de fato um evento sobrenatural.

A ameaça do Ceifador e a participação do Robin.

Nesse intermédio também há a importante história de Batman 237, de dezembro de 1971, por Dennis O’Neil e Neal Adams (e ideias de Bernie Wrightson e Harlan Ellison, que são creditados como coautores), na qual Dick Grayson e seus colegas de faculdade visitam a Parada de Halloween de Rutland, em Vermont (um evento que existia mesmo na vida real) e termina envolvido numa trama de assassinato na qual Batman está investigando. Numa série de malabarismos de roteiro, um grupo de ex-nazistas mata inocentes fantasiados de Batman e Robin e são pegos pela dupla dinâmica, mas o homem-morcego percebe que a verdadeira ameaça é o Ceifador (the Reaper) que mata várias pessoas, incluindo os ex-nazistas.

Em sua investigação, Batman descobre que o Ceifador é o seu amigo, o Dr. Benjamin Gruener, um judeu que sofreu nos Campos de Concentração da II Guerra Mundial e queria vingança contra o criminoso nazista Kurt Schloss que havia fugido para lá. De início, Gruener queria apenas se vingar de Schloss, mas contaminado pela identidade do Ceifador começou a matar mais. Quando Batman perseguiu o assassino, este se deparou com um dos amigos do Robin e estava pronto a matá-lo quando viu um pendão com a estrela de Davi (indicando que o rapaz era judeu) e caiu em si. Mas como estavam no topo de uma represa, Gruener tropeça no próprio manto e cai para morte.

Um elemento importante dessa aventura é que o vilão Ceifador ganharia uma releitura nos anos 1980, conforme falaremos adiante.

Heróis da Marvel e quadrinistas da vida real aparecem na Parada de Halloween na arte de Neal Adams.

Ademais, a revista tem a curiosidade de Neal Adams retratar vários quadrinistas como os amigos de Dick Grayson, incluindo Alan Weiss, Gerry Conway e Bernie Wrightson, enquanto o próprio O’Neil aparece como outro personagem, bem como o colega nerd Tom Fargan, o organizador da parada na vida real. No desfile, vários heróis da DC aparecem como participantes fantasiados, como vários Batmen, Robins, Superman, Aquaman, Batgirl e até o Bat-Mine; mas também alguns heróis da Marvel, como Homem-Aranha, Doutor Destino, Capitão América, Thor, Destrutor (dos X-Men) e Mercúrio – os quatro últimos personagens que Adams realmente desenhou em sua passagem pela Marvel pouco antes.

Talvez para dar um ar mais dramático ao arco com Rã’s Al Ghul, como o herói sabe que o vilão conhece sua identidade secreta, na virada de Batman 241 para 242, decide forjar a morte de Bruce Wayne em um acidente de avião nas selvas da América do Sul (ou seja, a Amazônia) – um artifício que deixava aberta uma possibilidade do bilionário ser “encontrado vivo” algum tempo depois – o que eliminaria a distração da identidade civil e podia ainda confundir um pouco os agentes da Liga dos Assassinos.

A morte de Wayne é alardeada com fanfarra nos jornais e até o Comissário Gordon lamenta o evento ao lado do Batman. (Parece que aquelas suspeitas que ele tinha algum tempo antes se dissiparam com os novos artistas).

O verdadeiro Fósforos Malone antes de morrer e ser substituído pelo Batman.

Essa mesma edição é também bem importante para o futuro, pois no número 242, Batman tenta obter informações com o gangster Fósforos Malone, mas o criminoso se recusa e, numa fuga por uma cozinha industrial, dispara uma arma contra o herói, mas ela ricocheteia no aço e o atinge no coração. Então, o homem-morcego assume a identidade de Malone para enganar os criminosos e se infiltrar na ação. Malone seria uma identidade usada pelo cavaleiro das trevas para transitar no submundo pelas décadas seguintes.

Na verdade, Batman buscava formar um time de pessoas especializadas que teriam motivos para enfrentar Rã’s Al Ghul, mas continua usando o disfarce de Malone como uma forma de não ser rastreado pelo vilão e reunindo um grupo com o cientista Harris Blaine, o assassino de aluguel Lo Ling e até a atleta profissional de esqui Molly Post.

Entramos na Batman 243, de agosto de 1972, agora com O’Neil e Adams, e o grupo vai a Suíça atrás da última localização conhecida de Rã’s e enfrentam Ubu e seus homens, além de encontrarem Talia, que está disposta a ajudá-los. Enquanto há toda uma ação nos nevados Alpes Suíços, (com a arte maravilhosa de Adams) descobrimos como como o cabeça do demônio se mantém vivo e imortal ao longo das eras: usando o místico Poço de Lázaro, que regenera quem nele mergulha, ao preço de alguma insanidade.

O cavaleiro das trevas termina por confrontar Rã’s Al Ghul diretamente no deserto do Egito, onde o vilão busca reestabelecer sua organização e os dois têm um célebre duelo de espadas que se mostra bastante equilibrado, mas o homem-morcego tem o azar de ser picado por um escorpião mortal. Rã’s decide não salvá-lo, interpretando o evento como uma mensagem do destino, um presente do deserto, e deixa o herói para morrer.

Mas sob a desculpa de dar um beijo de despedida, Talia sorrateiramente mergulha um antídoto nos lábios do cavaleiro das trevas, que após um tempo, desperta e reaparece diante do demônio, que fica realmente sem acreditar que o detetive sobreviveu e Batman o derrota com um único soco.

Finalmente, o beijo ardente em Talia Al Ghul.

Quando decide entregar o vilão às autoridades, Batman finalmente cede e ele Talia trocam um ardente beijo.

E O’Neil e Adams continuam na Batman 245, que encerra o tópico da morte de Bruce Wayne quando um político corrupto é acusado de ter matado o milionário e Batman arranja o “resgate” do playboy que sobreviveu ao acidente.

O Batman de O’Neil e Adams: fase áurea.

O’Neil e Adams aproveitaram o pico do momento para trazer o Coringa de volta, já que o vilão não aparecia há quatro anos por causa da ressaca da série de TV. Como não podia deixar de ser, os dois apresentaram uma versão psicótica, violenta, insana e amoral do palhaço do crime, tal qual era em suas primeiras aparições, recriando a tônica que se manteria em torno do vilão pelas décadas seguintes, em especial nos anos 1980.

Batman, Coringa e um tubarão em “Batman 251” por O’Neil e Adams.

O retorno do palhaço do crime aconteceu na histórica A Vingança Quíntupla do Coringa, em Batman 251, de setembro de 1973, com uma trama simples: o vilão foge da cadeia e vai se vingar de seus ex-comparsas que o traíram. O destaque é o retrato psicótico, sem remorso e alucinado do vilão que dá o primeiro passo para a estruturação do personagem tal qual o conhecemos nos dias de hoje.

O’Neil prossegue como principal escritor de Batman e a edição 253 trouxe o primeiro encontro entre o homem-morcego e O Sombra, o herói das revistas pulp que antecede os super-heróis das HQs e que tinha sido licenciado pela DC Comics para ser publicado em quadrinhos na época. A trama (desenhada por Irv Novick) incorpora a influência do personagem na criação do cavaleiro das trevas – por meio de Kane e Finger – e faz com que Bruce Wayne tivesse se inspirado na ação do Sombra para se tornar o Batman, apresentando o outro herói como advindo de uma geração anterior.

O bom momento editorial do homem-morcego foi capitaneado a partir de Batman 254, de fevereiro de 1974, quando a revista passa a ter 100 páginas (o maior tamanho que já teve em toda a sua história) trazendo as aventuras presentes do herói e do Robin mais uma série de republicações de histórias célebres. Detective Comics também passou ao mesmo formato, mas republicando histórias de outros personagens secundários da editora no espaço extra.

Batman 255 traz a primeiro história do personagem pelas mãos de Len Wein – um nome que teria grande ligação com herói no futuro, mas que até pouco antes era o editor-chefe da Marvel – com uma aventura na qual o cavaleiro das trevas enfrenta um Lobisomem e que marcou época, ainda mais pela arte de Neal Adams.

Na Batman 256, o fluxo de vilões tradicionais retornando às histórias prossegue com a Mulher-Gato (exibindo o uniforme espalhafatoso que usara em uma aventura da Mulher-Maravilha em 1969) numa aventura em que Robin passa apuros em um circo alvo de criminosos e Batman vai ajudá-lo. E na edição 257 é a vez do Pinguim retornar.

Naquela edição do Coringa havia sido mencionado que ele ficara preso em um hospital para doentes mentais criminosos, o que talvez fosse uma lembrança de O’Neil de que havia a menção a um tipo de instituição desse tipo nas velhas histórias da Era de Ouro, mas havia sido esquecida. De fato, o Asilo de Arkham faria sua estreia apenas sete edições depois, em Batman 258, numa história escrita por O’Neil e desenhada por Irv Novick, trazendo o terceiro retorno do Duas Caras nessa fase, embora a instituição ainda seja chamada de Hospital Arkham. “Terceiro” porque Harvey Dent apareceu pouco tempo antes em The Brave and the Bold 106, de abril daquele ano, por Bob Haney e Jim Aparo, em outro encontro do homem-morcego com o Arqueiro Verde.

Bela capa de Jim Aparo para o retorno do Duas Caras.

Mas como tudo que é bom dura pouco, O´Neil e Adams só produziram suas histórias entre 1970 e 1973. Depois disso, Adams se afastou cada vez mais dos quadrinhos, indo trabalhar com a publicidade e atuando no sindicato dos artistas, retornando apenas esporadicamente para abrilhantar qualquer coisa que tocasse, enquanto O´Neil continuou como o principal escritor do Batman por mais algum tempo.

Consolidando o Estilo

Depois dessa fase áurea entre 1970 e 1974, Batman entrou em uma fase “menor”, ainda num estilo sério e sombrio, ainda que com menos elementos de terror, e menos brilho, no sentido de que não gerou tantas histórias célebres.

A estreia de Harvey Bullock. Arte de Howard Chaykin.

É digno de nota que Detective Comics 441, de julho de 1974, trouxe a história (por Archie Goodwin e Howard Chaykin) com a estreia do tenente (futuro detetive) Harvey Bullock, um tira durão e que não anda muito na linha no objetivo de cumprir a lei. Nesta trama, ele desdenha do Comissário Gordon e não gosta da atuação de vigilante do Batman. Bullock teria um grande futuro como um importante coadjuvante do Departamento de Polícia de Gotham (GCPD, na sigla em inglês), mas não agora. No futuro.

Mas foi marcante a história de Archie Goodwin e Alex Toth (famoso ilustrador-chefe dos desenhos animados de Hanna & Barbera) em Detective Comics 442, de setembro de 1974, em que Batman precisa desvendar o mistério de uma avião “assombrado” biplano que está assassinando pilotos dentro de um plano de vingança.

Outra célebre foi o primeiro retorno da nova versão psicótica do Coringa em Batman 260, de fevereiro de 1975, por O’Neil e Novick: na trama, o palhaço do crime consegue escapar do Asilo de Arkham – a primeira vez que vemos as dependências e o funcionamento interno em detalhes da icônica instituição – mas Batman chega mesmo na hora (e descobrimos depois que foi por causa de uma informação anônima dada pelo Duas Caras). O arlequim do ódio libera outros internos para distrair o homem-morcego e no afã de impedir uma fuga em massa, o vilão consegue escapar, enquanto o herói recebe a ajuda de Harvey Dent, cuja moeda caiu no lado “limpo”.

Contudo, o Coringa conseguiu intoxicar o Batman com uma versão modificada de seu veneno característico, que invés de matar imediatamente a vítima e ficar com a aparência do vilão; se é acometido por uma vontade incontrolável de rir em momentos de horror. E o herói descobre que a toxina irá matá-lo dentro de alguns dias. Assim, vai atrás do único médico em Gotham que pode curá-lo, mas o Coringa mata o doutor antes. Resta a alternativa de ir até a Inglaterra e chegar ao Dr. Rockwell antes do vilão; e o Batman consegue vencer a pulsão por rir pensando em mortes e assassinatos, captura o vilão e é curado pelo médico.

A Bat-Família

A fase liderada por O’Neil e Adams não apenas deixou um enorme legado aos quadrinhos, como serviu para impulsionar as vendas do cavaleiro das trevas de um modo que não ocorriam desde os anos 1940, portanto, a DC Comics decidiu capitalizar esse momento com a ampliação do universo do morcego com novas revistas.

Capa de The Joker 01, de 1975, por José Garcia Lopez.

A primeira delas veio no verão de 1975 com The Joker, entregando uma revista solo ao palhaço do crime, que se tornara novamente celebrado após a clássica aventura de dois anos antes. Com roteiros de Dennis O’Neil e a arte maravilhosa de José Garcia-Lopez, a publicação focava no arlequim do ódio tentando ampliar seu domínio no submundo de Gotham City e enfrentando os outros vilões da famosa galeria do homem-morcego, ainda que o Batman em si não aparecesse nas tramas. Foi um gesto importante para dar holofotes ao vilão, mas o ineditismo de ter um título solo para um vilão e a ausência do herói pareceram pesar contra e a revista não emplacou, sendo cancelada após 9 edições.

Bela capa de Ernie Chan.

Relativamente mais exitosa foi Batman Family, uma revista de 64 páginas que estreou em outubro de 1975 dedicada a publicar histórias dos personagens coadjuvantes do morcego. Assim, Batman praticamente também não aparecia, cedendo espaço para as aventuras solo de Robin e Batgirl (que saíram de Batman e Detective Comics, com ambas reduzindo o número de páginas) e também de outros, como Alfred, Comissário Gordon, Morcego-Humano e até da velha Batwoman e da primeira Arlequina, uma versão feminina do Coringa (surgida recentemente nas aventuras dos Jovens Titãs), combinando contos inéditos e republicações. A revista desenvolveu a relação (amorosa) entre Dick Grayson e Barbara Gordon, que tinham aventuras conjuntas ou participavam um das histórias do outro.

Batman Family teria 20 edições publicadas até 1978.

Ao mesmo tempo, Dennis O’Neil continuou sendo um dos escritores do morcego, embora agora em uma fase “menor”. Um exemplo desse momento foi Batman 266, de agosto de 1975, com arte de Novick, que trouxe a volta da Mulher-Gato ao seu velho uniforme da Era de Ouro. E com a saia recortada e não calças!

Bela capa de Dick Giordano.

Mas essa fase ainda trouxe importantes adesões de O’Neil ao cânone, como em Detective Comics 457, de março de 1976, com arte de Dick Giordano, na qual aprofunda a origem do Batman, apresentando o Beco do Crime (nome oficial: Park Row) como o local em que os pais de Bruce Wayne foram assassinados e a ideia de que o local entrou em decadência após a tragédia; e que o pequeno Bruce foi acolhida pela médica da Assistência Social Leslie Thompkins, personagem que teria bastante importância no cânone como uma figura materna para o Batman e até como par romântico para Alfred.

O conceito do Beco do Crime e sua áurea de decadência foi bastante explorado nas HQs e em outras mídias, aparecendo em Batman – O Filme (1989) e em Batman Begins (2005). Além das HQs, Thompkins foi uma das protagonistas da série de TV Gotham, numa versão rejuvenescida como par romântico de James Gordon e vivida pela brasileira Morena Bacarin.

Dança das Cadeiras na DC

O esforço de amadurecer suas revistas (o que deu entrada na Era de Bronze) deu frutos comerciais e artísticos à DC Comics na virada para a década de 1970, porém, as mudanças profundas pelas quais o Batman passou na fase O’Neil-Adams (e mais) – afastando os velhos vilões, trazendo novas ameaças e ampliando o clima de terror, crime, mistério e investigação – não encontraram par nas demais produções da editora. Ou seja, apesar de contar com artistas mais jovens agora e histórias mais maduras, em grande parte, o Universo DC continuou a ser tão inofensivo quanto antes.

Julius Schwartz.

Isso cobrou um preço nas bancas: ano a ano as vendagens da editora caíam, enquanto a concorrente Marvel parecia só crescer. Para piorar, a gestão de Carmine Infantino e Julius Schwartz à frente da DC na primeira metade dos anos 1970 investiu em algumas decisões comerciais arriscadas que deram errado: aumentar o preço de capa das revistas e justificar isso com ampliação do número de páginas. Isso só fez as vendas caírem mais.

Como resultado, em fevereiro de 1976, Infantino foi afastado da posição de publisher e seu lugar foi ocupado por Jenette Kahn, nascida em Boston em uma família judia, tinha 28 anos de idade e era uma editora comercial, grande fã de quadrinhos, mas que não tinha experiência profissional na área, tendo ao seu lado como editor executivo o desenhista Joe Orlando, além de Dick Giordano como um dos principais editores. Todos sob as ordens do presidente da DC, Sol Harrison. Schwartz continuou como editor das revistas do Batman, tendo Al Migrom como seu auxiliar em Batman Family, mas seu poder começava a declinar na redação em prol dos mais jovens.

Kahn teria uma gestão relativamente exitosa e deixaria marcas profundas na empresa, como veremos a seguir.

A Fase de Steve Englehart: Outra Era Clássica

Jenette Kahn mudou a forma da DC Comics operar, centralizando mais o direcionamento criativo ao mesmo tempo em que dava liberdade criativa aos artistas e incentivava ideias originais e ousadas. Ela eliminou o casuísmo que rondava a casa desde sempre – aquele lance de encomendar histórias aos roteiristas e ir publicando na medida em que chegavam – adotando o modelo mais lógico e fluído da Marvel e outras editoras, de ter equipes fixas nas revistas para ser possível criar arcos concisos de histórias e desenvolver personagens.

Kahn também fez um esforço direcionado de atrair artistas consagrados da concorrente Marvel, visando “modernizar” a DC, o que, em médio prazo, trouxe nomes como Marv Wolfman, Len Wein, George Perez, Jim Starlin, Gene Colan, Gerry Conway e outros, que fizeram grandes trabalhos na DC, como veremos adiante.

Steve Englehart: um dos melhores roteiristas dos anos 1970.

E um dos seus primeiros frutos nessa empreitada chegou na figura de Steve Englehart, então, o principal escritor daquela editora, que cuidava de Vingadores, Capitão América e muitos outros personagens em histórias clássicas e aclamadas. Na DC, ele trabalhou com o Batman e a Liga da Justiça.

Englehart estreou em Detective Comics 469, de maio de 1977, se unindo ao artista Marshall Rogers (que já vinha desenhando a revista) e capa de Jim Aparo, e deu origem a uma das fases mais queridas e aclamadas do homem-morcego em todos os tempos. Essa primeira edição trouxe a ameaça do Doutor Phosphorous que quer se vingar de Gotham City por ter sido transformado em um monstro radioativo. A edição ainda teve uma segunda história, desenhada por Walt Simonson, só para contar a origem do vilão.

Mas isso era apenas o aperitivo: o número 470 (com arte de Simonson) dá o gatilho real na grande trama, que ganhou o título de Stranges Apparitions para a posteridade e os encadernados, com o gangster Rupert Thorne se tornando presidente do Conselho de Gotham (o equivalente à nossa Câmara dos Vereadores) e estimulando seus colegas a emitir uma notificação contra o Batman, tornando o vigilante um fora de lei. Tal iniciativa faz Bruce Wayne oferecer uma festa em seu iate na Baía de Gotham de modo a se aproximar de Thorne e avaliá-lo; evento no qual o herói conhece a socialite Silver St. Cloud, uma mulher inteligente e altiva, que o deixa impressionado. Uma faísca dispara imediatamente entre os dois.

Bruce e Silver se conhecem na arte de Walt Simonson.

Ao mesmo tempo, o cavaleiro das trevas continua seu embate ao Dr. Phosphorous, saindo do barco e indo a uma ilha onde está uma Usina Nuclear que o vilão quer destruir. Batman consegue derrotar o monstro e quase morre na explosão, mas vai bastante debilitado de volta à festa e retoma o flerte com Silver, que percebe o sumiço do playboy e o fato de seu cabelo estar úmido, já criando algumas suspeitas; ainda que a história dá a entender que terminem a noite juntos.

No meio disso tudo, como Phosphorous tinha envenenado o reservatório de água de Gotham, Alfred foi parar no hospital (e o Comissário Gordon também), de modo que Bruce e Dick Grayson reformam a base do herói no subsolo da Fundação Wayne, criando uma versão compacta da Batcaverna, a chamada Batcaverna 2.

Hugo Strange de volta depois de décadas.

Na edição 471, como Bruce Wayne ainda está machucado da batalha anterior, vai a um médico especializado em pessoas ricas, mas termina encontrando um lugar bastante suspeito onde é feito prisioneiro. Usando suas habilidades, consegue escapar e, vestido como Batman, vai ao encontro do tal doutor, ficando surpreso quando ele se revela ser o professor Hugo Strange, velho vilão das primeiras aventuras do homem-morcego que não aparecia desde 1941! Por causa disso, vemos lembranças das aventuras de Batman 01 e Detective Comics 46. No fim, Strange consegue derrotar o herói, capturá-lo e desmascará-lo!

Um elemento editorial importante naquele número é que ele trouxe pela primeira vez uma chamada na qual está escrito “Batman criado por Bob Kane”, o que era uma resposta à campanha pelo reconhecimento dos criadores do Superman, Jerry Siegel e Joe Shuster; campanha essa que teve como mote tanto um processo judicial quanto a produção de Superman – O Filme, e que foi liderada por Neal Adams. Em vista da publicidade, a DC cedeu e deu o reconhecimento aos autores, lhes dando o crédito em cada aventura publicada e uma mensal mensal vitalícia. E já que isso foi feito, o mesmo foi adotado para Bob Kane e o Batman.

Infelizmente, Bill Finger não foi reconhecido e, a despeito de todos saberem de sua fundamental contribuição, o escritor só foi oficialmente creditado como coautor em 2015.

Voltemos então à Detective Comics 472, na qual Hugo Strange toma o lugar do Batman e passa a agir como o cavaleiro das trevas e Bruce Wayne. Seu plano é desviar fundos da Wayne Enterprises para si. Enquanto está no escritório do herói, Silver aparece por lá (com uma chave própria! – indicativo de que o relacionamento se desenvolvia fora dos quadros), mas como o vilão não a conhece, “termina” o namoro dos dois, o que deixa a moça bastante suspeita do que está acontecendo. Em seguida, Strange organiza um leilão no submundo para vender a identidade secreta do Batman, atraindo muitos criminosos, mas Rupert Thorne decide levar a melhor e sequestra o cientista, torturando-o para extrair o segredo.

Convicto de que não deve abrir mão de seu grande trunfo, Strange não diz nada e é torturado até a morte pelos homens de Thorne. Ao mesmo tempo, suspeita do que está acontecendo, Silver vai atrás de Dick Grayson para obter respostas, o que leva o Robin a ir atrás do Batman e o libertar de seu cativeiro. Na edição 473, Coringa e Pinguim vão ao leilão de Strange, mas o vilão não está mais lá; então, o Pinguim movimenta seu plano de roubar uma relíquia e é detido pela dupla dinâmica, enquanto Thorne começa a ser assombrado por visões fantasmagóricas de Strange.

Passamos ao número 474, quando o Pistoleiro (Deadshot) – lembra dele? – escapa da prisão, assume um novo visual (bem mais moderno) e é contratado por Thorne para matar o Batman, que vence e vai ao encontro do gangster, dizendo-lhe que está de olho nele, enquanto Thorne continua assombrado por suas visões de Strange. Em meio a isso, Bruce Wayne se encontra com Silver num evento promovido por ela no Centro de Convenções, os dois flertam, retomam o namoro e vão almoçar juntos, com ela fazendo uma série de perguntas que leva o herói a suspeitar que ela sabe que ele é o Batman.

O Coringa por Englehart e Rogers.

Então, o arco Stranges Apparitions ganha um tipo de subcapítulo, The Laughing Fish, a partir de Detective Comics 475, de fevereiro de 1978, numa trama do Coringa que está atrás apenas daquele célebre conto de O’Neil e Adams cinco anos antes. Na trama, o palhaço do crime libera sua toxina mortal no reservatório de água de Gotham de modo a transformar os peixes em criaturas que ganham a aparência do vilão, com o firme propósito de registrá-los como uma marca. Ao mesmo tempo, o arlequim do ódio persegue Rupert Thorne para extrair dele a identidade secreta do Batman, mas quando o gangster o convence de que Strange morreu sem revelá-la, o deixa ir.

Batman invade o quarto de Silver St. Cloud: texto de Steve Englehart e arte de Marshall Rogers.

Porém, o Batman termina agindo na frente de Silver St. Cloud e a garota de imediato reconhece que aquele homem é mesmo Bruce Wayne. Sentindo que isso aconteceu, o cavaleiro das trevas faz uma visita noturna à empresária (numa cena cheia de erotismo subliminar) a pretexto de obter algumas informações, e ela tenta fingir que não sabe quem ele é.

Atormentada, Silver chega a tentar sair de Gotham por alguns dias – o que faz seu caminho cruzar estranhamente com o de Thorne (ainda assolado pelas visões fantasmagóricas de Strange) – mas termina assistindo a batalha final entre o Batman e o Coringa (com o palhaço atingido por um raio na chuva e caindo no reservatório de água – pretensamente morto). Em seguida, a moça vai ao encontro do cavaleiro das trevas, diz que sabe quem ele é, eles trocam um beijo ardente, mas ela encerra o relacionamento, porque não suporta amar um homem que arrisca sua vida todas as noites, deixando o herói triste e inconsolável para trás.

Por fim, Batman descobre uma máquina que gera as imagens fantasmagóricas de Strange – o que dá a entender que isso era uma artimanha do vilão, que deve ter escapado e está à solta sabendo a identidade secreta do herói – mas sem saber disso, Rupert Thorne está à beira da loucura pela perseguição, e se entrega à polícia e confessa seus crimes, dando fim à perseguição do Conselho de Gotham ao Batman.

Encerrada a fase de Englehart – que decidiu se afastar das HQs por um tempo (e só voltaria uns 8 anos depois) – ficou uma história sensacional, pautada numa ambientação soturna e detetivesca do Batman e seu ótimo desenvolvimento de personagens marcantes. Tanto que essa curta temporada ficou gravada na memória dos fãs e perene como uma influência dali em diante, servindo como inspiração para as subtramas de Batman – O Filme (de Tim Burton, em 1989) e também adaptada em vários episódios da série de TV Batman – A Série Animada, de Bruce Timm e Paul Dini, em 1992.

Fase de Transição

Enquanto a fase de Englehart e Rogers era publicada em Detective Comics, a revista Batman também apresentava algumas histórias marcantes. Depois de um último número escrito por Dennis O’Neil com arte de Irv Novick em Batman 286, de abril de 1977, que traz o Coringa, O’Neil ficaria um tempo afastado do homem-morcego, e estranhamente, o editor Julius Schwartz trouxe o escritor David Vern Reed (um dos principais da Era de Ouro) de volta ao comando da revista a partir da edição 287, com arte de Mike Grell.

Capa de Jim Aparo.

Entre ataques do Pinguim, a cara de “coisa antiga” não fez bem às vendagens da revista, ainda mais em contradição com a espetacular fase de Englehart que corria em paralelo. Ainda assim, Reed apresentou uma célebre história a partir de Batman 491, de setembro de 1977, contando com a estreia do maravilhoso desenhista John Calman e o arco Onde você estava na noite em que Batman foi morto?, na qual a notícia da morte do cavaleiro das trevas corre pelo país e um gangster organiza um “julgamento” em sua mansão para apurar quem foi o assassino do herói, entre alguns dos mais notórios inimigos do herói, e com Rã’s Al Ghul como juiz, Duas Caras como procurador e um júri formado por Hera Venenosa, Espantalho, Sr. Frio, Chapeleiro Louco e alguns outros.

Entre os “acusados”, cada qual ocupando um número com o seu depoimento, estavam Mulher-Gato (edição 491 – que tenta provar que pode ser uma assassina [o que marca o retorno do status da vilã como uma ladra de bom coração]), Charada (492), Lex Luthor (493 – que tem o depoimento contestado pelo Superman, que aceita participar do julgamento) e o Coringa (494). No último número, após o depoimento do Coringa, descobrimos que o Duas Caras é apenas o Batman disfarçado, que prende o palhaço e o leva de volta ao Asilo de Arkham. O herói revela ao Comissário Gordon que o arlequim do ódio realmente matou um homem vestido de Batman, mas era apenas Jeremy Randal, um fã do homem-morcego que se fantasiava para reencenar crimes desvendados por ele.

Numa época em que a reunião da galeria de vilões ainda era raríssima, esse arco foi marcante e notório, e de certo modo, estabeleceu um estilo que seria bastante usado a partir dos anos 1990 (vinte anos depois!).

A Mulher-Gato terminou aquele arco livre, mas a vemos ser presa após ela se unir à Hera Venenosa contra a Batgirl em Batman Family 17, de maio de 1978, por Bob Rozakis e Don Heck. Seria a última investida criminosa da ladra antes de uma virada biográfica sobre a qula falaremos adiante.

Capa de Jim Aparo.

Após uma edição de férias – o número 295, de janeiro de 1978, com roteiro de Gerry Conway David Vern Reed continuou sua temporada, com algumas edições desenhadas por Rick Buckler, outras por John Calman e a comemorativa Batman 300 com arte de Walt Simonson, mostrando o que poderia ser a última aventura do homem-morcego, num futuro no qual já tem quase 60 anos e discute com Dick Grayson (usando seu uniforme de Robin da Terra 2) a possibilidade de atender ao convite de se candidatar ao Governo e se casar “com a mulher que ama”, ambas as opções levando ao fim de sua carreira como vigilante. Não era uma “história imaginária” e tampouco da Terra 2, sendo apenas um futuro possível.

A fase de Reed prosseguiu até Batman 304, que trouxe uma história secundária (prosseguindo com roteiro de Reed e arte de Win Mortimer, velho ilustrador da Era de Ouro) focado na vida “civil” de Bruce Wayne, que duraria algumas edições.

Então, as edições 305-306, de outubro e novembro de 1978, trouxeram roteiro de Gerry Conway, ainda com Colman na arte, incluindo a aparição do Aranha Negra na última.

Mas os ares de uma nova fase mesmo se firmam a partir de Batman 307, de dezembro de 1978, com o início da temporada do escritor Len Wein. Embora tenha começado a carreira na DC no fim dos anos 1960 (especialmente na linha de terror, onde foi um dos criadores do Monstro do Pântano) e escrito a revista da Liga da Justiça, Wein se notabilizou na Marvel dos anos 1970, onde foi editor-chefe, criou Wolverine e os novos X-Men (com Tempestade, Colossos e Noturno) e escrito o Homem-Aranha.

Lucius Fox em sua estreia na arte de John Calman.

Na edição 307, em meio a ameaças secundárias, é introduzida uma importante adesão ao cânone na figura de Lucius Fox, o CEO da Wayne Enterprises. Figura humana e solidária, Fox seria um membro fundamental do universo do morcego, inclusive, em outras mídias.

Enquanto as vendas da DC em geral continuavam caindo, o fim do arco de Englehart e Rogers deu entrada a uma fase de transição do homem-morcego. De modo incrivelmente simbólico, a edição seguinte ao arco, Detective Comics 477 trouxe a republicação de uma história sob o pretexto de um “flashback” (do número 408 – um conto bastante apreciado dos leitores), sob os nomes de Marv Wolfman e Len Wein, não cabendo outra opção à DC assumir a falha numa nota editorial: simplesmente não houve tempo para produzir uma história nova!

Coincidência ou não, Detective Comics 478, de setembro de 1978, traz Len Wein iniciando sua temporada nesta revista como escritor do cavaleiro das trevas. Por algum motivo, Detective Comics alternaria suas histórias com outros escritores. Na edição 478 Wein e o desenhista Marshall Rogers criaram o Cara de Barro III, um vilão trágico, cujo sofrimento (por viver em dor constante a menos que absorva a energia vital das pessoas) o torna totalmente louco.

Detective Comics 481, de janeiro de 1979, traz outra grande mancada editorial – o que mostra que as coisas não estavam mesmo bem… – quando, sem aviso prévio, a revista é “fundida” com Batman Family, que fora cancelada de repente no mês anterior. Assim, a revista traz a história planejada para aquele número 481 (uma trama de Dennis O’Neil – que estava de volta ao homem-morcego após uma ausência de quase dois anos – com Marshall Rogers) e as quatro histórias planejadas para o não-publicado número 21 de Batman Family, o que incluía outra aventura do herói, escrita e desenhada por Jim Starlin, outra das estrelas da Marvel.

Curiosamente, as duas histórias – de O’Neil e Starlin – lidavam com crimes brutais e um Batman detetive investigando o crime.

Por causa da fusão, Detective Comics 481 trouxe créditos a dois editores: Julius Schwartz (o titular da revista) e Al Migrom (até então, o editor de Batman Family), mas era só um arranjo, pois a edição 482 trouxe um novo editor para os títulos do Batman: Paul Levitz, um nome que teria muita importância no lado editorial da DC. Depois de 12 anos, Schwartz foi removido do comando do homem-morcego, pois Jenette Kahn sentia que era necessário alguém mais jovem para reencontrar o caminho do brilho perdido de poucos anos antes. Como “prêmio de consolação”, Schwartz continuava no comando do Superman por mais algum tempo. Al Migrom deixou a DC e foi ser editor na Marvel, nas revistas do Homem-Aranha.

No caso do cavaleiro das trevas, Levitz investiu em novos escritores e desenhistas, novos personagens, tramas mais duras e trágicas, mas Detective Comics continuou a publicar o material programado para Batman Family. Como representante dessas renovações, a edição 482 trouxe a estreia do desenhista Don Newton, que ilustraria as histórias do homem-morcego por bastante tempo.

A edição 483 , de maio de 1979, celebrou o 40º aniversário da revista e, por isso, trouxe uma espécie de sequência da aventura sobre o Beco do Crime de anos antes. Nesta história, O’Neil e Newton fazem um paralelo entre a violência que gerou o Batman e a permanência da violência no tempo presente. Vale acrescentar que, àquela altura, Detective Comics tinha mesmo voltado a ser uma revista do tipo mix como fora em seus primórdios, ou seja, trazendo diversas histórias além do universo do Batman propriamente dito: por suas páginas passavam atrações como Etrigan, o Demônio (personagem criado por Jack Kirby), The Human Target, Ray Raymond TV Detective e Odd Man.

O’Neil em seguida entregou um arco em que fechava algumas pontas de sua história geral sobre a Liga dos Assassinos e seu novo líder de campo, o misterioso Sensei, surfando na ainda popular vertente das artes marciais tão em voga nos anos 1970, e ao mesmo tempo, reutilizando personagens desse filão da DC, aos quais havia escrito tempos antes, como Richard Dragon, Tigre de Bronze e o vilão Rei Cobra. Foi em meio a esse arco que a Batwoman foi morta em Detective Comics 485, de agosto de 1979.

O’Neil encerrou sua longa temporada como escritor do Batman com Detective Comics 491, de fevereiro de 1980. Desgostoso com a DC e infeliz em seu trabalho, o escritor migrou para a Marvel, onde foi escrever o Homem-Aranha e ser o editor do Demolidor, onde foi o responsável por fazer Frank Miller assumir os textos e a arte do personagem. O’Neil ainda escreveu histórias do Demolidor e do Homem de Ferro na concorrente.

Mas uma última história sua do Batman seria publicada na revista DC Special Series 21, na primavera de 1980, trazendo justamente a primeira vez em que Frank Miller desenhou o homem-morcego. Não seria a última.

Ao mesmo tempo em que Detective Comics voltava às origens como uma revista de antologia, Len Wein desenvolvia sua fase a partir de Batman 308, de fevereiro de 1979, com arte de John Calman, na qual apresentam pela primeira vez a motivação trágica do Senhor Frio: a pesquisa em criogenia que lhe resultou em seus poderes foi por causa da busca por uma cura para a doença incurável de sua esposa. Também somos apresentados a Tiffany Fox, a filha de Lucius, e responsável por um programa de reabilitação de drogados da Fundação Wayne.

Selina decide deixar o crime e pede ajuda de Bruce Wayne, por Len Wein e John Calman.

Mas o mais interessante dessa edição e o que dá mola a essa fase foi o arco de reabilitação de Selina Kyle, a Mulher-Gato. Libertada da prisão em condicional, Selina vai até a Wayne Enterprises e lhe pede ajuda em nome da ligação que já tiveram juntos, o que sugere que aquelas velhas histórias da Era de Ouro que mostraram Bruce e Selina namorando ainda eram válidas. Disposta a viver uma vida limpa, ela quer investir seu dinheiro na empresa.

Bela capa de José Garcia-Lopes.

Bruce fica desconfiado, mas percebe que seria cruel se não lhe desse uma chance e aceita a proposta, embora peça a Lucius Fox que fique de olho nela. Selina começa a trabalhar na empresa e começa a namorar com Bruce em Batman 313 (com Irv Novick voltando a ser o artista e com belas capas de José Garcia-Lopes) – em meio a um ataque do Duas Caras – mas ela termina por descobrir que Fox está lhe vigiando e rompe o namoro, mas Bruce pede desculpas e o romance continua – em meio ao ataque do Charada.

Capa de Dick Giordano.

Em Batman 319, de janeiro de 1980, Bruce promove uma festa à fantasia para a reabertura da Mansão Wayne, com o retorno da residência depois de uma década inteira de abandono. Ele se fantasia de Henrique VIII e Selina é seu par, como Catarina de Aragão, pedindo para ser chamada de “Cat”; enquanto o Batman enfrenta o Gentleman Ghost.

Capa de José Garcia-Lopes.

Mas o Coringa escapa do Arkham e sequestra o Comissário Gordon, Robin e Alfred, a quem ele ataca na cobertura da Fundação Wayne e Selina está lá para tentar impedir, mas é deixada inconsciente pelo vilão. Batman consegue estragar os planos do palhaço do crime, que desaparece numa explosão de um jetski contra um rochedo.

Então, em Batman 322, Selina descobre que está com uma doença rara cuja única cura é uma também rara erva egípcia, e quando o remédio é roubado do Museu de Gotham (pelo Homem-Gato), Batman pensa que foi a Mulher-Gato, o que a faz se voltar de novo contra o herói na edição 323 até o mal entendido ser resolvido e a dupla se unir e atrás do vilão na Grécia, onde Selina termina sendo curada pelos efeitos mágicos do uniforme do Homem-Gato.

Quando ela se recupera no hospital, em Batman 326, decide ir embora de Gotham, porque Batman e Bruce Wayne não foram capazes de confiar nela. A temporada de Len Wein se encerra na edição 327, de setembro de 1980, momento em que a revista passa a apresentar uma segunda história curta, de 8 páginas.

Em seguida, a revista Detective Comics atingiu a incrível numeração 500, em março de 1981, sendo a primeira da DC Comics a conseguir tal feito (afinal, era a mais antiga ainda em circulação). Foi uma edição especial e comemorativa, com uma capa montada a partir da colaboração de cinco artistas (Jim Aparo, Dick Giordano, Joe Kubert, Carmine Infantino e Walt Simonson) e mantendo a característica dos dois anos anteriores de trazer um estilo mix, com nada menos que sete histórias!

A principal era To kill a legend, escrita por Alan Brennert e desenhada por Dick Giordano, no qual o Phantom Stranger (um herói misterioso e fantasmagórico que frentava as aventuras da Liga da Justiça) tenta aplacar a culpa de Bruce Wayne por sobreviver à morte dos pais e o leva a uma realidade alternativa (depois, estabelecida como a Terra 5) para que ele e Robin impeçam o assassinato de Thomas e Martha Wayne. A trama traz a dupla dinâmica discutindo por discordarem das questões éticas envolvendo criar um mundo no qual não exista o Batman e lida com vários elementos das histórias da Era de Ouro, como o fato de do gangster Lew Moxon contratar Joe Chill para matar o casal.

No fim, a presença da dupla altera os eventos e, no momento final, Robin fica na dúvida entre intervir ou não no evento, mas Batman salva seus pais e o Phanthom Stranger os traz de volta à realidade, explicando que a ação do homem-morcego termina por interessar o pequeno Bruce a se tornar o Batman quando adulto, agora, sem o desejo de vingança.

As outras histórias são mais curtas e mostram uma aventura do detetive Slam Bradley (que realmente frequentava Detective Comics no início) por Len Wein e Jim Aparo; uma história do Batman por Len Wen e Walt Simonson; outra do Rapaz Elástico (que esteve na revista nos anos 1960) por Mike W. Barr e José Garcia-Lopez; um conto em prosa do Batman escrito por Walter B. Gibson (o criador d’O Sombra, uma das inspirações para o homem-morcego) com pequenas ilustrações de Tom Yates; uma aventura do Gavião Negro por Paul Levitz e Joe Kubert; e outra interessante história do Batman por Cary Bates (escritor do Flash) e Carmine Infantino no qual o cavaleiro das trevas é envenenado e fica às portas da morte, chamando pela ajuda do Desafiador (Deadman, um herói que é um morto-vivo), mas termina indo ao plano astral e os espíritos de seus pais o mandam de volta ao reino dos vivos.

A Implosão da DC

O final da década de 1970 viu o mercado de quadrinhos sofrer sua maior crise em vinte anos. A venda de HQs atingira um novo pico em meio ao apogeu da Era de Prata nos anos 1960, momento em que a Marvel Comics liderada por Stan Lee e lançando novos personagens como Homem-Aranha, Quarteto Fantástico, Vingadores etc. causou um grande rebuliço na mídia e a DC Comics se viu obrigada a mudar seu status quo na virada para a década de 1970 em busca de abandonar o tom de arte e histórias genéricas e abraçar, ainda que relutante, uma pegada mais ousada, artística e antenada com os novos tempos, como foi exemplo o trabalho da dupla Dennis O’Neil e Neal Adams no Batman e também na revista Lanterna Verde & Arqueiro Verde.

Mas apesar disso, nos anos 1970, a DC Comics comeu poeira da Casa das Ideias em termos de vendas e também se mostrou menos capaz de incorporar elementos mais “modernos”, como um elenco mais diverso, com heróis afrodescendentes, por exemplo, algo no qual a Marvel foi muito mais capaz.

Quando a crise nas vendas se tornou grande demais, na segunda metade dos anos 1970, a DC investiu erroneamente na ampliação de seu leque de revistas, em busca de diversificação. Mas o resultado nas vendas não veio e, a partir de 1978, a editora foi obrigada a adotar uma política agressiva de cancelamentos, a chamada DC Implosion, o que colocou a editora à beira da falência no início dos anos 1980.

O resultado foi uma nova reorganização editorial: aproveitando a aposentadoria de Sol Harrison, em fevereiro de 1981, Jenette Kahn foi promovida como Presidente da DC Comics, sendo a mais jovem executiva a comandar uma subsidiária da Warner e a primeira mulher. O editor dos títulos do Batman, Paul Levitz foi transformado em vice presidente e Dick Giordano se tornou o editor executivo.

Coube a Kahn lutar contra o interesse da Warner Publishing de encerrar as atividades da DC e transformá-la em apenas uma empresa de licenciamento e mesmo de vender a editora para a Marvel. Kahn ao contrário investiu em uma campanha de revitalização da editora, que foi batizada oficialmente de DC Comics pela primeira vez (o nome National Publishing ainda aparecia nos editoriais até então) e lançou o famoso logo circular com duas estrelas da companhia, ao mesmo tempo em que renovava as equipes criativas dos principais personagens.

Seria a partir da ação dela que, em médio prazo, a DC se recuperou, renovando seu universo com um reboot cronológico e a atração de novos, jovens e ousados artistas, incluindo a “invasão britânica” de Alan Moore, Neil Gaiman, Grant Morrison, Alan Grant e outros. Fique ligado que tudo isso vai aparecendo aos poucos daqui em diante.

O Batman de Colan, já nos anos 1980.

De Volta ao Habitual

Os anos 1970 foram de experimentação para o Batman, mas com a crise na vendagem das revistas do fim daquela década, os anos 1980 começaram com a DC Comics disposta a retornar a um ambiente mais controlado e confortável. Assim, as aventuras continuaram com uma pegada mais juvenil, mas sem tanto aceno ao terror ou ao sombrio.

Marv Wolfman.

Um marco desse período foi a chegada do escritor Marv Wolfman, advindo da Marvel Comics. Nascido em 1946, Wolfman iniciou sua carreira na DC Comics, em 1968, escrevendo histórias dos Jovens Titãs, mas se destacou na linha de terror, antes de migrar para a Marvel em 1972 e se tornar editor-assistente de Roy Thomas e ficar responsável pela linha de revistas em preto e branco da editora. Além disso, escreveu uma longa e aclamada temporada na revista The Tomb of Dracula, ao lado do desenhista Gene Colan, na qual surgiu o anti-herói Blade. Wolfman também escreveu o Lobisomem (Werenwolf by Night) e criou personagens como o Nova, que foi muito popular, além de escrever medalhões como Quarteto Fantástico e Homem-Aranha, e histórias de Demolidor (onde criou o vilão Mercenário), Mulher-Aranha e Coisa. E chegou até a ser o editor-chefe da Marvel, entre 1977 e 1978.

Wolfman retornou à DC Comics em 1980, para relançar, ao lado do desenhista George Perez (também advindo da Marvel) a nova versão dos Novos Titãs (The New Teen Titans), liderados pelo Robin, que causou um enorme impacto na indústria dos quadrinhos e no universo do Batman em particular, conforme veremos adiante. Além de temporadas em Action Comics com o Superman e no Lanterna Verde, Wolfman escreveu uma curta temporada do cavaleiro das trevas a partir de Batman 328, de outubro de 1980.

Na sequência de histórias entre Batman 330 e 335, com arte de Irv Novick, o detetive sombrio combate a um chefão criminoso em Gotham e se alia a Talia, o que enfurece Robin, que está voltando à cidade após abandonar a universidade (outro aceno à normalidade), e o jovem une forças com a Mulher-Gato em busca de um trajeto alternativo, que leva a um grande confronto com Ra’s Al Ghul.

Depois disso, Robin voltou a frequentar as aventuras de seu tutor de um modo frequente que não fazia há mais de uma década, especialmente a partir de Batman 337, na qual Gerry Conway (outro escritor advindo da Marvel) assume os roteiros. Conway havia nascido em 1952 e chegou ao estrelato nos quadrinhos muito cedo, aos 18 anos emergindo como um dos principais roteiristas da Marvel em personagens importantes, como Quarteto Fantástico, Capitão América e, principalmente, Homem-Aranha.

Trazer o Robin de volta à revista era uma estratégia comercial, afinal, o personagem vendia mais do que o Batman, liderando os Novos Titãs nas aventuras de Marv Wolfman e George Perez.

Outro elemento importante é que, com a chegada de um autor famoso e aclamado como Conway, a DC Comics o colocou à frente de ambas as revistas Batman e Detective Comics, algo relativamente inédito. Dessa forma, na verdade, a trama dessas revistas passaram a migrar de modo direto de uma para a outra, o que para fins práticos, era como se o cavaleiro das trevas tivesse uma publicação quinzenal.

No comando do homem-morcego, Gerry Conway se uniu ao fantástico Gene Colan para iniciar uma trama que traz de volta alguns elementos de terror da década anterior, quando a dupla dinâmica precisa enfrentar o Monge e a vampira Dala, numa boa história que percorre entre Batman 344 a 348 e Detective Comics 511 a 518, ao longo do ano de 1981, numa trama que era um remake da velha Detective Comics 31, de 1939!

Vicki Vale (a mais famosa das namoradas)…

Outra curiosidade é que esta aventura trouxe o retorno da intrépida fotógrafa Vicki Vale após uma ausência de quase 20 anos! Dentro da perspectiva mais adulta da década de 1980, a ruiva foi retratada com inteligência e sensualidade, lembrando um pouco o ótimo trabalho de Conway com Mary Jane Watson (a namorada de Peter Parker) na década anterior.

Por fim, outro marco dessa saga foi que Batman 348 trouxe o momento em que Batman e Robin regressam à Mansão Wayne e à batcaverna após 12 anos.

Capa de “Batman and the Outsiders 01”, de 1983, por Jim Aparo.

Mas algumas pequenas mudanças também ocorriam no universo do morcego. Com as vendas baixas há muito tempo, a DC fez uma jogada acertada ao encerrar The Brave and the Bold, que há 16 anos publicava aventuras do Batman ao lado de outros heróis da DC. Na trama de The Brave and the Bold 200, de 1983, com textos de Mike W. Barr e desenhos de Jim Aparo, temos a fundação dos Renegados, um grupo de jovens e poderosos heróis. No mês seguinte, a revista foi substituída por Batman and the Outsiders 01, pela mesma equipe criativa, na qual o homem-morcego discorda da postura da Liga da Justiça diante dos Renegados, sai daquela equipe e se une aos novatos para treiná-los. O cavaleiro das trevas continuou à frente da equipe pelas primeiras 32 edições da nova revista.

O Novo Robin, Jason Todd

Em paralelo à sua temporada em Batman, Marv Wolfman e uniu a George Perez (desenhista que vinha de onde? Adivinha? Sim, da Marvel) e a dupla relançou os Novos Titãs, reunindo o time de heróis adolescentes liderados por Robin, mas com uma nova pegada mais casada aos anos 1980, inspirados nos X-Men de Chris Claremont e John Byrne (que eram a publicação mais quente da época – e sim, da Marvel).

Os Jovens Titãs dos anos 1960 (esq.) são substituídos pelos Novos Titãs dos 80 (dir.).

Wolfman e Perez mantiveram Robin e Kid Flash como as almas do grupo, sob a liderança do primeiro, e trouxeram personagens novos como Mutano, Ciborgue, Ravena e Estrelar. Tal qual a inspiração na concorrência, as tramas eram juvenis, mas com tons sérios, drama, risco real e levando os dilemas adolescentes à sério.

O resultado é que a nova revista The New Teen Titans se tornou o maior sucesso de vendas da DC Comics na época, a partir de seu lançamento em 1980, colocando o Robin em primeiro plano e transformando Wolfman e Perez em dois dos principais artistas da época.

Sim, por mais que isso soe estranho aos dias de hoje, houve um período, entre 1982 e 1984 em que os editores da DC colocavam o Robin nas revistas do Batman simplesmente porque o teen wonder vendia mais do que o cavaleiro das trevas!

Jason Todd (ainda ruivo nessa versão) faz sua estreia.

Foi nesse contexto que se desenvolveu uma nova leva de histórias escritas por Gerry Conway e desenhadas por Don Newton no qual a dupla dinâmica precisa enfrentar um novo e monstruoso gangster na cidade: o Crocodilo (ou Killer Croc, no original), começando em Batman 357, de março de 1983. Segue-se uma trama na qual os criminosos ameaçam um novo circo na cidade, o Sloan, e o Robin se identifica de imediato com a família de trapezistas Todd, e seu filho, Jason.

Mas no fim, em Detective Comics 526, o Crocodilo arma uma fuga em massa do Asilo de Arkham, que sobrecarrega o Batman e seus aliados, e resulta na morte dos pais de Jason, com Batman e Robin vendo a história se repetir. Durante esses eventos, Jason descobre que Bruce Wayne é o homem-morcego e até chega a usar a roupa de trapezista que Dick Grayson usara nos seus tempos de Graysons Voadores.

Doug Moench.

Neste ponto, Gerry Conway deixa as revistas do morcego e elas são assumidas por mais outro roteirista advindo da Marvel: Doug Moench. Nascido em 1948, em Chicago, ele tinha 35 anos em 1983, e iniciara a carreira escrevendo histórias para pequenos jornais locais antes de conseguir a grande oportunidade na linha de terror da Warren Publishing, incluindo os quadrinhos da Vampirella, a partir de 1970. Três anos depois, ele terminou na Marvel, também com histórias de terror que estavam sob a responsabilidade do editor Marv Wolfman, incluindo personagens licenciados, como Planeta dos Macacos e Doc Savage, e escrevendo as histórias do Lobisomem, nas quais criou o Cavaleiro da Lua, a quem escreveria também suas histórias solo bastante aclamadas. Outra obra de destaque de Moench foram as histórias de Shang-Chi, o Mestre do Kung-Fu, entre 1974 e 1978, que é considerada uma das maiores obras da Marvel naquela década. Ele também criou o anti-herói futurista Deadlock e se mudou para a DC Comics convidado para trabalhar no Batman e usar um aproach similar ao que dera ao Cavaleiro da Lua, com histórias sombrias e urbanas de forte carga psicológica. Ele assumiu tanto Batman quanto Detective Comics, que continuavam com as artes de Don Newton e Gene Colan, respectivamente.

O primeiro arco de Doug Moench foi a partir de Batman 361, de julho de 1983, com arte de Newton, na qual em meio ao ataque do Morcego-Humano se desenrola uma trama do prefeito de Gotham, Hill, querendo desacreditar o Comissário Gordon e usando para isso o recém-promovido detetive Harvey Bullock (que tinha aparecido nas histórias de nove anos antes).

Gordon tem um ataque cardíaco em Batman 364. Arte de Don Newton.

Desgostoso de Gordon e sem confiar no Batman, Bullock termina por colaborar com Hill e tenta provocar uma “peça” no Comissário, mas resulta em Gordon tendo um ataque cardíaco em Batman 364, e o detetive se arrepende amargamente na edição seguinte, rompendo com Hill. Por fim, em Detective Comics 533, com arte de Colan, um grupo de bandidos se aproveita que Gordon está no hospital e o ataca, o que leva Bullock a montar uma equipe da SWAT para impedir e ainda avisa ao Batman, com a ação de ambos resultando no salvamento de Gordon. E Bullock deixando de ser um opositor declarado do homem-morcego, ainda que não exatamente um aliado.

Esse eventos transcorriam enquanto Jason Todd permanecia como um personagem coadjuvante nas histórias e querendo combater o crime ao lado do Batman. E isso estava diretamente conectado ao que ocorria nas aventuras dos Novos Titãs…

Dick Grayson deixa de ser o Robin e se torna o Asa Noturna.

Claro tudo isso era parte de um plano editorial que estava em desenvolvimento: nas aventuras dos Novos Titãs, Wolfman e Perez mostravam personagens como Robin e Kid Flash vivendo crises da juventude, pois chegavam ao momento de ruptura com seus tutores. Daí, que em meio à saga O Contrato de Judas (publicada em Tales of the Teen Titans 42 a 44 e Tales of the Teen Titans Annual 03, no verão de 1984), Dick Grayson decide deixar a identidade de Robin para trás e assume um novo uniforme e nome: Asa Noturna.

Significava que a vaga de Robin estava livre!

Assim, enquanto essas histórias eram publicadas, Jason Todd começou a gradualmente agir ao lado do Batman, com Todd roubando o uniforme de Robin e indo até a Guatemala ajudar o cavaleiro das trevas numa luta contra o Coringa, em Detective Comics 533, por Moench, Newton e Alfredo Alcala, e em seguida, já que Bruce não gostou do fato dele se apossar da identidade de outra pessoa, colocar Jason no uniforme dos Grayson Voadores por um tempo enquanto pensam em uma identidade para ele. Mas no fim, em consequência a O Contrato de Judas, Batman 368, de fevereiro de 1984, mostra Dick aparecendo na Batcaverna e entregando o uniforme de Robin para que Jason o use dali em diante.

É o surgimento do Robin II. Porém, a origem muito similar e o grau de repetição não causou nenhuma empatia do público. A editoria da DC achava que o menino prodígio manteria as vendas elevadas por causa do sucesso de Novos Titãs, mas era a química da equipe e a abordagem adulta e criativa de Wolfman e Perez que mantinha a revista em alta. Um Robin substituto, sem personalidade e sem graça não adicionava nada e os fãs não se conectaram.

Para dar algum diferencial, Doug Moench e Don Newton exploravam histórias nas quais Jason Todd era um pouco truculento demais para o gosto do Batman, mas isso ainda não foi o suficiente para interessar aos leitores de então. Algumas edições exploraram Batman novamente se aliando à Mulher-Gato e o detetive Harvey Bullock formando uma parceria “informal” com o novo Robin em alguns casos.

Outro destaque da fase de Doug Moench foi o arco que introduziu o vilão Máscara Negra, a partir de Batman 386, de agosto de 1985, e Detective Comics 553, com as artes de Tom Mandrake e Klaus Janson, respectivamente. Moench criou uma boa trama na qual o empresário Roman Sionis cresce negligenciado pelos pais e obcecado por máscaras, resultando no assassinato de seus pais e assumindo o controle da companhia, Janus Cosmethics, que ele leva à falência ao desenvolver uma maquiagem não testada que arrancava a pele dos consumidores.

Com a indústria à beira da falência, Sionis é afastado e a empresa adquirida pela Wayne Enterprises, o que coloca Bruce Wayne e Lucius Fox como alvos de Sionis quando ele confecciona uma máscara de madeira a partir do caixão do pai e assume a identidade do criminoso Máscara Negra, formando uma quadrilha chamada A Sociedade da Face Falsa, na qual todos usam máscaras.

É um drama interessante e até renderia um bom filme dos anos 1980, ainda que o visual do Máscara Negra nessa fase era simplesmente uma releitura do primeiro Cara de Barro. Contudo, mais de dez anos no futuro, o vilão ganharia uma enorme importância no universo do morcego.

A fase de Doug Moench se encerra na comemorativa Batman 400, de outubro de 1986, uma edição especial com 64 páginas e uma dúzia de desenhistas convidados, cada qual desenhando de três a seis páginas, dentre os quais John Byrne, George Perez, Bill Sienkiewics (que também fez a capa), Joe Kubert, Brian Bolland, além de uma sequência de pin-ups de nomes como Mike Grell e Bernie Wrightson. E um prefácio escrito por Stephen King!

Mas tudo isso embala uma história épica: Rã’s Al Ghul decide dar um ultimato ao cavaleiro das trevas e promove uma fuga em massa tanto do Asilo de Arkham quanto da Penitenciária Estadual de Gotham, o que é desculpa para aparições (quase sempre breves) de Aranha Negra, Catman, Cavaleiro, Pistoleiro, Crocodilo, Mariposa Assassina, Chapeleiro Louco, Hera Venenosa, Charada e Espantalho (além de vários outros ainda mais brevemente, como Máscara Negra, Duas caras, Sr. Frio, Dr. Phosphorous, Homem-Calendário, Cara de Barro e Mestre das Pistas.

Depois disso, Rã’s Al Ghul aparece na Batcaverna e se oferece para matar todos os inimigos se Batman se unir à sua cruzada. O cavaleiro das trevas recusa, claro. Como resultado, duas ameaças se apresentam: um grupo de vilões sequestram aliados do herói, como Alfred, sua sobrinha Julia Pennyworth, o detetive Harvey Bullock e Vicki Vale; enquanto Coringa e Pinguim lideram um cerco ao Departamento de Polícia de Gotham City, com o Comissário Gordon e seus homens lá dentro. Como solução, Robin e Talia salvam o GCPD e Batman e Mulher-Gato resgatam os aliados.

O quarteto se une contra Rã’s Al Ghul em sua base e o vilão faz uso do Poço de Lazaro para ficar dez vezes mais forte, mas ainda assim é derrotado pelo homem-morcego, presumivelmente morto no desabamento do moinho em que estavam.

O fim da longa temporada de Moench encerrou não apenas uma fase, mas toda uma era. Dali em diante, Batman e a DC Comics viveriam uma Era completamente nova, com uma nova abordagem e uma nova cronologia.

A Crise

A crise financeira da DC Comics atingiu seu ápice em 1984. Toda a coleção de revistas da editora vendia mal – inclusive, as várias revistas de Superman e Batman – e a única publicação que realmente ia bem nas vendas eram os Jovens Titãs liderados por Robin/Asa Noturna de Wolfman e Perez. A situação era tão drástica que os executivos da Warner cogitaram fechar a DC e licenciar seus personagens para que a concorrente máxima, Marvel Comics, os publicassem. Ou seja, para efeitos práticos, queriam vender a DC para a Marvel, e conversas chegaram mesmo a acontecer com o editor-chefe e vice-presidente da Casa de Ideias, Jim Shooter, um ex-destacado escritor da DC.

Foi preciso muita luta da presidente Jenette Khan, do vice-presidente Paul Levitz e do editor executivo Dick Giordano para convencer seus chefes a não fazer isso e apresentaram um plano de negócio ousado, de mudar o status quo da editora e elevar drasticamente as vendas. Era a última chance deles…

Marv Wolfman e George Perez nos anos 1980.

Então, em 1982, Khan, Levitz e Giordano convidaram as duas maiores estrelas da casa, Marv Wolfman e George Perez, e traçaram um plano de reconstrução da editora, ouvindo ainda vários outros grandes nomes da casa e seus editores e a meta ficou clara: era preciso simplificar a confusa cronologia da DC, na qual existiam múltiplos universos, com a Terra 1 sendo o palco principal, mas existindo inúmeras outras, como a Terra 2 (lar da Sociedade da Justiça), a Terra 3 (onde os heróis são vilões e os vilões são heróis), a Terra S (lar do Capitão Marvel/Shazam), Terra X (onde os nazistas venceram a II Guerra) e assim por diante. Wolfman pensou inicialmente em escrever A História do Universo DC, mas logo ficou claro que era preciso ser mais radical e, através de reuniões com Khan, Levitz e Giordano nasceu a ideia de promover uma história que unificasse o Universo DC em um único Universo.

Não foi tarefa fácil: entre a concepção, execução e publicação foram necessários três anos completos, com a DC contratando um pesquisador para ler todas as revistas já publicadas pela editora para auxiliar Wolfman em sua empreitada. Ele também precisou pesquisar bastante e criar uma trama que fosse interessante e vendesse bem. A ideia era produzir a primeira maxissérie da DC, ou seja, uma saga em 12 capítulos mensais, algo que nunca fora feito na editora.

Em meio a uma grande divulgação, Crise nas Infinitas Terras chegou às bancas com data de capa de abril de 1985 numa maxissérie em 12 capítulos produzida por Marv Wolfman e George Pérez numa trama cósmica: uma entidade chamada Anti-Monitor, advindo de um universo de antimatéria, decide por um fim à realidade, o que gera a reação de defesa de sua contraparte, o Monitor, responsável pela manutenção do Multiverso. Enquanto o vilão promove a extinção de centenas de realidades distintas, o Monitor recruta heróis de todos os cantos do Multiverso para impedir o fim dos tempos. Em combate a tais ameaças, terminam morrendo a Supergirl e o Flash. Ao final, os heróis conseguem derrotar o vilão e salvar a realidade, mas o Multiverso deixa de existir e o Universo DC passa a ser um só.

A maxissérie foi um enorme sucesso de vendas, foi elogiada pela crítica – inclusive como uma saída criativa para um momento de crise econômica – e ainda que tenha gerado uma boa dose de descontentes (pelas mortes de personagens queridos e pelo fim do Multiverso), ao fim e ao cabo, foi um empreendimento muito bem-sucedido e se impôs em médio e longo prazo como uma decisão criativa acertadíssima.

No final, a DC se reestruturou editorialmente para recriar as origens de seus heróis e adaptá-las a um novo Universo DC, que não tinha mais múltiplas Terras, mas apenas uma só. No campo do Batman, que é o que nos interessa, isso passou pela contratação de Dennis O’Neil de volta ao universo do morcego depois de seis anos trabalhando como editor e escritor da Marvel (onde produziu histórias do Homem-Aranha, Demolidor e Homem de Ferro), agora, como editor de todos os títulos do cavaleiro das trevas. E ele não poderia ter chegado no melhor momento.

A Era Sombria e o Cavaleiro das Trevas

Os historiadores das HQs consideram que a Era de Bronze (iniciada no fim dos anos 1960) se encerra em meados dos anos 1980 para dar lugar à Era Sombria, marcada por histórias mais sérias, adultas e sombrias. Em médio prazo até sombrias demais! Os dois grandes marcos iniciais dessa nova etapa foram Watchmen de Alan Moore e Dave Gibbons e Batman: O Cavaleiro das Trevas de Frank Miller, ambas publicadas pela DC Comics em 1986.

Watchmen apresenta um novo universo de heróis – baseados nos personagens da Charlton Comics, que fora comprada pela DC – que são retratados com altas doses de realismo, violência e cinismo numa trama envolvendo o risco iminente de holocausto nuclear e uma sociedade que baniu os super-heróis.

A fabulosa capa de “The Dark Knight Returns 01”, por Frank Miller.

Mas estamos aqui para falar da aclamadíssima minissérie Batman: O Cavaleiro das Trevas (The Dark Knight Returns, no original), aquela que é considerada como uma das melhores histórias em quadrinhos já escritas. Com roteiro e arte de Frank Miller, foi publicada em quatro partes a partir de fevereiro de 1986, e a trama mostra um Bruce Wayne de 55 anos de idade num mundo que baniu os super-heróis (como em Watchmen), mas que se vê obrigado a voltar a assumir sua identidade secreta depois de uma década de pausa, por causa de uma insana onda de violência em Gotham City, levada a cabo por uma gangue amoral chamada Mutantes. O subtexto político e psicológico da obra é de altíssimo nível, mostrando o clima de Guerra Fria de meados da década (com os conflitos periféricos do Afeganistão e a Guerra Irã-Iraque esquentando a polaridade entre EUA e URSS) e a decadência moral da sociedade capitalista, que recorre a posturas fascistas para manter a “tranquilidade” dos ricos.

Além do texto afiado, Miller extrapolou seus dotes artísticos, abandonando sua velha arte calcada no estilo clássico por outro estilo, mais estilizado, com figuras volumosas e muitos traços finos e ranhuras, o que causou grande efeito. Além disso, manteve o incrível storytelling que usa recursos como telas de TV para acelerar a trama, deixa espaço para longuíssimos diálogos e grandes painéis de ação cinematograficamente coreografadas.

A violência de Frank Miller deu origem a uma nova era dos quadrinhos.

Miller também usou a trama para opor o Batman (alguém que apesar de lutar pelo bem está a um passo da vilania) ao Superman, retratado como uma marionete do governo dos EUA e um trunfo do país contra a possibilidade de uma guerra contra os russos (elemento também presente em Watchmen, com o Dr. Manhattan). Na história, quando Batman volta à baila e dispara uma guerra contra os Mutantes – convocando Carrie Kelly como a nova Robin – o presidente encarrega o homem de aço a parar o seu antigo colega a qualquer custo.

Batman não aceita conversar e usa uma série de artifícios – uma armadura e kryptonita – para equilibrar suas chances de uma batalha mano a mano com o Superman e, na verdade, vence, mas na hora de dar um golpe final, o homem-morcego morre de um ataque cardíaco. A luta nas ruas de Gotham termina por revelar ao mundo que Bruce Wayne era o detetive sombrio, mas no fim, descobrimos que tudo foi um embuste e que Wayne está vivo e forjou sua morte para continuar sua missão a partir do subsolo da cidade.

O Cavaleiro das Trevas não foi um sucesso: foi um fenômeno cultural. Vendeu feito água e arrancou elogios da crítica, inclusive, daquela crítica que não falava de quadrinhos, chegando às seções de literatura dos jornais e revistas mais conceituados do mundo. Mais compacta e acessível do que sua irmã espiritual Watchmen, a minissérie de Frank Miller se tornou um dos maiores pináculos não somente do Batman, mas da DC Comics.

Seu lançamento varreu qualquer sombra de crise que o homem-morcego vivera na última década e deu origem a uma nova Batmania, dessa vez mais duradoura e sólida do que aquela dos anos 1960. O bom momento renderia algumas das melhores histórias do personagem já contadas (O Cavaleiro das Trevas, Ano Um, A Piada Mortal, Asilo de Arkham, O Filho do Demônio, Morte em Família etc. – falaremos delas a seguir) e, em médio prazo, o início da franquia cinematográfica do heróis (em 1989) e seu mais famoso desenho animado (1992).

Frank Miller em 1982.

Naquele momento, Frank Miller já era um gigante das HQs, mas O Cavaleiro das Trevas – que é considerada a sua obra-prima – o tornou um dos maiores nomes das histórias em quadrinhos de todos os tempos e alguém que cruzou as fronteiras para explorar outras mídias com sucesso, como o cinema. Miller nascera em 1957 (portanto, tinha 29 anos na época), em Olney, em Maryland, embora tenha crescido em Montpelier, em Vermont, em uma família de classe média e de origem irlandesa e católica. Apaixonado por quadrinhos e autodidata, ele se mudou para Nova York no fim dos anos 1970 para perseguir sua carreira, conseguindo seus primeiros trabalhos publicados em 1978, em histórias dispersas de editoras como Western Publishing, DC Comics e Marvel Comics, onde teve a grande oportunidade de sua carreira ao desenhar as edições 27 e 28 de Peter Parker: The Spectacular Spider-Man, a revista secundária do Homem-Aranha, em 1979.

A partir daí, começou a fazer várias capas para aquela revista ao mesmo tempo em que se tornou o desenhista de Daredevil, a revista do Demolidor, onde conheceu o editor Dennis O’Neil, que ficou impressionado com seu talento e o tornou, também, roteirista do título. A fase iniciada em Daredevil 168, de 1981, virou um fenômeno de vendas e transformou Miller em um astro, no que hoje é conhecido como A Saga de Elektra, apresentando a namorada-rival-vilã de Matt Murdock. Após dois anos gloriosos, Miller fez outros projetos – a minissérie Wolverine: Código de Honra [ou A Saga do Japão ou Eu, Wolverine], ao lado de Chris Claremont, e vários outros projetos especiais, antes de voltar ao Demolidor com A Queda de Murdock (Born Again, no original) e se mudar para a DC a convite de O’Neil.

A Nova Cronologia do Batman

Embora se passasse em um futuro provável, O Cavaleiro das Trevas meio que deu o tom para as histórias canônicas do Batman pós-Crise nas Infinitas Terras. Agora como editor, com a função de liderar as histórias, Dennis O’Neil se reuniu com Marv Wolfman, Mike W. Barr, Frank Miller e Jim Starlin e o grupo redefiniu a cronologia do homem-morcego. Assim, os parâmetros principais foram definidos:

  • Batman devia ter uma abordagem séria, sombria e urbana, com poucas “saídas” mais fantasiosas. Preferencialmente, essas escapadas deviam ocorrer em outros títulos que não o do morcego, como da Liga da Justiça.
  • Bruce Wayne se tornou o Batman aos 25 anos de idade após ter passado sete anos rodando o mundo e treinando para sua missão.
  • O cavaleiro das trevas agiu sozinho no início de sua carreira (os Anos Um e Dois) e a parceria com o Robin só se formou no Ano 3.
  • O visual do Batman passa a ter duas fases. Nos Anos 1 e 2 ele usou o símbolo preto e grande do morcego no peito e um cinto de utilidades mais robusto, com bolsos; e a partir do Ano 3 ele adota a elipse amarela em torno do morcego e um cinto de utilidades mais compacto, com tubos.
  • Não houve significativas mudanças à origem do Batman e de Robin tal qual mostradas nos anos 1930.
  • Dick Grayson teria 12 anos quando se tornou o Robin e a dupla teria agido por 6 anos.
  • Portanto, Batman estava mais ou menos no Ano 10 de sua carreira.
  • Mimetizando o clima de O Cavaleiro das Trevas, Batman e Superman não eram amigos (como retratavam as histórias da Era de Prata), mas tinham uma relação tensa, de quase rivalidade, porque o homem-morcego desconfiava do excesso de poderes do homem de aço e este discordava dos métodos violentos daquele.
  • Por causa disso, nem Batman nem Superman estiveram na fundação da Liga da Justiça e só entraram no time depois.

Definidos os parâmetros principais, ficava a missão de exibi-los apropriadamente por meio de histórias. Isso foi muito benéfico, pois pautados na herança dos então cinquenta anos de HQs do detetive sombrio e da nova abordagem mais séria, adulta e melhor amarrada cronologicamente, se iniciou uma das melhores fases do personagem em todos os tempos.

Daí, era reorganizar as histórias, o que passava por uma nova origem. O Superman ganhara a sua ainda em 1986, nas mãos de John Byrne; a Mulher-Maravilha, em 1987, nas mãos de George Perez. E com o sucesso de O Cavaleiro das Trevas, Frank Miller se tornou a escolha óbvia para reescrever a origem do Batman. Decididos a não mudar nada de essencial na história original de Bob Kane e Bill Finger, O’Neil e Miller criaram “apenas” uma história que mostrava o primeiro ano de ação do Batman, entre janeiro e dezembro, na qual Bruce Wayne, aos 25 anos, volta a Gotham City disposto a combater o crime, embora não saiba ainda como fazer isso. (Leia mais sobre a obra clicando aqui).

“Batman: Ano Um”: a origem definitiva do personagem por Miller e Mazzucchelli.

Batman: Ano Um foi publicada dentro da própria revista Batman, entre os números 404 e 407, entre fevereiro e maio de 1987, mas Frank Miller cuidou apenas dos roteiros, passando a arte para o fantástico David Mazzucchelli (seu parceiro em A Queda de Murdock, na Marvel). Novamente, um grande sucesso, a história de Miller e Mazzucchelli é outra das melhores já escritas do personagem.

Bem diferente de O Cavaleiro das Trevas, o texto de Miller e a arte de Mazzucchelli faziam de Ano Um ter um ar noir (com uma coloração quase em preto e branco, poucas cores) e com uma dose acachapante de realismo: Bruce Wayne tinha as ferramentas e a habilidade, mas não sabia como fazer sua guerra ao crime, e ao tentar uma abordagem convencional, com um disfarce comum, resultou num fracasso retumbante, quase sendo morto ao ser esfaqueado por um cafetão e levar um tiro de um policial. Então, percebe que era necessária uma abordagem mais dramática e espetacular, criando o disfarce do Batman, inspirado pela visão de um morcego que entra por sua janela (tal qual na história de Kane e Finger).

Numa Gotham tomada pela violência, decadência, crime e corrupção, a polícia se alia à máfia e se beneficia de acordos, a Justiça inoperante… O Batman aparece como um inimigo de todos e ao mesmo tempo em que ataca o crime organizado, também é caçado implacavelmente pela força da lei. Bruce cria para si uma imagem falsa de playboy despreocupado e alienado, enquanto gasta as noites capturando criminosos em flagrante e assustando o topo da máfia – representado pelo chefão Carmine “Romano” Falcone – mas precisava de apoio. Daí, somos apresentados ao incorruptível tenente James Gordon e ao promotor público de Gotham, Harvey Dent.

Sarah Essen no traço de Mazzzucchelli.

Gordon é quase tão protagonista da história quanto Batman: ele é representado como um cara de verdade, um policial incorruptível, veterano de guerra (do Vietnã), transferido de Chicago para Gotham, mas não era perfeito, pois sua esposa Barbara estava grávida e ele se envolve em um romance proibido com a detetive Sarah Essen. Gordon e Essen são encarregados de pegar o morcego e pensam que é um criminoso, mas o cavaleiro das trevas tem um aliado primeiro em Dent, num acordo para manter os criminosos presos. Inclusive, Gordon chega a suspeitar que Dent é o Batman e o promotor reforça as suspeitas deixando evidências… mas ao longo do ano, Gordon percebe que o cruzado embuçado é que está do lado certo.

Não há muita fantasia em Ano Um, apenas Batman contra a máfia e a polícia corrupta, e embora haja uma introdução à Selina Kyle (que será a Mulher-Gato depois), nenhum dos outros vilões clássicos aparece e a trama é propositadamente low-fi, inclusive, com o estranho recurso de que o clímax sequer traz o Batman, mas Bruce Wayne numa moto para resgatar o filho de Gordon, porque a ação se dá de dia.

E falando em Selina Kyle, a abordagem de Miller e Mazzucchelli à personagem é radical e causou alguma controvérsia: a futura vilã é apresentada como uma mulher durona, de cabelos bem curtos e roupa de couro apertada, trabalhando como prostituta nas ruas de Gotham, e até tendo alguns lampejos lésbicos (ela diz que não gosta de homens porque nunca conheceu um), mas vemos que ela tem um “bom coração” assumindo a proteção de Holly Robinson, uma prostituta mirim (!). Alguns editores e fãs acham que Miller foi um pouco longe demais nessa retratação, e rapidamente, as menções a ela ser uma prostituta de baixo calão foi desaparecendo das histórias, ainda que não exatamente negadas no contexto pós-Crise.

O fim do romance entre Essen e Gordon.

No fim, Batman salva a vida do pequeno James Jr., mas o romance entre Gordon e Essen tem um fim, com a detetive abandonando Gotham e o tenente se reconciliando com a esposa.

Sem dúvidas, Ano Um deu o tom do que era o Batman pós-Crise e, embora fosse uma história especial (e uma das melhores já criadas) estava num tom ligeiramente similar ao que seriam as revistas de linha do homem-morcego dali em diante.

Uma Nova Origem para Jason Todd

Apesar de Jason Todd ter sido introduzido apenas quatro anos antes, ao contrário do Batman, o segundo Robin teve sua origem totalmente modificada, o que foi bastante estranho. Toda aquela trama de Jason ser ruivo e trapezista foi desconsiderada e substituída por uma nova, mostrada em Batman 408 e 409, começando em junho de 1987, com texto de Max Allen Collins e arte de Chris Warner e Ross Andru, respectivamente.

Agora, é tudo diferente: Jason Todd é um garoto órfão (de cabelos pretos) que vive sozinho na região do Beco do Crime e se sustenta com pequenos roubos, o que o leva a roubar os pneus do Batmóvel. Batman o encontra e se apieda dele, inclusive, ao saber que seu pai fora morto pelo Duas Caras, e decide se tornar tutor dele. Quando percebe no jovem a mesma sede de vingança que o mobilizou quando criança – e que vira também em Dick Grayson – Bruce decide treiná-lo para se tornar o segundo Robin.

A aventura também muda o contexto da ruptura entre Bruce e Dick, adicionando uma narrativa na qual o Batman decide demitir o Robin de suas funções após ele ser baleado pelo Coringa e quase morrer ao cair de um edifício. Por causa disso, os dois romperam suas relações e Dick deixou Gotham e foi para Nova York, onde se reuniu aos Novos Titãs.

Em contrapartida, notando que Jason é mais esquentado e impulsivo do que Dick, Batman fica preocupado quando o jovem entra em ação, mas há um alívio em Batman 411, por Collins e arte de Dave Crockum e Don Heck, no qual quando a nova dupla dinâmica enfrenta o Duas Caras, o Robin II contém sua sanha de vingança e deixa a justiça fazer seu trabalho.

Desde o início da fase pós-Crise, as equipes criativas da revista Batman eram circulares, mas a publicação ganhou um time fixo a partir de Batman 414, de dezembro de 1987, com o início da excelente fase escrita por Jim Starlin e desenhada pelo veterano Jim Aparo, que chegava aos títulos principais do homem-morcego após 15 anos desenhando The Brave and The Bold e Batman and the Outsiders.

Nascido em 1949 em Detroit, Michigan, em uma família católica, e tendo servido na Guerra do Vietnã (o que o tornou um ferrenho pacifista), Starlin iniciou a carreira no fim da década de 1960, mas conseguiu sua grande chance ao ingressar na Marvel, em 1972, onde desenhava e escrevia suas histórias, criando o vilão Thanos numa história do Homem de Ferro e, em seguida, desenvolvendo toda uma saga em torno do vilão na revista do Capitão Marvel. Além de ser o cocriador de Shang-Chi, o Mestre do Kung-Fu (ao lado de Steve Englehart), Starlin criou as aventuras cult de Adam Warlock e o fim da Saga de Thanos (que envolveu os Vingadores), produziu a tocante graphic novel A Morte do Capitão Marvel e o personagem autoral Dreadstar, publicado no selo Epic da Marvel.

Com essa bagagem, Starlin já era um astro consolidado em 1987, quando aportou na DC Comics para escrever a nova versão da Legião dos Super-Heróis. Curiosamente, apesar do maior foco de sua carreira em personagens cósmicos, ele se mostrou um roteirista muito habilidoso no ambiente mais urbano e realista do Batman, também.

A primeira tarefa de da dupla Starlin e Aparo foi ressituar a relação entre Bruce Wayne e Dick Grayson. Assim, ao contrário do que mostrara as aventuras pré-Crise na qual Dick passou o bastão para Jason, agora, Asa Noturna fica sabendo que há um novo Robin nas ruas de Gotham e volta para confrontar seu antigo tutor, em Batman 416, que mostra que Bruce e Dick não se falam há um tempão. Os dois têm uma discussão e dizem umas verdades um para o outro.

Fazendo Ajustes na Cronologia

Batman contra o Ceifador em “Ano Dois”, por Barr e Davis.

Em paralelo àquelas histórias, Dennis O’Neil também se ocupou em organizar alguns aspectos da nova cronologia do personagem. Assim, veio Batman: Ano Dois, escrita por Mike W. Barr e desenhada por Alan Davis e Todd McFarlane, publicada em Detective Comics 575 a 578, a partir de junho de 1987. Esta história, no entanto, não foi tão bem sucedida quanto Ano Um, pois não deu prosseguimento ao mesmo clima “policial noir”, mas sim uma trama urbana que destacava a relação de Batman com as armas de fogo e a volta de Joe Chill, o assassino dos pais de Bruce Wayne.

O Batman de Todd McFarlane em Detective Comics 578.

Além disso, Barr aproveitou para fazer uma “releitura” de um dos vilões criados nas histórias de O’Neil e Adams nos anos 1970: o Ceifador (Reaper). A arte também teve destaque, pois o primeiro capítulo foi desenhado pelo grande Alan Davis, e os dois seguintes pelo então novato Todd McFarlane, que se tornaria em um dos mais famosos artistas da década seguinte, desenhando o Homem-Aranha na Marvel e criando o Spawn na Image Comics. Apesar de alguns problemas com storrytelling, McFarlane era capaz de entregar grandes quadros expressivos.

Rachel Caspian decide se tornar freira e deixa Bruce. Por Barr e McFarlane.

Ano Dois também introduziu um novo amor para Bruce Wayne: Rachel Caspian, que termina sendo a filha do Ceifador e fica extremamente abalada com a morte do pai, ao ponto de decidir seguir a vida como Freira, deixando nosso herói desolado.

Mais tarde, parte da trama de Anos Dois seria adaptada como um ótimo longametragem de animação vinculado à Batman – The Animated Series (falaremos dela adiante), chamada A Máscara do Fantasma.

Mergulho na Era Sombria

O sucesso de HQs como O Cavaleiro das Trevas e Watchmen (de Alan Moore e Dave Gibbons) deu impulso à Era Sombria, a radicalização dos elementos adultos e sombrios já sinalizados na Era de Bronze. E o Batman foi um ótimo veículo para isso. O aumento nas vendas pós-Crise motivou a DC a lançar mais revistas especiais, como minisséries e graphic novels e o homem-morcego foi um dos maiores destaques nesse movimento.

“Filho do Demônio”: melhor história com Ra’s Al Ghul.

A recepção fria de Ano Dois não impediu Mike W. Barr de escrever uma das melhores histórias do Batman em seguida: O Filho do Demônio, publicada no verão de 1987, com a belíssima arte de Jerry Bingham, uma graphic novel na qual Batman é obrigado a se aliar a Ra’s Al Ghul para deter um inimigo comum. No processo, reata seu romance com a filha do vilão, Talia, e ela termina engravidando.

Batman e Talia ficam juntos em “Filho do Demônio”, por Barr e Bingham.

Ao perceber que o homem-morcego mudou seu comportamento por causa do filho, o vilão e a garota decidem fingir um aborto e doar a criança à adoção sem o conhecimento de Bruce Wayne. Esta história, embora tenha chegado a ser declarada “fora da cronologia” nos anos seguintes, teria fortes consequências décadas depois.

Detalhe da capa de “A Piada Mortal”: por dentro da mente do Coringa.

Continuando a boa fase, o editor Dennis O’Neil ainda prosseguiu incentivando a criação de grandes histórias, como a graphic novel Batman: A Piada Mortal, escrita por Alan Moore e desenhada por Brian Bolland, lançada em março de 1988. Nela, o Coringa relembra sua origem dentro de um processo de múltipla escolha, na qual cabe ao leitor montar as peças e decidir o que é verdadeiro e o que não é. Além disso, o vilão se dedica a provar uma teoria: a de que qualquer um pode enlouquecer depois de um dia muito ruim. Sua cobaia é o Comissário Gordon: o vilão deixa sua filha, Barbara Gordon (a Batgirl) paralítica com um tiro na coluna e – presumidamente – a estupra diante do olhos do pai, embora o Batman consiga deter o vilão. No meio tempo, Moore explora a relação entre os dois oponentes e mostra que eles têm algumas coisas em comum.

A brutal cena com Barbara Gordon em A Piada Mortal.

Como a história foi pensada para ser não-canônica, Moore e Bolland criaram um final dúbio no qual através de somente sons (e não imagens) dão a entender que o Batman quebra o pescoço do Coringa. Mas como não fica claro, quase imediatamente, os outros roteiristas do Batman e da DC absorveram aqueles fatos como canônicos, o que implicava no fim da Batgirl, pois ela termina a história tetraplégica.

Num sentido narrativo, era um anticlímax à heroína, que fora tão popular na década anterior, mas andava esquecida nos porões da DC de então. O fato dela ser a Batgirl sequer é citado na história! Com a redução da “família” do Superman no cenário pós-Crise (Supergirl e Superboy simplesmente deixaram de existir), talvez, os editores tenham pensado que o mesmo era melhor para o Batman (que já tinha dois Robins).

Barbara Gordon revelada como Oráculo em Suicide Squad 38.

O fato é que Barbara passou a ser retratada como uma mulher paralítica nas histórias do Batman (e dos Titãs), mas não ficaria longe do heroísmo por muito tempo: indignados com o destino da personagem, o casal de escritores Kim Yale e John Ostrander criaram a misteriosa harker Oráculo em Suicide Squad 23, já em 1988, que, protegida pelo anonimato da tela, usava a internet (uma grande novidade: estávamos nos anos 1980, lembrem) para fornecer informações ao Esquadrão Suicida de Amanda Waller, e na edição 38 (com arte de Luke McDonnell), em 1990, é revelada como Barbara Gordon. A inovação fazia sentido, pois a jovem era retratada como a bibliotecária chefe da Biblioteca de Gotham, ou seja, alguém formada para lidar com informação.

Oráculo seria vinculada ao Batman no futuro, conforme seguirmos adiante.

De volta à história, A Piada Mortal foi bem recebida pela crítica e é aclamada como uma das melhores histórias do Batman, mas de fato, é uma trama perturbadora que quase vai longe demais. Esses elementos não ficaram desapercebidos pelo próprio Alan Moore, que depois, afirmou se arrepender de ter escrito a história.

Pouco depois daquela, outra grande graphic novel chamou a atenção: Batman: Asilo de Arkham, escrita por Grant Morrison e desenhada por Dave McKean. Na trama, os internos do asilo promovem uma rebelião e ocupam a prisão, exigindo que o homem-morcego vá se unir a eles. Nesta obra de grande profundidade psicológica – e a primeira do escritor com o personagem que mais tarde dedicaria muito tempo – e arte surreal (do artista que ficou famoso por Sandman) é feita outra abordagem das semelhanças e diferenças entre o Batman e o Coringa. Décadas depois, a história inspiraria a famosa série de videogames Arkham Asyle.

Batman é levado ao cinema de verdade pela primeira vez por Tim Burton e com Michael Keaton: estética gótica.

Além de firmarem a Era Sombria dos quadrinhos, essa sequência de grandes histórias do Batman lideradas pelo editor Dennis O’Neil e vários escritores e desenhistas também serviram para consolidar a visão moderna do Batman como alguém sombrio, violento e perturbado; e aumentar muito a sua popularidade e aceitação em círculos muito além dos leitores tradicionais de quadrinhos. Mais do que nunca antes, essa fase pós-Crise, entre 1986 e 1989, serviu para consolidar o homem-morcego como um ícone como nunca dantes, com uma popularidade e uma aurea cult jamais compartilhada. Entre os resultados, está uma nova batmania dessa vez mais duradoura e séria que teve culminância em Batman – O Filme, de Tim Burton, com Michael Keaton e Jack Nicholson nos papeis de Bruce Wayne e Coringa, lançado com estardalhaço e sucesso em 1989, ano do 50º aniversário do personagem. Segundo uma lista divulgada pelo site Hollywood Reporter, a produção chegou até 2011 como sendo a 10ª maior bilheteria de um filme baseado em super-heróis em todos os tempos. (Veja detalhes aqui).

Nova Fase, Grandes Histórias

Passada a necessidade de criar ambiência – com arcos como Ano Um e Ano Dois – as consequências da nova cronologia pós-Crise renderam uma série de histórias sensacionais. Destaque mesmo para a temporada de Jim Starlin à frente do homem-morcego, um deleite a cada edição. O melhor exemplo foi o arco Os Dez Dias da Besta, de Jim Starlin e arte de Jim Aparo, publicada em Batman 417 a 420, de março a junho de 1988, no qual Batman precisa enfrentar um superespião soviético, chamado KGBesta, que parece praticamente invencível. Cabe ao homem-morcego utilizar de todas as suas habilidades para vencê-lo, numa grande história.

A bela arte de Norm Breyfogle.

Mas Detective Comics não ficava atrás. Nitidamente começava uma nova fase, com o grande Norm Breyfogle desenhando a revista pela primeira vez no número 579, com sua arte expressiva, traços retos e ambientação sombria, casava como uma luva ao cavaleiro das trevas pós-Crise e, logo, logo, ele se tornaria um artista de destaque dentro do universo do morcego.

Detective Comics 580 e 581 trouxe uma interessante história em que o Duas Caras precisava lidar com um imitador, Paul Sloan, nas mãos competentes de Mike W. Barr e Jim Baikie. Mas Norm Breyfogle se torna o artista oficial da revista a partir da edição 582, com roteiro da escritora Jo Duffy, antes de se unir à dupla John Wagner e Alan Grant a partir da edição 583, de abril de 1988, e que já trouxe a estreia de um novo vilão: Ventríloquo e Scarface, com a inusitada combinação de um homem completamente louco que manipula um boneco de madeira que expressa uma segunda identidade psicótica e, ainda, consegue se tornar um chefe de quadrilha perigoso.

Bela ilustração de Norm Breyfogle em Detective Comics 590.

As histórias de Wagner, Grant e Breyfogle eram muito sombrias e adultas e tinham o mérito de envolverem quase sempre oponentes novos e situações de caráter mais realista, com aproximações ao mundo real, e vilões novos como, além da dupla Ventríloquo e Scarface, o Aborígene e Cornelius Stick. Um destaque em particular é Detective Comics 590, de setembro de 1988, na qual Batman enfrenta a ameaça do embaixador Abu Hassan, do (país fictício) Syraqui – num aceno à crise com o Iraque que resultaria em uma guerra pouco tempo depois. Na trama, o cavaleiro das trevas é confrontado com a realidade de que é apenas um homem e que não tem “poderes” contra a diplomacia internacional e seus meandros políticos.

O lindíssimo Batmóvel de Norm Breyfogle.

A edição 591 trouxe a estreia do novo Batmóvel com design de Breyfogle, uma peça de arte.

O trio Wagner, Grant e Breyfogle ficou até Detective Comics 594, antes da arte ser assumida pelo veterano Irv Novick e passar ao uruguaio Eduardo Barreto. O novo trio produz as edições 596 e 597, de março e abril de 1989, que celebram os 50 anos de publicação do Batman e estão recheadas de pin-ups e declarações de personalidades sobre a importância do personagem. A edição 596, inclusive, teve explosivas 80 páginas!

Um elemento interessante da fase de Wagner e Grant é que o Robin Jason Todd esteve ausente. E o motivo foi algo bem dramático…

A Morte de Jason Todd

A morte do Robin II por Starlin e Aparo.

Todo o esforço de fazer o Robin Jason Todd um personagem cativante ou mesmo interessante, falhou. Todd tinha “atitude”, especialmente nas histórias de Jim Starlin, mas a DC precisou aprender que o sucesso pretérito do Robin se devia às aventuras juvenis de Wolfman e Perez junto aos Novos Titãs; e a insistência equivocada de manter um “menino prodígio” ao lado do Batman adulto da Era Sombria era uma discrepância que os leitores não puderam deixar de se queixar. Mesmo que, diferente das aventuras pré-Crise, Todd não fosse retratado como um boy wonder, mas um teen wonder, com pelo menos uns 16 anos nas artes de Aparo.

Talvez como uma forma de tentar fazer Todd ser um personagem mais “moderninho”, mais anos 1980, o segundo Robin era esquentadinho e impulsivo, mas isso só o tornou alguém chato e irritante para os leitores. Mas o editor Dennis O’Neil e o escritor Jim Starlin souberam se aproveitar dessa polêmica e transformá-la em uma boa história, com a queda de Todd.

Começa em Batman 422, de agosto de 1988, por Starlin e arte de Mark D. Bright, na qual após pegarem uma quadrilha de criminosos, Batman precisa parar Robin de espancar um dos criminosos, antes que o mate. A resposta de Todd é: “não seria uma grande perda, não é?”.

E continua a seguir: Batman se envolve numa investigação sobre tráfico internacional de drogas – um tema recorrente da época – e percebem o envolvimento do diplomata da (fictícia) República de Bogatoga, enquanto Robin percebe que o filho do embaixador, Felipe Garzonas, está envolvido com violência doméstica.

Então, em Batman 424, por Starlin e Bright, Robin vai atrás de Felipe Garzonas e encurrala o rapaz em seu apartamento, mas a cena mostra apenas o segundo menino prodígio aterrissando em uma escada de incêndio e, em seguida, Felipe caindo para morte. Batman chega em seguida: o jovem foi empurrado ou caiu? Jason diz que ele escorregou, mas a dúvida paira no ar na cabeça de Bruce e na do leitor.

Na edição seguinte, ainda por Starlin e Bright, quando o pai de Felipe, Jose Garzonas, decide se vingar de Batman e Robin, sequestrando o Comissário Gordon. Os heróis confrontam os criminosos em um ferro-velho, e Garzonas é morto esmagado por uma pilha de carros que desaba. Batman tenta mostrar para Robin que sempre há consequências, mas Jason vira as costas e sai.

É a entrada para o arco Morte em Família, entre Batman 426 e 429, iniciada em dezembro de 1988, de novo por Starlin e Aparo, na qual um Jason Todd descontrolado e impulsivo estraga uma investigação do Batman e é destituído da função de Robin. Furioso, o jovem vai em busca de seu passado e descobre sua Certidão de Nascimento, que apesar de danificada deixa claro que sua mãe biológica não era quem pensava. Sua verdadeira mãe poderia estar viva.

Numa missão transloucada para encontrá-la, termina indo parar no Oriente Médio, ao mesmo tempo em que o Batman persegue o Coringa, que roubou um míssil nuclear e quer vendê-lo ao Irã. O roteiro de Starlin deixa bem claro que aquela fuga do palhaço assassino se segue à vez em que ele foi preso por ter aleijado Barbara Gordon, incorporando de modo explícito os eventos de A Piada Mortal no cânone. Inclusive, a história explora os mau contidos desejos de vingança de Batman e Gordon contra o arlequim do ódio, ao mesmo tempo em que precisam se conter em prol de seus princípios, o que é um dilema doloroso a ambos.

Ao mesmo tempo, quando Todd descobre que a Dra. Sheila Heywood, uma médica humanitarista que atua na região está mancomunada com o palhaço do crime, Batman e Robin se reúnem na mesma missão.

A cena brutal da morte de Robin na arte de Jim Aparo.

No fim, Heywood trai o seu “filho” e o entrega ao Coringa, que espanca barbaramente o Robin com um pé de cabra (numa sequência simplesmente espetacular de Jim Aparo) e o deixa à beira da morte, junto à médica e uma bomba-relógio. Quase morto, Jason ainda tenta salvar a mãe que lhe traiu, mas não há tempo…

Tocante cena em que Batman encontra o corpo de Jason Todd, por Starlin e Aparo.

Batman apenas chega há tempo de ver a explosão e Jason já está morto quando o encontra.

Nos bastidores, devido à impopularidade do personagem, a DC decidiu criar o inédito evento de que os leitores decidiriam numa votação por telefone se o Robin II deveria morrer ou não na história. A votação foi feita e o resultado não poderia ser outro: por uma pequena margem de vantagem, ganhou a opção da morte. Jim Aparo desenhara duas versões da cena em que Batman encontra Todd, então, foi usada a versão da morte.

Um cavaleiro das trevas furioso e vingativo sai atrás do Coringa, mas o Aiatolá Khomeini, o líder do Irã, transforma o vilão no embaixador do país para a reunião das Nações Unidas que ocorrerá em Nova York. Batman quer se vingar, mas o Superman tenta lhe manter na linha da lei, lhe avisando que estará por perto. É mais uma ocasião em que os dois heróis trocam farpas entre si e mostram uma relação tensa, ainda que o roteiro de Starlin deixe claro que se trata mais de uma iniciativa do detetive sombrio do que do homem do amanhã.

Um fato curioso é que quando o Coringa chega à ONU e entra no plenário, o vilão e Bruce Wayne se encaram por um longo instante, com Aparo desenhando figuras repetidas dos rostos sério/risonho de cada um. É a primeira menção pós-Crise que dá a entender que o Coringa sabe quem o Batman é. Esse elemento não seria explorado na época, mas voltaria à tona uns 30 anos depois.

Mas na reunião da ONU, o Coringa tenta matar todos com seu gás do riso, algo que é impedido pelo Superman, sugando todo o gás e jogando-o no alto da atmosfera.

Na perseguição, o Coringa tenta escapar em um helicóptero, mas quando o cavaleiro das trevas invade a aeronave, um dos capangas se desespera e dispara uma metralhadora a esmo, que termina atingindo o arlequim do ódio no peito e destrói os controles. O veículo despenca do ar, explode e cai na Baía de Manhattan, e o Coringa aparentemente morre, ainda que o Superman não encontre seu corpo. O homem-morcego termina dizendo a deixa para um retorno no futuro: “as coisas entre eu e ele ficam sempre assim… inacabadas!”.

Dado como morto, o Coringa ficaria “desaparecido” das HQs por dois anos completos.

Sozinho de Novo

Passada a morte de Robin, Jim Starlin encerra sua incrível passagem de dois anos por Batman na edição 430, de fevereiro de 1989, na qual o Comissário Gordon pergunta se o Robin vem e o cavaleiro das trevas apenas responde “não”, mostrando que a morte do menino prodígio não foi sabida do público do Universo DC. Em seguida, a revista passou ao comando de Jim Owsley (roteirista que hoje assina como Christopher Priest), ainda com Jim Aparo, nas edições 431 e 432. Essas histórias exploram um Batman raivoso e mais violento do que o costume, em luto por sua perda recente.

Em seguida, o desenhista sensação John Byrne (que tinha recriado a origem do Superman pós-Crise), escreveu o célebre arco As Muitas Mortes do Batman, entre Batman 433 e 435, também com arte de Jim Aparo, na qual se explora as origens do homem-morcego, mostrando que ele treinou com os maiores especialistas em várias áreas, que começam a ser mortos por um misterioso assassino.

Capa do encadernado de “Justiça Cega”: thriller de espionagem.

Ao mesmo tempo em que a Batmania se espalhava pelo mundo por causa da aventura cinematográfica, a DC aproveitou e convidou o roteirista de Batman – O Filme, Sam Hamm, para escrever uma HQ do personagem, nascendo a interessante Justiça Cega, desenhada por Dennis Cowan, publicada em Detective Comics 598 a 600, começando em março de 1989, que continuava as comemorações do 50º aniversário, na qual Bruce Wayne tem que combater um cartel criminoso que se apossou da Wayne Enterprises. Quando Wayne tenta impedir esse avanço, os executivos inescrupulosos usam os “furos” do passado do empresário – nós sabemos: o tempo em que passou treinando para ser o Batman – para acusá-lo de ser um espião soviético, o que leva Bruce a uma acusação formal e o risco de ter sua identidade secreta revelada se alguém investigar demais.

Esta história introduziu o personagem Henri Ducard, protagonista de Batman Begins, de 2005. Mas ao contrário do cinema, o Ducard dos quadrinhos era o maior detetive de seu tempo, que virou para o outro lado e se tornou um letal mercenário, ainda que movido por um código de honra particular. Ele teria sido um dos que treinou o jovem Bruce e é usado como um recurso para livrá-lo da acusação de espionagem.

Contra Etrigan na arte de Norm Breyfogle.

Passada Justiça Cega, Detective Comics foi assumida de novo pelo roteirista britânico Alan Grant, agora em solo, e Norm Breyfogle retornou também como artista. A dupla continuou a pegada sombria e adulta que havia iniciado pouco antes, com um arco trazendo Etrigan, o Demônio, o personagem criado por Jack Kirby. Em seguida, veio o arco Quadra de Lama (The Mud Pack) no qual reúnem todos os quatro que usaram o nome Cara de Barro, incluindo a Lady de Barro, numa história que explora a psiquê desses vilões que possuem poderes similares, mas com personalidades tão diferentes.

Numa das edições, inclusive, o Cara de Barro II – que pode assumir a aparência de qualquer coisa – assume a aparência do falecido Robin Jason Todd, para o terror do Batman, um recurso que ele usaria de novo muitos e muitos anos depois (anote isso para mais à frente).

Em Detective Comics 608 e 609, Grant e Breyfogle, apresentam outro novo vilão, o Anarquia que é guiado pela ideologia política que lhe dá nome, e o Batman termina descobrindo que se trata apenas de um garoto, Lonnie Machin, um adolescente. O personagem teria um bom futuro na DC.

Trabalhando com um vilão tradicional do cavaleiro das trevas, Grant e Breyfogle também surpreendiam, criando a versão pós-Crise do Pinguim no arco Snow and Ice, entre Detective Comics 610 e 612, no qual vemos o criminoso como alguém astuto e mortífero, bem longe do clima humorístico do personagem nos anos 1950 ou da ideia de que fosse mais um dos loucos que povoam o Asilo Arkham.

Bela capa de Norm Breyfogle para a história Lixo, em Detective Comics 613.

Grant e Breyfogle se especializaram em histórias quase sempre autocontidas que exploravam elementos da vida real, crítica social e uma visão (gráfica e textual) fabulosa do homem-morcego. Destaque para Lixo, publicada em Detective Comics 613, de abril de 1990, na qual se faz uma reflexão sobre o lixo nas grandes cidades sob a ótica de uma criança.

Contos do Cavaleiro das Trevas

Naquele ponto, Batman era um enorme sucesso nas vendas tanto pela sequência de grandes histórias quanto ainda no esteio do filme, o que motivou a DC Comics a criar uma terceira revista mensal a ser estrelada pelo homem-morcego (depois dele ter se mantido apenas em duas desde a Crise, se não considerarmos a revista da Liga da Justiça e muitas e muitas participações especiais). Em novembro de 1989 chegou às comic shops Batman: Legends of the Dark Knight, dedicada a contar aventuras que se passavam nos tempos de Ano Um ou pouco depois. Era uma forma de explorar o rico “passado” do Batman (podendo-se usufruir da longuíssima tradição de histórias das Eras de Ouro e Prata) dentro dos parâmetros sérios e adultos pós-Crise. Além disso, servia para preencher a nova cronologia com conteúdo. Sem dúvidas foi uma jogada acertada de Dennis O’Neil como editor e gerou uma sequência incrível de aventuras do cavaleiro das trevas.

Também era uma forma de entregar uma revista mensal direcionada ao público adulto, interessado na nova abordagem do personagem e sem uma carga cronológica prévia muito grande, o que possibilitava o acesso de novos leitores.

A história que deu largada foi Shaman, por Dennis O’Neil e Ed Hanningan; seguida por Gothic de Grant Morrison e Klaus Janson; Acossado (Prey) de Doug Moench e Paul Gulacy; Veneno de Dennis O’Neil e Trevor von Eeden; dentre outras, cada qual em cinco partes e trazendo abordagens adultas, sérias e muito profundas, mantendo a linha de grandes histórias do personagem em meio à Era Sombria.

O interessante é que a maioria dessas histórias não lidavam com “grandes eventos” (algo esperado como, por exemplo, a primeira aparição do Coringa, por exemplo), e sim, temas críticos que colocavam dilemas e desafios grandes (e pessoais) ao Batman, sendo, portanto, histórias de desenvolvimento do personagem, quase sempre muito inteligentes, muito adultas, complexas e sombrias.

Em Shaman, O’Neil explora as lendas de um demônio-morcego e os povos indígenas que viviam na região de Gotham antes da colonização; em Gothic temos um assassino matando os líderes do submundo do crime numa trama que mistura misticismo e o passado de Bruce Wayne; Acossado traz uma nova versão do embate com o professor Hugo Strange e sua obcessão em se tornar o Batman, numa história excepcional, que toma de emprestado algo daquelas velhas histórias dos anos 1970, ao mesmo tempo em que aprofunda a relação entre Batman e Gordon e Mulher-Gato; Veneno traz a estreia de uma droga que aumenta as capacidades físicas do usuário, mas deixa uma dependência terrível… e o Batman se torna uma vítima!

Seguindo a fama das graphic novels publicadas em anos anteriores (Cavaleiro das Trevas, Piada Mortal, Asilo Arkham), as maravilhosas histórias nas revistas mensais (Os Dez Dias da Besta, Morte em Família, Dark City, Rito de Passagem) e o filme no cinema, Batman viveu seu período de maior popularidade até então, e um sucesso esmagador nos quadrinhos. Enquanto o mercado de HQ escalonava para um dos períodos de vendas mais altas em todos os tempos, o homem-morcego era o maior representante da DC a fazer frente a X-Men e Homem-Aranha da Marvel, a campeã daqueles tempos

O Homem que Cai

O lançamento de Legends of the Dark Knight e do filme de Tim Burton (além da morte de Jason Todd), em muitos sentidos, fecharam o primeiro ciclo da nova cronologia pós-Crise. Isso coincidiu com a publicação de outra importante história do homem-morcego, ainda que não tão badalada quanto as outras citadas.

Desde o fim de Crise nas Infinitas Terras, em 1986, a DC Comics lançara a revista Secret Origins, que a cada mês contava as origens de algum personagem dentro da nova cronologia, cobrindo desde vilões – desde gente como Pinguim e Hera Venenosa até alguns heróis menores – circularam nas tramas, com cada HQ produzida por uma equipe criativa distinta. No final do ano de 1989, para aproveitar as altas vendas de Natal, a DC lançou um encadernado coletando as melhores dessas histórias, chamado Secret Origins of the Greatest Super-Heroes, com uma bela capa de Brian Bolland.

Para dar um plus, a DC acrescentou uma história inédita do Batman (seu campeão de vendagens) no que se tornou em um conto de origem importantíssimo do personagem, a história The Man Who Falls (O Homem que cai, no Brasil), escrita pelo editor Dennis O’Neil e desenhada pelo ex-editor Dick Giordano, e que serve como um complemento a Ano Um.

A trama mostra o Batman saltando de um telhado por uma claraboia – o que remete à mesma cena vista na primeiríssima história do personagem 50 anos antes – para pegar um criminoso e a usa como analogia à cena (criada para esta ocasião) de um Bruce Wayne criança caindo em um poço no terreno da Mansão Wayne e indo parar dentro da futura Batcaverna. Lá embaixo ele é aterrorizado pelos morcegos, o que lhe deixa traumatizado. Bruce pergunta à mãe se ele esteve no Inferno, mas ela carinhosamente lhe diz que era apenas uma caverna velha.

Daí, a história mostra vários elementos da origem do Batman, amarrando eventos recentemente mostrados em HQs como Ano Um, As Muitas Mortes do Batman, Justiça Cega e até Shaman acrescentando que Bruce também tentou entrar no FBI e ficou decepcionado pela impossibilidade de ação e terminou no oriente treinando com o Mestre Kirigi, depois na Europa com Henri Ducard e nos EUA com o detetive Willie Doggett, antes de voltar a Gotham City para os eventos da história de Miller.

O Homem que cai ficaria como uma menos conhecida e importante história do Batman, que influenciaria filmes como Batman Eternamente e Batman Begins.

Tim Drake, o Terceiro Robin

Sim, claro, o Robin era uma propriedade muito preciosa para a DC Comics deixá-lo morto por aí, não é mesmo? Então, logo se tornou evidente de que um terceiro Robin chegaria – já que Dick Grayson seguia firme como Asa Noturna, liderando os Novos Titãs (embora, àquela altura, sem gozar do sucesso e da popularidade áurea de cinco anos antes). Contudo, esse terceiro menino prodígio foi diferente dos anteriores e teve uma criação mais planejada e adequada à realidade sombria do cavaleiro das trevas, evitando criar a situação embaraçosa de Jason Todd em 1984 a 88.

Não muito após a morte de Jason, Marv Wolfman assumiu a revista Batman e começou um ciclo de aventuras focado nos Robins. Sim, no plural. O primeiro deles foi Batman: Ano 3, com arte de Pat Broderick, que explorou as origens pós-Crise de Dick Grayson. O interessante desse arco, publicado entre Batman 436 a 439, começando em agosto de 1989, era que contava a história em dois tempos, mostrando os eventos do “ano três” no qual Dick se tornou o Robin, ao mesmo tempo em que, na realidade presente, o Asa Noturna é abalado em seus sentimentos mais íntimos ao ver que o chefão Tony Zucko, o responsável pela morte de seus pais, está sendo libertado da cadeia em condicional.

É uma boa história mostrando os dilemas desses heróis que juraram não matar, ao mesmo tempo em que precisam lidar com os sentimentos nada nobres de vingança. Ademais, a trama também mostrava que em toda a sua essência, a origem de Dick persistia a mesma criada por Finger, Kane e Robinson quase cinquenta anos antes.

Logo em seguida, veio o arco Um Lugar Solitário para Morrer, que começa em Batman 440, de outubro de 1989, escrita por Marv Wolfman e George Perez e desenhada por Jim Aparo (de volta após curtas férias), que prossegue em Batman 441 e 442 e também se estende a The New Titans 60 e 61, por Wolfman e Perez. Na trama, conhecemos o jovem Timothy “Tim” Drake, de uns 13 anos, que é vizinho de Bruce Wayne, morando em uma mansão na mesma região, e filho de um famoso casal de antropólogos. Drake é um hacker de computador e detetive amador que foi um grande fã dos Graysons Voadores após vê-los no Circo Haly quando era apenas uma criança pequena. O roteiro de Wolfman retoma a ideia (que ele mesmo introduziu no Ano Três) de que Dick era o único capaz de realizar a cambalhota quadrupla no trapézio, algo que impressionou o Tim criança, porém, mais tarde, ele viu o Robin fazer o mesmo movimento e, com isso, deduziu que o menino-prodígio era Dick Grayson, e por conseguinte, chegou à identidade do Batman também. Tim se apresenta dizendo que o Batman precisa do Robin – o que vem a calhar quando Alfred, e depois Dick, percebem que Bruce anda mais descuidado e displicente em sua ação por causa do luto por Jason.

Bruce se recusa a treinar o garoto, claro, mas Dick percebe que é melhor fazer isso mesmo, e lhe dá um treinamento inicial, o que cai bem quando Tim termina por salvar o Batman de uma ação do Duas Caras, vestindo um uniforme do Robin. Convencido por Dick e Alfred, Batman aceita treinar Tim, mas dentro de regras estritas que envolvem não usar o uniforme e seguir à risca às ordens. Tim aceita, então, diferente das outras vezes, o leitor vê o treinamento dele em “tempo real” (e não como algo retroativo ou presumido) e demoraria mais de um ano de histórias para que pusesse o uniforme.

O Batman de Alan Grant e Norm Breyfogle foi uma das melhores fases do personagem.

Mais e Mais Sombrio: Uma Grande Fase

O cavaleiro das trevas seguia em sua grande fase. Após uma história regular, entre Batman 445 a 447, em que Marv Wolfman e Jim Aparo revisitam o tema da União Soviética e um vilão chamado Demônio, passamos ao interessantíssimo The Penguim Affair, com roteiro dividido entre Wolfman e Alan Grant e com arte de Jim Aparo (na primeira parte) e o ótimo Mark D. Bright na segunda, um arco que explora o Pinguim usando um homem corcunda e incapaz de falar chamado Harold Allnut, que é um gênio em eletrônica, para desenvolver uma tecnologia que lhe permite controlar os pássaros e, num eco a Alfred Hitchcock, cria um enorme caos em Gotham, visando aumentar seu poder de barganha no crime organizado, mas também querendo impressionar a atriz Sherry West, por quem está apaixonado.

Harold Allnut estreia.

A trama também se estendeu para Detective Comics 615, na qual Grant e Breyfogle contam um capítulo complementar da história, na qual continuam a apresentar sua versão mais assassina e astuta do Pinguim.

A bela capa de Norm Breyogle para Batman 451, com arte interna de Jim Aparo.

Em seguida, Wolfman e Aparo (com Breyfogle nas capas) encerram sua temporada com a surpreendente história de Batman 450 e 451, na qual vemos que o Coringa está vivo, mas machucado física e mentalmente após os eventos de Morte em Família. Enquanto acompanhamos o palhaço do crime ruminando seu fracasso e enfrentando uma crise existencial, com dúvidas quanto à sua capacidade – uma oportunidade para relembrar os flashbacks apresentados em A Piada Mortal sobre a origem do Coringa, o que de certo modo torna aquela origem canônica de verdade pela primeira vez (pois está nas revistas de linha) – um candidato chamado Curtis Base incorpora a identidade do vilão, usando uma máscara com as feições do Coringa e cometendo crimes para depois se beneficiar da publicidade negativa.

A ações desse Coringa impostor deixam ainda mais dúvidas existenciais e de identidade no verdadeiro vilão, enquanto tanto Batman quanto o Comissário Gordon vão percebendo algo de errado, intuindo que se trata de um impostor. Até que o próprio Coringa se volta contra Base e se revela vivo. No fim das contas, a batalha final de Batman e Gordon contra o Coringa e Base se dá em uma fábrica de baralhos (a Monark e não a Acme, que foi aquela na qual o palhaço do crime surgiu), e Base num ato desesperado e insano tenta repetir o acidente que levou o Coringa a se tornar quem é.

Mas os tanques de ácido estão muito mais fortes do que da outra vez e Base morre derretido no ácido. Batman entrega o Coringa a Gordon – lhe dando a possibilidade de se vingar pelo o que ele fez com Barbara – , mas num gesto de honradez, o policial opta por prendê-lo e levá-lo à Justiça.

Foi uma história interessante, ainda que não excepcional, e prestava homenagem àquelas dos anos 1940 que mostravam o Coringa sendo substituído por um impostor. Infelizmente, este arco encerrou a profícua fase de Marv Wolfman e Jim Aparo em Batman e os dois se afastaram do título a seguir. Uma pena!

Poderoso painel de Breyfoglem em Detective Comics 617.

Aproveitando o clima do retorno do Coringa, ao mesmo tempo, em Detective Comics 617, Alan Grant e Norm Breyfogle mostram que, enquanto o Batman investiga um monstro sobrenatural que despertou em Gotham, é tomado pela sensação – e evidências – do retorno do palhaço do crime (que servem como preâmbulo à aventura anterior) e, como brinde mostram um flashback de “três anos antes”, com um confronto breve entre os dois inimigos, uma oportunidade de Breyfogle explorar quadros incríveis.

Bela capa de Mike Mignola para Dark City.

Com a partida de Wolfman e Aparo, Batman dá início a uma incrível história chamada Dark City, com roteiro de Peter Milligan, arte de Kieron Dwyer e belíssimas capas de Mike Mignola, entre Batman 452 a 454, na qual vemos a versão mais radical do Charada já mostrada. Na trama, um ensandecido Ed Nigma, tomado de um espírito assassino como nunca teve, cria uma série de pistas e armadilhas aos quais o cavaleiro das trevas precisa enfrentar, numa descida completa à insanidade.

A incrível cena do bebê, por Millingan e Dwyer.

No meio do caminho, o Batman vai descobrindo que seu velho inimigo está reencenando uma série de “feitiços” de magia negra – que incluem até ter que cortar o pescoço de um bebê (o que ele faz quando o Charada deixa uma bola de golfe entalada na garganta da criança, o que obriga o herói realizar uma traqueostomia de emergência para salvá-lo) – que estão relacionados com um deus-demônio antigo chamado Barbathos que tem a forma – adivinhe só – de um morcego gigante.

É uma trama absolutamente violenta, sombria e impressionante, que mostra o grandíssimo momento em que o cavaleiro das trevas vivia nos quadrinhos.

Outra história bastante sombria se deu entre Detective Comics 622 a 624, começando em outubro de 1990. Àquela altura, Alan Grant e Norm Breyfogle foram transferidos para a revista Batman (falaremos disso adiante) e o escritor John Ostrander (famoso pelo Esquadrão Suicida) cria uma trama na qual um roteirista de quadrinhos cria uma HQ sobre o Batman, retratado como um vigilante violento e assassino. Isso incomoda Bruce Wayne, mas não há nada que o herói possa fazer, já que não poderia registrar a “marca” Batman sem revelar sua identidade secreta. Mas o tal artista começa a encarnar um “novo” Batman, colocando o cavaleiro das trevas em ação.

O arco traz o desenhista Flint Henry fazendo a arte da HQ dentro da HQ e Mike McKone desenha o restante da história, com capas do artista da Era de Ouro Dick Sprang, criando um efeito curioso e interessante.

Tim Drake se Torna o Robin III

Em paralelo a Dark City, temos o arco Rito de Passagem, em Detective Comics 618 a 621, de junho a setembro de 1990, por Alan Grant (texto) e Norm Breyfogle (arte), na qual os pais de Tim Drake desaparecem no Haiti após um acidente de avião e são vítimas de um ritual vodu macabro liderado por Obeah-man. Investigando o caso, Batman os localiza, mas Janet Drake é morta e Jack fica bastante ferido, o que termina por deixá-lo em uma cadeira de rodas. O evento cria uma condicionante – a orfandade trágica – para que Drake se torne o Robin, mas ainda assim, Bruce diz que ele não está pronto ainda.

Dentro desse arco, também, vemos as habilidades de Tim em ação, pois a edição 620 mostra ele atuando como hacker para encontrar um cracker que vinha cometendo crimes financeiros e, agindo sozinho, Drake consegue pegar o criminoso: ninguém menos do que Lonnie Machie, o Anarquia.

Depois desse arco, em vista do sucesso das histórias de Detective Comics, a DC Comics e o editor Dennis O’Neil comissionaram para que a dupla Alan Grant e Norm Breyfogle migrasse daquela para Batman, que era a revista principal da linha. A nova dupla já chegou causando com a já esperada estreia de Tim Drake como o novo Robin.

Batman 455 a 457, terminando em dezembro de 1990, mostram o Batman enfrentando o Espantalho, e sendo capturado pelo vilão, momento em que Tim Drake veste o uniforme de Robin de Dick e vai salvá-lo (de novo). Dessa vez, Bruce julga que o rapaz está pronto, então, lhe passa um novo uniforme, mais moderno e tecnológico. De fato, é um uniforme bastante bonito – criado por Neal Adams em um convite especial – com um caráter bem acertado há época. E calças!

A introdução do novo Robin, em Batman 457.

Tim Drake se mostraria um Robin extremamente popular, em particular porque a DC não só criou uma boa ambientação para ele enquanto personagem – não apenas um adereço do Batman como foi Todd – mas especialmente porque deu espaço próprio para o personagem, através de uma sequência de minisséries e, mais tarde (chegaremos lá) uma revista própria. Ademais, e isso foi muito importante, o Robin não estava pendurado no braço do Batman o tempo todo, e os dois agiam juntos quando era conveniente, mas o cavaleiro das trevas se mantinha agindo sozinho quase o tempo todo, algo que os leitores julgavam mais acertado.

A DC não dormiu no ponto e aproveitou a popularidade do homem-morcego em alta e as boas vendas para dar mais espaço ao novo teen wonder: em janeiro de 1991, chegou às comic shops a minissérie Robin, escrita por Chuck Dixon, que estreava como redator do cavaleiro das trevas, mas em breve, se tornaria um de seus maiores criadores, como veremos, e arte de Tom Lyle.

Charles “Chuck” Dixon nasceu em 1954 em West Philadelphia, na Pensilvânia, e despontou nos quadrinhos nos meados dos anos 1980, em várias pequenas editoras, mas também na Marvel Comics, escrevendo o Conan e depois o Justiceiro com bastante sucesso, o que o levou ao convite de Dennis O’Neil para produzir essa mini do Robin Tim Drake.

A série teve 5 edições (com belas capas de Brian Bolland) e mostrava Bruce Wayne enviando Tim Drake para Paris, na França, onde teria aulas em estágio avançadíssimo de artes marciais com um sensei, mas o jovem termina descobrindo a ramificação de uma quadrilha criminosa que envolvem a vilã Lady Shiva e um novo vilão das artes marciais: o Rei Cobra. A mini foi um enorme sucesso!

Uma Fase Intermediária

Após tanto e tanto sucesso, e tão boas histórias, o cada vez mais expandido universo do homem-morcego terminou entrando em uma entressafra. Não exatamente uma decadência, mas outra daquelas fases com menor brilho depois de uma etapa de tão alta qualidade.

Batman 458, por Grant e Breyfogle, de janeiro de 1991, traz o herói enfrentando uma gangue de motoqueiros (um recurso bastante suado pela dupla para representar a violência urbana da época), e o cavaleiro das trevas encontra o corcunda Harold Allnut – aquele gênio da eletrônica deformado que havia ajudado o Pinguim um tempo antes – que está prestes a ser lixado pela população, que pensa que ele é um monstro, enquanto ele queria apenas consertar uma boneca eletrônica para uma menininha, e ninguém entendia porque ele era incapaz de falar.

Todavia, o mais importante: a detetive Sarah Essen (de Ano Um) retorna a Gotham depois de muitos anos, o que mexe bastante com o coração do Comissário Gordon. Neste ponto, fazia algo como dez anos que eles não se viam e Gordon era divorciado e ela viúva, o que permite que se reinicie gradativamente o relacionamento de ambos. Ao mesmo tempo, essas tramas exploravam Gordon tendo problemas com a idade e crises fortes de tosse por causa do fumo, demonstrando alguma fragilidade do velho Comissário.

Gordon sofre um ataque cardíaco (resultado do fumo) em Batman 459, de fevereiro de 1991. Esse é o segundo infarto do veterano policial, se aquele de oito anos antes (ainda pré-Crise) for válido na cronologia (nunca ficou claro se aqueles eventos são canônicos ou não). Ao mesmo tempo em que Batman investiga uma quadrilha de tráfico de seres humanos (outro tema da época), a Mulher-Gato é acusada de um crime que não cometeu enquanto tenta se apossar de uma peça valiosa em formato de felino, o que a coloca no alvo da detetive Sarah Essen na edição 460. O mesmo número mostra Bruce Wayne retomando o namoro com Vicki Vale, a jornalista premiada após uma série de fotos sobre os sem-teto de Gotham (outro tema social das tramas de Alan Grant) e que recebeu a missão de cobrir a ladra felina.

Isso resulta no encontro de Sarah, Selina e Vicki e cada uma atrapalhando a outra em Batman 461, o que tem um tom algo humorístico e remete às velhas histórias de rivalidade (entre Selina e Vicki) da Era de Prata. Mas no fim, quando o trio se junta, se livram dos bandidos sem precisarem da ajuda do Batman.

Em Detective Comics, Marv Wolfman regressa aos roteiros para uma curta temporada a partir da edição 625, de janeiro de 1991, o que traz o retorno de Jim Aparo à arte. Esse primeiro arco trouxe a introdução do vilão Matadouro (Abattoir), um serial killer canibal.

Mas a sequência de histórias foi interrompida para o celebrativo número 627, de março de 1991, que comemorava a sexcentésima edição do Batman em Detective Comics, com um número especial em quatro histórias como nos velhos tempos: a primeira, trazia a republicação da primeira aventura do herói, publicada por Bob Kane e Bill Finger em 1939; a segunda, uma história de celebração publicada no número 387, de 1969, por Mike Friedrich e Bob Brown; e um feito inusitado, com a terceira e a quarta histórias trazendo releituras da primeira aventura, uma por Wolfman e Aparo e a outra por Grant e Breyfogle. Cada dupla criou uma adaptação trazendo novos elementos e ambientação contemporânea pós-Crise, o que cria a curiosidade de que apenas uma delas pode ser canônica.

Então, Detective Comics 628 retoma a linha narrativa principal, finalizando o arco do Matadouro e também essa temporada de Wolfman.

Em Batman, Grant e Breyfogle entraram numa fase de homenagem à Era de Prata e retomam um de seus elementos mais infames: Ace, o Batcão (bathound). Mas calma, o fizeram com alguma elegância: na estranha trama das edições 462 a 464, Batman vai à Costa Oeste investigar um crime e atravessa de San Francisco ao deserto de Nevada e Las Vegas até o Grand Canyon, cruzando com indígenas místicos e uma quadrilha comum. (Ter o herói fora de seu ambiente “natural” dá algum interesse à história) E o chefe indígena tinha um cão que Bruce traz consigo e passa a habitar a Batcaverna, mas não usa máscara e nem sai em ação.

Os outros roteiristas da linha do cavaleiro das trevas não pareceram muito entusiasmados e o cãozinho raramente será mencionado fora de algumas histórias de Grant.

Em Batman 465, de setembro de 1991, há o retorno de Tim Drake após seu treinamento na Europa (a minissérie Robin) e neste número, Jim Gordon e Sarah Essen anunciam ao cavaleiro das trevas que estão noivos! Apesar da felicidade, tal qual em Ano Um, Sarah não gosta do Batman e esse sentimento prosseguirá assim nos anos que virão.

O retorno do Robin é o pretexto para Chuck Dixon e Tom Lyle assumirem a revista Batman por três números (467 a 469) mostrando um novo round contra o Rei Cobra, antes de de Grant e Breyfogle retornarem para o estranho crossover com a saga Guerra dos Deuses (War of Gods), na edição 470, um evento que ocupou todas as revistas de linha da DC Comics em abril de 1992, tendo como centro a busca pela relíquia amazona Cálice de Temiscíria e o vilão Maxie Zeus, além do foco principal na Mulher-Maravilha e seu universo.

Há também um grande confronto com o Crocodilo na edição 671, com o monstruoso vilão se beneficiando da arte expressiva de Breyfogle. Retratado meio como um homem de pele escamada nas histórias dos anos 1980, o Crocodilo é reapresentado para a realidade pós-Crise como um híbrido humanoide com o animal que lhe dá nome, com olhos grandes e pupilas felinas, presas afiadas e garras. O novo visual de Breyfogle criou um paralelo curioso com o Lagarto do Homem-Aranha, mas gerou um vilão com visual mais estonteante para compor a galeria de inimigos do morcego, num par com o Cara de Barro II, por exemplo.

Na história em questão, no fim, há uma explosão e o vilão termina dado como morto em uma inundação nos esgotos.

O roteirista Peter Milligan (de Dark City) retorna como escritor ao universo do morcego em Detective Comics a partir do número 629, de maio de 1991, mantendo Jim Aparo na arte, e cria uma temporada relativamente longa marcada por histórias autocontidas, muito sérias e adultas, mas que infelizmente não marcaram a época. Um dos destaques foi o número 633 (excepcionalmente desenhada por Tom Mandrake), no qual o Batman emerge da Baía de Gotham sem a memória recente e ao chegar como Bruce Wayne em casa descobre que todos esqueceram que ele é o cavaleiro das trevas. Enquanto investiga tentando descobrir o que aconteceu, se encontra com o Batman e a verdade é revelada: “Bruce” é na verdade um garoto chamado Synaptic Kid, que é um poderoso telepata que “atacou” o herói e passou a pensar que era ele, mas a mente forte e bem treinada do cavaleiro das trevas se libertou.

Mas seu segredo fica à salvo, pois o Synaptic Kid na verdade está em um coma profundo em um hospital e jamais irá despertar.

O fluxo de histórias de Milligan foi atrapalhado pela decisão da DC Comics de entrelaçar Batman (de Grant e Breyfogle) com sua Detective Comics, e o resultado foi o arco O Idiota, que começa em Batman 472, de junho de 1991, na qual o herói sai no encalço da assassina serial Dama de Copas (Queen of Hearts) que prendeu no passado e saiu da cadeia, numa trama que o levará no combate ao tráfico internacional de drogas e ao Rio de Janeiro, no Brasil. Ao ser infectado pela poderosa droga, Batman alucina com uma criatura mística chamada O Idiota e a história desliza entre considerar a entidade real ou apenas uma ilusão, transcorrendo nas edições 473 e em Detective Comics 639 e 640.

Encerrado o arco, o cruzamento permaneceu no arco Destroyer, que se conectou entre Batman 474 (Grant, Breyfogle), Legends of the Dark Knight 27 (O’Oneil, Cowan) e Detective Comics 641 (Milligan, Aparo), no qual o homem-morcego investiga um criminosos que explode prédios de Gotham apenas para que a vista fique livre para um belo arranha-céu em estilo art déco.

Na edição 642 um evento importante: Milligan e Aparon introduzem a policial latina Renée Montoya, que na verdade fora criada para o desenhado animado do herói por Bruce Timm e Paul Dini (falaremos adiante), mas tal qual no caso do Alfred 50 anos antes, a DC Comics decidiu apresentá-la nas HQs primeiro, antes que o grande público a conhecesse na telinha da TV.

A interferência editorial terminou por afastar Milligan, no que Detective Comics teve algumas edições tapa-buraco por Kelley Putchet e Luke McDonnel (634) e Louise Simonson e Jim Fern (635 a 637), mas ainda assim, Milligan e Aparo ainda entregaram outra grandíssima história na edição 638: The Bomb, na qual Batman combate um terrorista que explode o metrô de Gotham, numa trama que irá encontrar a vida real no futuro, quando o mesmo for feito em Londres, em 2005.

Entre idas e vindas, Milligan termina sua extraordinária (e pouco lembrada) sequência de histórias com o Batman em Detective Comics 643, de abril de 1992, ainda com arte de Aparo.

Nas Telonas e na Telinha

Em junho de 1992, o lançamento do filme Batman – O Retorno, sequência do anterior novamente dirigido por Tim Burton, foi também bem recebido, aliás, com a crítica gostando até mais desse do que o original, ainda que sua bizarrice tenha atraído um público ligeiramente menor. Michael Keaton retornou com seu Batman soturno, complementado pelas impressionantes performances de Michelle Pfeiffer como Mulher-Gato e Danny DeVito como Pinguim. Menos em termos de trama e mais de design, O Retorno deixou um legado importante para a sensual ladra que encanta o cavaleiro das trevas.

Batman na Série Animada de Bruce Timm e Paul Dini: o mais aclamado desenho animado de super-heróis.

O sucesso do filme anterior e a expectativa desse segundo incentivaram a Warner a comissionar a produção de um novo desenho animado do homem-morcego em setembro daquele mesmo ano: Batman – The Animated Series (Batman – A Série Animada, no Brasil), a mais ousada e bem-feita das adaptações cartunescas do herói em todos os tempos. Comandada pelo ilustrador Bruce Timm e o designer Eric Radomski, e uma boa equipe de roteiristas nos quais se destacavam Paul Dini e Alan Burnett, a animação se converteu em um marco e na semente de todo um universo de adaptações para animação que prosseguem até hoje. O grande trunfo? Ser fiel aos quadrinhos e baseando seus roteiros principalmente naquelas histórias clássicas dos anos 1970, de Dennis O’Neil, Neal Adams e Steve Englehart, com algumas pitadas dos clássicos recentes dos anos 1980. O desenho mantinha um tom sério e até relativamente sombrio ao mesmo tempo em que era leve o suficiente para ser assistido pelas crianças. O designer da produção era destacado: ligeiramente baseado nos filmes de Burton, mantinha um estilo que combinava as estéticas noir e art déco, utilizava pinturas escuras como fundos e cenários e uma música baseada no tema de Danny Elfman para os filmes, criada por Shirley Walker. O design de personagens de Timm criou um estilo novo aos heróis da DC Comics e marcou uma era.

Além do alto nível de animação e roteiro, o desenho teve o trunfo de um elenco espetacular. Com direção de voz de Andrea Romano, teve Kevin Conroy como Batman/Bruce Wayne, que realizou um trabalho sensacional, criando uma voz suave para Bruce e uma mais grave para Batman, o que fez dele um dos atores favoritos dos fãs. Ademais, era ladeado por um grande elenco, com destaque para Mark Hamill (Coringa), John Glover (Charada), Paul Williams (Pinguim), Adrienne Barbeau (Mulher-Gato), David Warner (Rã’s al Ghul), além de Bob Hasting (Comissário Gordon) e Robert Costanzo (detetive Harvey Bullock).

O vilão encontra sua cara metade: a Arlequina.

A série também introduziu alguns personagens novos, entre coadjuvantes (a oficial latina Reneé Montoya que depois apareceu também nas HQs) e vilões, e o maior destaque foi, sem dúvidas, a Arlequina (Harley Quinn, no original), uma psiquiatra do Asilo de Arkham que se apaixona pelo Coringa, enlouquece e se torna sua parceira de crimes. Ela estreou no episódio Joker’s Favor, mas fez tanto sucesso que logo reapareceu outras vezes. Conforme veremos adiante, a vilã seria transportada para as HQs no futuro próximo.

Mudanças Criativas

Em 1992, às vésperas do lançamento do segundo longametragem do personagem e de seu desenho animado, as revistas do Batman passaram por uma grande renovação criativa, talvez buscando mexer um pouco as coisas e prosseguir em novos caminhos.

A belíssima fase de Alan Grant e Norm Breyfogle se encerrou àquela altura, após quatro anos transcorrendo em Detective Comics e Batman. O fim se dá em duas edições, em Batman 475 e 476, terminando em abril de 1992, numa trama que traz a volta de Scarface – após o Ventríloco sair do Asilo de Arkham e tentar levar uma vida sem crimes, mas continuar atormentado pela “presença” do boneco que manipula (que chega a ser destruído, enterrado e refeito por ele), ao mesmo tempo em que a gangue de motoqueiros Street Demonz dá algum trabalho ao homem-morcego.

A trama dá algum espaço para Reneé Montoya e se destaca por Bruce Wayne perceber que seus segredos e sumiços estão minando a relação com Vicki Vale, resultando nela se interessar pelo jornalista Horton Spence. A ruiva chega a quase ser morta por Scarface e ir parar no hospital, com Bruce cogitando lhe revelar sua identidade secreta, mas ao ver Vicki e Horton se beijando, ele percebe que ter alguém em sua vida é algo muito complicado (ecos de Silver?), e encerra o namoro com a fotojornalista.

Não é claro se Alan Grant fez este movimento para encerrar este arco antes de se desligar da revista ou se era uma reação (editorial) ao fato de Vicki não estar presente em Batman – O Retorno. O fato é que a bela ruiva ficaria um bom tempo sem aparecer de novo nas HQs, mas terminou (talvez ajudada pelo filme) ficando na memória dos leitores, continuando a ser a namorada “civil” mais famosa de Bruce Wayne até hoje.

Encerrada também e a fase Grant-Breyfogle, o antigo parceiro da dupla, John Wagner retorna para um único número, ao lado do artista Cam Kennedy, em Batman 477; antes de Alan Grant se despedir da revista em três números: com as edições 478 e 479 desenhadas por Tom Mandrake, e a edição 480, com arte de Jim Aparo, e trazendo uma interessante trama na qual o Robin Tim Drake precisa enfrentar (outra gangue juvenil) os Y-Dogs, e com seu pai saindo do hospital, cogita lhe revelar que é o menino prodígio.

Ao consultar Bruce, esse lhe diz que essa é uma decisão que ele mesmo precisa tomar, e no fim, Tim decide manter o segredo, pelo menos por enquanto. Mas para facilitar suas idas e vindas como vigilante juvenil, Alfred lhe apresenta uma nova casa para morarem, vizinha à Mansão Wayne, com as despesas pagas por Bruce.

Enquanto isso, Detective Comics ganhou sua equipe criativa com a dupla Chuck Dixon e Tom Lyle, os mesmos das minisséries do Robin. Era o início de uma longeva e profícua ligação de Dixon com o homem-morcego, já que ele será o principal escritor do universo de Gotham pelo restante da década de 1990. Em vista da experiência do duo com Tim Drake, o foco de Detective Comics passou a ser a dupla dinâmica, ao passo que Batman centrava-se no cavaleiro das trevas agindo sozinho. Foi uma boa estratégia.

Outro detalhe interessante é que a curta fase de Dixon e Lyle contou com belíssimas capas de Matt Wagner, um desenhista (e roteirista) que teria um bom futuro com o Batman.

A Salteadora persegue o próprio pai, o Mestre das Pistas, em Detective Comics 647, por Dixon e Lyle.

Dixon e Lyle estrearam em Detective Comics 644, de maio de 1992, e o destaque da temporada deles foi a introdução da Salteadora (Spoiler, no original) na edição 647, no mês de agosto. Na trama, Stephannie Brown é filha de Arthur Brown, o Mestre das Pistas (Cluemaster), um velho e esquecido vilão do Batman semelhante demais ao Charada em sua compulsão de deixar pistas para que solucionem seus crimes. Na trama, o Mestres das Pistas é libertado da prisão em condicional e considerado curado de suas tendências criminosas, mas na verdade, Brown se curou apenas da obseção de deixar pistas e retoma imediatamente sua carreira criminosa. Enquanto isso, sua filha Stephannie nunca aceitou a conduta do pai e decide se tornar uma “heroína” para ajudar ao Batman (e Robin) a detê-lo.

Entretanto, Stephannie não tem nenhum treinamento especial e, portanto, não possui aquela qualidade extrema que o homem-morcego exige de seus parceiros de combate ao crime. No fim do arco, Batman convence a menina a deixar de lado a máscara, mas fica de imediato uma fagulha entre ela e o Robin.

A relação dos dois seria bastante explorada em anos futuros.

A passagem de Tom Lyle se encerra no número 649 e a edição 650 é desenhada pelo sensacional Graham Nolan, que se tornará em breve o principal parceiro de Dixon. Mas aqui ele era apenas o primeiro (por três edições) de um ciclo rotativo de artistas (como Michael Netzer, Tom Mandrake e Jim Ballent) que ocupariam a revista ao longo daquele ano.

Mas a edição 650, desenhada por Nolan, tinha um evento importante: Harold encontrava o que parecia ser uma besta nas profundezas inexploradas da Batcaverna, para descobrir que era um velho trem de metrô abandonado, um projeto de trem subterrâneo esquecido. Esse tópico seria mais explorado no futuro breve.

Detective Comics 651 traz uma virada de chave em relação ao detetive Harvey Bullock, que no contexto pós-Crise voltou a ter desconfianças em relação ao Batman, ainda que de modo menos extremo do que naquelas aventuras pré-Crise. Mas após trabalharem juntos em um caso, Bullock começa a respeitar o homem-morcego e os dois teriam uma relação de cumplicidade nos meses seguintes.

A edição 652 reintroduz pela primeira vez de verdade a Caçadora ao universo do morcego no contexto pós-Crise. A heroína havia sido reinventada na continuidade pós-Crise na minissérie The Huntress, de 1989, escrita por Joe Cavallieri e desenhada por Joe Station (seu cocriador original, que redesenhou seu uniforme). Agora, em vez de a filha de Bruce Wayne com Selina Kyle, a Caçadora era uma personagem totalmente diferente: ocupando o presente do Batman, ela é Helena Bertinelli, a filha de uma família mafiosa de Gotham que vê todos os seus parentes serem assassinados por rivais, no que ela decide se tornar uma vigilante para se vingar da máfia e do crime. A mini não fez tanto sucesso e a personagem ficou anos encostada nos arquivos da DC até esse retorno, quando Dixon e Nolan recapitulam sua origem.

O retorno dela é importante por dois motivos. Primeiro é mais uma heroína no universo do morcego, ao lado da Batgirl (então, paralítica em uma cadeira de rodas) e da recém-estreada Salteadora, o que aumentava a diversidade. Em segundo lugar, a Caçadora ganha uma abordagem muito similar ao Justiceiro da Marvel (inclusive, na origem) colocando-a como uma vigilante que mata seus oponentes (e usa uma besta [o arco e flecha com gatilho] como arma) e, portanto, não goza da simpatia do Batman.

Um terceiro fator interessante é que essa trama serve para Dixon reintroduzir também o mundo da máfia nas revistas do homem-morcego. As famílias mafiosas na ativa são apresentadas (os Falcone foram extintos) e é explicitado que o Batman acabou com o crime organizado e que chefões do crime como Rupert Thorne (dos anos 1970) não existem mais, com a máfia agindo de modo mais reduzido e controlado. Daqui em diante, o submundo do crime será um pano de fundo constante nas histórias do morcego.

Outra Revista

Enquanto isso, as vendas do homem-morcego estavam tão altas que a DC Comics decidiu criar uma quarta revista mensal do herói. Após Alan Grant encerrar sua temporada no título principal da linha, em Batman 480, o roteirista britânico assumiu a novíssima Batman: Shadow of the Bat, que estreou em junho de 1992. Ao contrário de Legends of the Dark Knight (quase sempre focada em arcos fechados de histórias por autores não-fixos, como minisséries serializadas em uma revista mensal), Shadow of the Bat era uma revista “de linha” e diretamente conectada com a cronologia corrente de Batman e Detective Comics. Ainda que, em vários momentos, este quarto título também seguisse um pouco distante dos demais.

Norm Breyfogle regressou para ilustrar essa revista, que tinha uma pegada mais sombria e violenta do que as outras duas. Grant comandaria esse novo título até o número 82, já em 1999, embora seja uma parte menos conhecida de sua obra e do morcego como um todo.

Preparando A Queda

Com os pés bem firmados nos anos 1990, a mudança criativa nas revistas do Batman firmaram não somente uma nova fase, mas um redirecionamento do universo do personagem e uma nova abordagem. Afinal, cinco anos após a redefinição do homem-morcego (a partir de Ano Um) e do estabelecimento de seu status quo era preciso “avançar” o personagem, lhe dar novos desafios. E de preferência, com algo bombástico no nível de Morte em Família. E foi isso que foi feito com a saga A Queda do Morcego (Knightfall no original).

Um dos resultados da virada para os anos 1990 e o período de vendas altas na indústria de quadrinhos foi o incremento dos Departamentos de Marketing das editoras, que começaram a comissionar cada vez mais a lógica dos crossovers, ou seja, uma série de histórias interconectadas que contavam a mesma grande história. A Marvel foi a precursora da estratégia, especialmente nas revistas dos X-Men, e a DC adotou o modelo com um sucesso espetacular em A Morte do Superman, que chamou a atenção da grande mídia (espaço que as HQs normalmente não costumam ocupar) em 1992 e foi um fenômeno de marketing, gerando cobertura em telejornais e vendas altíssimas.

Logo em seguida, foi a vez do Batman ter a sua com a saga A Queda do Morcego, embora o editor Dennis O’Neil tenha garantido em entrevistas que a proximidade foi coincidência e que a equipe dos títulos do Batman não sabia que os escritores do homem de aço estavam criando aquela história bombástica. Mas o fato é que O’Neil organizou um seminário num fim de semana com os roteiristas Chuck Dixon, Doug Moench e Alan Grant para planejar uma grande história do Batman que se espalharia por todo o universo do morcego.

E daí saiu A Queda do Morcego (Knightfall no original), que foi uma saga que mudou bastante o status quo do detetive sombrio e deixou marcas cronológicas profundas. Em retrospecto, a longuíssima saga, que durou praticamente dois anos inteiros de publicação, foi dividida em três grandes partes: Kinghtfall, Knightquest e KnightsEnd, ainda que coletivamente usem o nome da primeira parte. Tudo planejado e saindo de forma concomitante nas três revistas mensais conectadas (Batman, Detective Comics e Shadow of the Bat, ainda que com incursões ocasionais em Legends of the Dark Knight também).

Do ponto de vista editorial foi uma façanha, pois coordenar tudo isso de modo que os eventos de cada revista se conectasse com os demais e criasse uma linha narrativa coesa exigiu incrível trabalho. Em contrapartida, diluiu as características individuais de cada título ou autor e virou um tour de force aos leitores, que como nunca antes foram obrigados a comprar todas as três ou quatro revistas mensais para conseguir acompanhar a história. Era algo tão complexo que as partes da saga passaram a ser numeradas separadamente para que os leitores pudessem seguir a ordem correta.

Fruto do planejamento a longo prazo instituído sob a coordenação do editor Dennis O’Neil, a saga se desenvolveu de modo gradativo e planejado na passagem de 1992 para 1993. Naquele contexto, o veterano escritor Doug Moench, que escrevera as revistas do morcego no início dos anos 1980, regressou, impondo uma ambientação sombria e heroica ao cavaleiro das trevas, trabalhando em sintonia com Chuck Dixon na outra revista “irmã”.

Shondra Kinsolving: ajudando Bruce Wayne a se recuperar.

A nova fase de Doug Moench estreou em Batman 481, mantendo Jim Aparo na arte, e trazendo o retorno de Maxie Zeus, mas o mais interessante dessa edição foi a estreia da Dra. Shondra Kinsolving, uma médica afroamericana que usava técnicas não-ortodoxas de cura e que terá bastante importância nos anos seguintes, inclusive, como interesse amoroso de Bruce Wayne.

Mas o início do prólogo de A Queda do Morcego vem em seguida, em Batman 484, de setembro de 1992, por Doug Moench e arte de Tom Brindberg, no arco Pintura de Guerra, no qual Batman enfrenta o retorno do Máscara Negra, um vilão dos anos 1980 que estava sumido há muito tempo e dali em diante se tornaria um dos maiores oponentes do homem-morcego. Ele era Roman Sionis, um ex-empresário que virara gangster e era obcecado por máscaras, o que o leva a fundar a Sociedade da Face Falsa, que se converte em uma associação criminosa.

Na trama que se desenvolve a partir da edição 484, o confronto com o Batman termina por resultar em um incêndio e a máscara de madeira queima o rosto de Sionis, gravando suas feições em seu rosto deformado. Embora retratada como um tipo de caricatura nessa história, o desenho do rosto do vilão evoluíra em breve para a feição de uma caveira humana acinzentada – muito similar ao Caveira Vermelha da Marvel.

O arco Pintura de Guerra também é importante por retratar, pela primeira vez, o desgaste físico do Batman, que começa a se tornar evidente, com Bruce percebendo que está se afastando de seu ápice físico, na combinação de idade (ele era o herói há mais de dez anos na cronologia pós-Crise), desgaste físico incessante e diário e um acúmulo inacreditável de lesões ao longo dos anos, afinal, ele é apenas um humano bem treinado.

Sofrendo de estafa e insônia, Bruce procura a ajuda de Shondra Kinsolving que afirma que seu estresse tem um componente psicológico e que ele precisa reorganizar sua mente. Mas a condição física piora após o confronto com Metalhead em Batman 486 (com a arte do veterano Jim Aparo, que regressa à revista para sua última temporada), um oponente físico que causa um bom número de injúrias ao corpo de Bruce.

Algo parecido estava acontecendo em Detective Comics, como na edição 654, na qual Chuck Dixon e Michael Netzer mostram o herói enfrentando The General e sentindo os efeitos físicos de sua longa carreira ao crime.

A Chegada de Bane

Se Batman precisava de um novo desafio, ele chegou na figura de Bane, o vilão destinado a quebrá-lo. Diferente da maior parte da galeria de inimigos do morcego, esse era um capaz de rivalizá-lo tanto no aspecto intelectual quanto no físico. O criminoso foi concebido no seminário de Dennis O’Neil, Chuck Dixon, Doug Moench e Alan Grant para planejar o que se tornou A Queda do Morcego, mas a criação do operspnagem é comumente creditada a Dixon e Graham Nolan, que criaram a edição especial Batman: The Revenge of Bane, publicada em janeiro de 1993.

Na trama, acompanhamos a origem rocambolesca de Bane: nascido na (fictícia) ilha de Santa Prisca, no Caribe (portanto, o vilão é latino), filho de um criminoso, resulta que a falta de lei e ordem típica das republiquetas latinoamericanas fazem com que sua mãe grávida também seja presa e Bane nasça na prisão. Nascido no inferno. Após a morte da mãe, o adolescente é confinado em uma cela “solitária” que se inunda a cada maré cheia, mas endurecido pela vida que teve até ali, o rapaz consegue sobreviver por anos, bebendo água da chuva e pescando peixes e crustáceos com as próprias mãos quando estes são levados pelo mar até seu “lar”.

Demorou um longo tempo para que os carcereiros percebessem que o rapaz sobreviveu e isso fez de Bane uma lenda entre os criminosos de seu país. A vida de sobrevivência diária também o tornou sagaz e inteligente como poucos. No fim, ele é submetido a um experimento científico com a droga veneno – aquela mesma que o Batman encontrara anos antes – que injetada diretamente em seu cérebro por meio de sondas na cabeça, o tornam maior e mais forte, chegando à força sobrehumana em nível baixo (e algum grau de descontrole mental quando sob o efeito da droga).

Bane nos quadrinhos: o vilão que “quebrou” o Batman.

Usando esse artifício, Bane passa a usar um uniforme – que Graham Nolan criou baseado nos lutadores de luta-livre mexicanos – e organiza uma quadrilha que toma o poder em Santa Prisca. Mas ele quer um desafio maior e ao ouvir a história do Batman de Gotham City, decide que sua missão será destruí-lo e provar que é maior.

A Chegada de Azrael

Outro personagem foi introduzido especialmente para compor o ramo principal da megassaga que iria iniciar: Azrael, o anjo vingador. O vilão/anti-herói aparece na minissérie A Espada de Azrael, com roteiro de Dennis O’Neil e arte de Joe Quesada, em quatro edições de outubro de 1992 a janeiro de 1993, que apresenta uma trama bastante interessante: Jean-Paul Valley é um jovem estudante de informática da Universidade de Gotham e, quando seu pai morre, descobre que foi treinado a vida inteira de modo inconsciente para assumir o manto de Azrael, o justiceiro da (fictícia) Ordem de São Dumas, uma organização medieval (no estilo dos Templários). Quando O Sistema – o treinamento subliminar de lavagem cerebral criado pela seita – é ativado, Valley se torna um poderoso guerreiro dotado de grandes habilidades físicas a mando da Ordem, que tem interesses nefastos.

Seu caminho cruza com o do Batman, claro, e o herói precisa não somente combater a Ordem de São Dumas, mas recuperar Valley do Sistema, em um bom roteiro de O’Neil e na espetacular arte de Quesada, um artista que seria muito mais vinculado à Marvel no futuro (inclusive, sendo seu editor-chefe por 10 anos). Ao fim da história, Valley está aparentemente curado e disposto a ser um aliado do cavaleiro das trevas.

Outro ponto importante da minissérie é apresentar, pela primeira vez no universo do morcego, Barbara Gordon atuando como Oráculo, tal qual nas aventuras do Esquadrão Suicida, fornecendo informações privilegiadas ao Batman por meio da ação como hacker. Dali em diante, ela seria incorporada imediatamente às HQs de linha nessa condição e sua importância iria crescer bastante nos anos vindouros.

A Queda do Morcego

Presumindo o conhecimento e forçando aos leitores a leitura de A Espada de Azrael e A Vingança de Bane, tais elementos são incorporados imediatamente às revistas de linha do Batman e a saga A Queda do Morcego começa de modo mais direto.

Bane (centro) acompanhado de Zumbi, Trogg e Pássaro.

Em Detective Comics 656, já de janeiro de 1993, Chuck Dixon e Tom Mandrake dão prosseguimento ao arco do General e introduzem às revistas Bane e sua gangue: Pássaro (um lutador que usa um falcão como arma), Trogg (um brutamontes fortão) e Zumbi (um esguio sinistro que usa facas). Usando sua inteligência, Bane dá um golpe certeiro no crime organizado e ocupa um papel de destaque no submundo de Gotham.

No número seguinte, a edição 657 (com arte de Michael Netzer), aparece o vilão Cypher e Azrael estreia nas revistas mensais, colocado em um uniforme genérico e ficando sob a batuta de Robin para treiná-lo na vigilância em Gotham.

No mesmo mês, Batman 489, de fevereiro de 1993, vemos que Bruce Wayne está entrando em uma condição lastimável de estafa, estando cansado, abatido e até fora de foco em alguns momentos. A situação é tão deplorável que após praticamente desmaiar de cansaço, o reaparecimento do Crocodilo força Robin a colocar Azrael no uniforme do Batman. Vivendo nos esgotos desde a explosão (da edição 671), o vilão está com a mente afetada, meio irracional, mais animalesco, mas no fim das contas, é Bane quem o derrota, quebrando seus dois braços!

O primeiro grande golpe de Bane se dá a partir de Batman 490, quando provoca o Batman ao injetar Veneno no Charada, e culminando com a grande jogada: em Batman 491, por Moench e Aparo, com Bane explodindo os muros do Asilo de Arkham com um míssil, causando uma fuga em massa e não somente pondo os principais vilões em liberdade, mas os armando também, em um esforço deliberado para cansar o Batman, que já não estava em boa condição.

Norm Breyfogle ainda desenhou os primeiros capítulos da nova saga.

É a oportunidade para um ciclo no qual o herói combate uma série de vilões menores, mas em boas histórias… A ação prossegue em Batman 492, por Moench e com Norm Breyfogle na arte, na qual o homem-morcego age ao lado do Robin contra o Chapeleiro Louco; e na Detective Comics 659, por Dixon e também desenhada por Breyfogle, quando encaram Amídala e Ventríloco e Scarface, mas na qual Robin consegue perseguir um dos ajudantes de Bane, o Pássaro, o que o leva à Batman 493, na qual descobre que há um plano do vilão para derrubar o Batman, enquanto o cavaleiro das trevas luta contra Zsasz, que também parece saber de algo. O interessante dessa trilogia desenhada por Breyfogle é que sua arte expressiva transforma a luta contra esses oponentes secundários um banquete aos olhos em cada edição. Belíssimo!

Na Detective Comics 660 (com arte de Jim Ballent) Batman está cambaleante, sem conseguir ficar de pé, enquanto Bane sequestra o Robin e o leva para os esgotos, mas é caçado pelo Crocodilo, que quer vingança, mas o novo vilão quebra de novo os braços do animalesco criminoso antes de uma tromba d’água atingir aos três e separá-los.

A arte mais expressiva de Kelly Jones na capa de Batman 493, com arte interna de Norm Breyfogle.

Para dar um diferencial à nova fase, as capas de Batman e Detective Comics deixaram de ser feitas por Breyfogle, Aparo ou Nolan, e passaram a artistas de expressão mais exagerada, especialmente Kelly Jones, que mostravam figuras grotescas, fora de proporção, dentro do típico estilo chamado de Efeito Muscular, uma tendência de artistas com representação desproporcional e chamativa do corpo humano (hiperssexualizada no caso das mulheres) que se tornou extremamente popular no início da década de 1990.

Hoje em dia se critica bastante esses excessos da época, mas o editor Dennis O’Neil mais tarde justificou o recurso como uma crítica, para evidenciar a violência que tomaria conta das revistas como se verá a seguir. Acompanhando a sequência de revistas – inclusive neste post – percebe-se que Kelly Jones, por exemplo, foi tornando gradativamente sua arte mais exagerada.

Como se viu, desse ponto em diante, Batman e Detective Comics começam a contar a mesma história, apesar de manter as equipes distintas (Moench e Aparo na primeira; e Dixon e Graham Nolan na segunda), com as histórias de uma continuando na outra sucessivamente. De maneira menos direta, mas também conectada, estavam as histórias de Shadow of the Bat (por Alan Grant e Bret Blevins).

O segundo ciclo da primeira parte da saga se inicia a partir de Batman 494, de junho de 1993, quando Shondra Kinsolving percebe estar apaixonada por Bruce Wayne, Batman e Robin discutem qual será o plano de Bane e com dois vilões maiores em ação, o Espantalho e o Coringa. Jonathan Crane ataca o Comissário Gordon, mas o palhaço do crime lhe dá uma ideia melhor: o prefeito de Gotham, Armand Krol, o que ocorre na passagem para Detective Comics 661. Krol é retratado como um político antipático, reclamando da ineficiência do Comissário Gordon em lidar com a fuga em massa do Arkham e deixando implícito que desaprova a não-oficial ligação com o Batman.

Graham Nolan.

Esta edição é importante porque Graham Nolan se torna o desenhista fixo da revista, posto que ocupará por bastante tempo. Nascido em 1962, em Long Beach, Nova York, Nolan apareceu nos anos 1980 nos quadrinhos dos Transformers publicados pela Marvel Comics, e desenhou o Átomo na DC Comics, antes de estrelar a HQ Hawkworld com o Gavião Negro, em 1990, numa abordagem séria e sombria. Tendo estreado no mundo do morcego em Detective Comics 650 a 653, como já vimos, ele foi escolhido para criar o visual de Bane e agora começava de verdade sua longa temporada.

Nolan já chegou arrasando, pois seus traços retos e bem definidos fazem de Detective Comics 661 um deleite, transformando a recriação de um velho vilão esquecido, o Vagalume, num visual estonteante. De novo, as revistas faziam um oponente secundário render uma grande história, o que só mostra o enorme potencial da maravilhosa galeria de vilões do Batman. Na trama, Garfield Lynns é um incendiário que estava preso no Arkham há tanto tempo que o Batman quase tinha esquecido dele (desde as histórias pré-Crise), e Dixon explora o cavaleiro das trevas, e principalmente, o Robin, numa corrida de gato e rato procurando deter o piromaníaco antes que ele ataque seu próximo alvo. E a história ainda traz outro aceno a mais um oponente bastante popular da Era de Prata: o Cavaleiro, que é visto sendo rapidamente derrotado pelo homem-morcego.

Infelizmente, como era o padrão de então, a história não termina, migrando para Batman 495, por Moench e Aparo, na qual o Vagalume simplesmente escapa e Bruce Wayne comparece a uma festa beneficente onde consegue flertar um pouco com Shondra Kinsolving, e impedir um ataque da Hera Venenosa. Mas o grande lance é que, quando Bane vê Wayne ingressar na festa, imediatamente percebe que ele é o Batman!

Graham Nolan continua mostrando a que veio na Detective Comics 662, onde há a conclusão da perseguição ao Vagalume, enquanto o Robin derrota facilmente o Charada, retratado meio como um fracassado tentando fazer algo grande.

Então, o grande ato entra em clímax na Batman 496, onde o ataque conjunto de Coringa e Espantalho se efetiva ao passo que o herói mal consegue se manter em pé. Crane contamina o herói com seu gás do medo e ele alucina com a morte de Jason Todd (recapitulada nas mãos do próprio Aparo) e é a oportunidade do cavaleiro das trevas de realmente se vingar do palhaço do crime daquela tragédia já cinco anos passados e dá uma surra no Coringa.

Mas a dupla de criminosos tinha explodido um dos túneis de Gotham e Batman até consegue recuperar Krol das mãos deles, mas só lhes resta correr da inundação. Após salvar o prefeito do afogamento, na Detective Comics 663, Batman é finalmente atacado pela trupe de Bane (Pássaro, Trogg e Zumbi), o que só serve para deixá-lo à beira da exaustão completa. Quando chega na Mansão Wayne, Bane o espera com Alfred na mão!

Capa da lendária Batman 497 por Kelly Jones. Note que as figuras já são bem mais exageradas do que antes.

Chegamos à lendária Batman 497, de junho de 1993, por Moench e Aparo, na qual o herói não tem mais condições de travar uma luta contra Bane. Exausto e sem forças, Batman não tem chances contra a força ampliada do vilão via uso do Veneno e enquanto é recapitulada a degenerescência física do cavaleiro das trevas desde o arco com o Máscara Negra, o vemos ser surrado sem dó por Bane até que o vilão o ergue ao ar e quebra sua coluna vertebral com um golpe de luta livre.

Bane quebra o Batman. Arte de Jim Aparo.
Bane se torna o novo chefão de Gotham. Arte de Graham Nolan.

Segue então Detective Comics 664, por Dixon e Nolan, na qual Bane leva o homem-morcego quebrado para a Gotham Square para humilhá-lo e jogá-lo do topo de um prédio. A polícia chega a pensar que o Batman está morto, mas a ação rápida de Alfred, Tim Drake e Jean-Paul Valley (disfarçados de socorristas em uma ambulância) consegue resgatar o herói e levá-lo à caverna para tratamento.

A Cruzada de Azrael

Daí, as coisas se desenvolvem rápidas: enquanto Bruce permanece convalescendo (e sendo tratado pela Dra. Shondra Kinsolving, demanda que Jean-Paul assuma o manto do Batman para que Gotham não fique desprotegida, e o jovem o faz, mas a pressão de ser o substituto, de enfrentar o Espantalho e Bane, e ser derrotado (Detective Comics 666), vão tornando-o mais agressivo e descontrolado.

Jean-Paul Valley se torna um Batman violento e assassino. Capa alternativa de Batman 500 por Kelly Jones.

As subtramas da revista Batman já vinham mostrando Valley como obcecado após seu fracasso contra o Crocodilo e, após essa nova falha, ele inicia uma espiral de loucura e violência, incorporando uma série de “melhorias” no uniforme (braceletes com lâminas afiadas), até transformar seu visual num híbrido de Batman e Azrael, uma armadura que estreia com estardalhaço em Batman 500, de setembro de 1993, quando ele vence Bane por meio dos novos recursos tecnológicos que tem à disposição.

Jean Paul Valley estreia sua armadura em Batman 500. Arte de Mike Manley.

Aliás, como não podia deixar de ser, Batman 500 foi uma edição comemorativa – afinal chegar à quincentésima edição é para muitos poucos no mercado de HQs. A revista teve duas histórias e a primeira marca o fim da temporada de Jim Aparo com o morcego, após quase 25 anos emprestando sua arte. A segunda história traz seu substituto, o bom Mike Manley.

A derrota de Bane nas mãos do Bat-Azrael de armadura teve ares de épico, ainda mais na boa arte de Manley, porém, foi um anti-clímax, já que muitos fãs ficaram ressentidos dele ser bem-sucedido naquilo que Bruce Wayne não foi. Claro, há de se levar em conta a má condição em que o herói estava, no entanto, do ponto de vista editorial, Bane era apenas um instrumento para mudar o status quo das revistas e tão logo foi derrotado, sumiu de vista.

A temporada de Jean-Paul Valley como o novo Batman é o tema do segundo arco da Saga A Queda do Morcego, chamado Knightquest, e também, A Cruzada, em vista da herança medieval da Ordem de São Dumas que volta a zoar a cabeça do anti-herói. Numa longa sequência de histórias contada em Detective Comics 667 a 675, Batman 501 a 508, Shadow of the Bat 19 a 27, vemos Valley se tornando cada vez mais insano e assassino, o que joga a opinião pública, e a polícia, contra o vigilante com igual violência aos criminosos de Gotham. Ele também expulsa Robin e Harold da batcaverna (em Detective Comics 668), e descobre o Bat-trem que Harold havia criado secretamente desde que encontrou o trem e os trilhos subterrâneos conectados à caverna, muitas edições antes. O Bat-trem corre por um sistema antigo de trilhos e se liga ao metrô, se tornando o principal veículo do Bat-Azrael de Valley, e era uma boa ideia.

O novo Batman também confronta uma série de vilões: Senhor Frio, Gêmeos do Gatilho, Cara de Barro, Mulher-Gato e Coringa, estes dois últimos percebendo que ele não é o verdadeiro cavaleiro das trevas, ao contrário do que pensa o mundo. Jean-Paul deixa o vilão Matadouro morrer, o que causa a morte do sequestrado que ele havia capturado também.

Batman ser quebrado por Bane e seu substituto assumir um visual tão espetaculoso se conectava espiritualmente com o que fora feito um ano antes em A Morte do Superman e suas sequências (O Mundo Sem o Superman [no qual aparecem substitutos com visuais espetaculosos] e O Retorno do Superman) e conseguiu o mesmo efeito: uma intensa cobertura da grande mídia (algo incomum aos quadrinhos) e o aumento obsceno das vendas das revistas.

Batman não vendia tanto desde a Era de Ouro!

Ampliando o Universo do Morcego

As vendas com números à estratosfera, obviamente, motivaram a DC Comics a expandir mais ainda o universo do morcego. Primeiro, foi a Mulher-Gato quem ganhou uma revista própria pela primeira vez: Catwoman 01 estreou em agosto de 1993, com roteiro da escritora Jo Duffy e arte de Jim Balent (que vinha desenhando vários números de Detective Comics), dupla criativa que permaneceu pelos primeiros 14 números da revista.

A Mulher-Gato estreia uma revista própria pela primeira vez.

Em histórias mais divertidas e irônicas, Duffy mostrava Kyle como uma aliada do Batman e uma anti-heroína, que gostava de roubar, mas só o fazia de pessoas más, ao mesmo tempo em que ajudava sua vizinhança e, no fim das contas, lutava pelo bem das pessoas. E as tramas se conectavam sutilmente com os eventos do segundo Ato d’A Queda do Morcego.

Foi um ato importante, afinal, aumentava a diversidade do universo de Gotham e colocava uma revista sobre uma anti-heroína escrita por uma mulher.

Em seguida, o Robin Tim Drake ganhou também sua própria revista: Robin 01 estreou em novembro de 1993, com roteiro de Chuck Dixon e arte de Tom Grummett. O menino prodígio já havia sido testado em uma sequência de três minisséries após sua estreia e era muito popular entre os leitores. O ponto de partida era uma conexão direta a Knightfall: em Detective Comics 668, o Bat-Azrael havia expulsado o Robin da Batcaverna e, no mês seguinte, Tim Drake aportava em seu próprio título para mostrar suas aventuras individuais.

A dupla Dixon e Grummett produziu uma longa e profícua parceria nessa revista, criando o mundo próprio do personagem, no qual combatia seus próprios vilões e pouco interagia com o Batman. Dixon aproveitou a oportunidade para resgatar os elementos que criara em sua primeira passagem por Detective Comics, alguns anos antes, trazendo logo um arco com o Mestre das Pistas e sua filha dele, Stephanie Brown, que retornava como a heroína Salteadora, enquanto Tim estudava no Gotham Height’s High School e pilotava o Redbird (Pássaro Vermelho), seu próprio “Batmóvel”, que descobria que Bruce e Harold haviam criado secretamente para ele quando pudesse dirigir.

Isso era ligeiramente importante, afinal, deixava claro que àquela altura Tim Drake completava 16 anos, a idade permitida para dirigir nos EUA.

E Bruce Wayne?

Enquanto tudo isso acontece, mesmo confinado em uma cadeira de rodas, Bruce Wayne se recupera de suas injúrias nas mãos da Dra. Shondra Kilsonving, e o romance entre os dois meio que se desenvolve.

Bruce Wayne e a Força-Tarefa da Liga da Justiça, com Tigre de Bronze, Arqueiro Verde e Cigana.

Mas quando ela e Robert Drake são sequestrados pelo meioirmão criminoso dela, Bruce decide partir em uma missão de resgate, que o levará a Santa Prisca e ao Reino Unido, aliando-se inclusive à recém-formada Força-Tarefa da Liga da Justiça, numa busca que termina com Kilsonving revelada como dotada de poderes especiais de cura, que levam a Bruce ficar totalmente curado e voltando a andar, mas a ação dos vilões termina por destruir a mente dela, que retrocede ao estágio de uma criança.

Toda essa ação seria catastrófica para a identidade secreta de Bruce Wayne, mas o malabarismo dos roteiros dessa (des)ventura mostram que os heróis da Força-Tarefa chegam à conclusão que aquele homem não é o “verdadeiro” Bruce Wayne, mas o Batman “disfarçado”. Puxa…

Em meio a essa ação, o herói perde o apoio de Alfred, que acha que ele vai destruir o próprio corpo e o mordomo decide abandoná-lo, ficando na Inglaterra, sua terra-natal.

Esta canhestra aventura é um subcapítulo de Knightquest chamado A Busca e foi publicado em uma dúzia de revistas, como Detective Comics 670, Justice League Task Force 05 e 06, Shadow of the Bat 21 a 23 e até Legends of the Dark Knight 59 a 61, que outra vez publicava histórias do “presente” em vez das costumeiras aventuras do início da carreira do cruzado embuçado.

Deixar Bruce afastado um tempão de Gotham era a desculpa perfeita, também, para que ele não intervenha na cruzada de terror de Jean-Paul Valley. Mas isso não iria durar para sempre.

Bruce Retorna…

O terceiro Ato de aventuras de Knightfall é chamado KnightsEnd e foi mais corrido do que os anteriores: se resolveu em apenas dois meses, porque a DC Comics ia começar o megaevento Zero Hora – um reboot de leve para ajustar algumas discrepâncias cronológicas surgidas no pós-Crise. Então, espalhando a história por todas as revistas (como Batman 509 e 510, Detective Comics 676 e 677, Shadow of the Bat 29 e 30, Robin 08 e 09), vemos o desenrolar dos fatos: quando Wayne volta, Valley já está na iminência de se tornar um assassino sanguinário, o que obriga ao homem-morcego original buscar um radical treinamento de recuperação com uma de suas maiores inimigas, Lady Shiva, uma das melhores lutadoras do mundo.

Para não revelar sua identidade, Bruce usa a máscara de Tengu, um velho deus morcego oriental, como vemos em Batman 509. Já tendo enfrentado o morcego antes, Lady Shiva tenta usar a oportunidade para causar uma lavagem cerebral no Batman e fazê-lo matar um oponente, mas o herói já estava esperando por isso e absorve toda a técnica sem ceder seus princípios. Concluído o treinamento, Wayne reassume o uniforme do Batman em Robin 08 e sai de frente contra o Bat-Azrael.

O retorno de Bruce Wayne em Robin 08, por Dixon e Grummet.

Robin, Asa Noturna e até a Mulher-Gato se envolvem na batalha, e Asa Noturna fica possesso ao pensar que Bruce morreu numa armadilha no Batmóvel, que explode, mas claro, Bruce já tinha previsto isso e quando Jean-Paul volta para a Batcaverna é surpreendido pelo Batman esperando por ele.

O embate final entre os dois Batmen se dá em Legends of the Dark Knight 63, de agosto de 1994, por Dennis O’Neil e Barry Kitson, numa bela história na qual em vez de enfrentar Jean-Paul com os punhos, Bruce lhe impõe uma pressão psicológica: ingressando em um túnel natural na caverna que vai se estreitando cada vez mais, o que obriga Valley a ir desmontando sua armadura para passar. Naquilo que descobrimos ser o poço no qual Bruce caiu quando criança – e o levou a descobrir a existência da caverna – o Batman faz o caminho inverso e sobe à superfície, quando Azrael chega lá em cima já é dia e a luz do sol cega suas lentes infravermelhas. Quando retira o capacete consegue voltar a enxergar, Valley vê Bruce vestido como Batman diante de si, com a luz do sol por atrás, e percebe que ele é o verdadeiro homem-morcego.

É poético e sensacional!

Caindo em si e arrependido, Jean-Paul se rende e encerra sua cruzada.

Zero Hora

A pressa em terminar A Queda do Morcego era porque a DC Comics tinha dado a partida em um novo megaevento para conectar todo o Universo DC: Zero Hora, uma trama de lastro cósmico que trouxe de volta a ideia de múltiplos universos depois que a Crise nas Infinitas Terras unificou a cronologia da editora em um único universo. Na verdade, a trama impactava mais personagens secundários da DC, mas teve uma ou outra implicação aos grandes personagens.

No caso do Batman, a trama atingiu os títulos do morcego com Detective Comics 678, de setembro de 1994, na qual Batman se vê, como num passe de mágica, no passado, na noite em que seus pais foram assassinados, numa história de Chuck Dixon e Graham Nolan, mas com a supervisão notória de Dennis O’Neil como editor. O grande lance da história é mostrar que Joe Chill não poderia ser o assassino dos pais de Bruce Wayne, porque o herói encontra o bandido bêbado e drogado, incapacitado de qualquer coisa, na noite do crime. Uma testemunha lhe diz que o assassino tinha sido alguém “alto e magro”, bem diferente da compleição parruda de Chill.

Essa mudança cronológica, causada pelo choque de realidades que estava por trás da trama geral de Zero Hora, implicava que o arco Ano Dois não era mais canônico.

Aparentemente, a ideia de O’Neil e equipe era de insinuar que o Coringa seria o assassino de Thomas e Martha Wayne, numa cessão ao que Batman – O Filme havia mostrado cinco anos antes. Felizmente, essa ideia não foi adiante e esse elemento não seria mais abordado em histórias futuras, e mais tarde, os leitores perceberiam que Joe Chill continuaria como o real assassino da família Wayne. Isso é melhor, porque o fato de ser um bandido comum, um ladrãozinho de segunda, dá à origem do Batman um elemento mais dramático e mundano, tornando-o não somente mais verossímil, como mais interessante.

Em Batman 511, por Doug Moench e Mike Manley, Batman, Robin, Asa Noturna e Oráculo se surpreendem ao encontrar uma versão da Batgirl (a própria Barbara Gordon) de uma realidade alternativa na qual – nos eventos de A Piada Mortal – ela não ficou paralítica, mas seu pai morrera. Era apenas um indício de que o Universo DC podia passar por alterações. Mas nada mais que isso.

Como parte de Zero Hora, todas as revistas da DC ganharam a numeração zero no mês de outubro de 1994, como que para marcar um novo começo. (#Sóquenão). No universo do morcego, essas edições especiais mostravam detalhes pouco explorados das origens dos personagens. Assim, em Detective Comics 0, Dixon e Nolan recontam a origem do Batman com foco no momento em que Bruce Wayne volta a Gotham City e precisa escolher a abordagem que irá usar para combater o crime, numa narrativa paralela (mas sem contradizer, também) a de Ano Um.

Em Batman 0, por sua vez, Moench e Manley fazem um panorama mais geral da origem, mostrando a queda no poço aos 4 anos de idade (que vimos na clássica O Homem que Cai, com a qual essa história dialoga diretamente) e a morte de seus pais aos 8 anos (trazendo aquela dúvida sobre quem foi o assassino), e focando especialmente nos anos de treinamento de Bruce Wayne (que foram objeto de As Mil Mortes do Batman, no passado).

Dick Grayson se Torna o Batman

Vencido Jean-Paul Valley (e passada Zero Hora), em Batman 512, de novembro de 1994, por Moench e Manley, Bruce Wayne chega à conclusão de que ainda não está pronto para continuar a ser o Batman, pois não está no auge de sua forma física, então, oferece a Dick Grayson a oportunidade de que ele vista o manto do morcego. Tendo em vista que os dois já tinham discutido anteriormente sobre o fato de que o Asa Noturna não havia sido convidado na ocasião em que Valley se tornou o homem-morcego, havia um precedente, embora, agora, o ex-Robin estivesse relutante em assumir tal posto.

Mas Dick termina aceitando e se torna o novo Batman, em Robin 11, imediatamente saindo em ação contra o Crocodilo ao lado do Robin Tim Drake. Ele também interage com o Comissário Gordon, que de cara percebe que é outro homem-morcego (pela altura de Dick) e fica bastante chateado por ser enganado de novo. Sem alternativa, Dick e Tim confessam que o verdadeiro está ainda se recuperando da batalha com Bane, mas que o homem enlouquecido que assumiu o manto do morcego já não era mais um problema. Inclusive, há uma cena de Gordon com a esposa Sarah Essen, sobre a preocupação com as mudanças nas identidades do Batman.

Dick Grayson se tornar o Batman é parte da saga Pródigo, que se prolongou por três meses e foi publicada de modo sequenciado entre Batman 512 a 514, Detective Comics 679 a 681, Shadow of the Bat 32 a 34 e Robin 11 a 13. Dick se sente desconfortável sob o uniforme do cavaleiro das trevas, percebendo que não tem a mesma abordagem de Bruce, em uso de violência ou do medo, mas ainda assim, precisa encarar uma série de vilões como o Caça-Ratos, Duas Caras e Talião. Em meio a isso, se firma um elo forte entre Dick e Tim, numa relação entre irmãos.

O arco se encerra em Robin 13, de janeiro de 1995, por Chuck Dixon e Phil Jimenez, quando Bruce Wayne retorna e há uma longa discussão com Dick (6 páginas (!) de quadrinhos!), onde a velha dupla dinâmica põe “os pingos nos is” sobre sua relação, algo que estava pendente desde quando a dupla dinâmica se desfez (na realidade pós-Crise) naquelas histórias de Starlin e Aparo. No fim, os dois chegam a um acordo, com Bruce dizendo que a relação deles era complicada como são as relações entre pais e filhos.

Essa é a primeira vez que Dick Grayson é realmente tratado como filho de Bruce Wayne a despeito das décadas em que as histórias de Batman e Robin eram contadas. A DC Comics sempre preferiu as palavras “protegido” ou “tutelado”, mas os tempos eram outros, e essa edição trouxe finalmente Bruce assumindo Dick como seu filho adotivo, inclusive, lhe dando a condição de herdeiro de sua fortuna e tudo mais.

O Uniforme Negro

Batman 515 e Detective Comics 682, de fevereiro de 1995, trazem Bruce Wayne retornando à identidade de Batman, (de novo) mas agora, com uma pequena diferença: usando um uniforme totalmente preto. Até então, o herói sempre fora retratado com uma coloração cinza e azul (às vezes mais escuro, às vezes mais claro), mas desde o filme de 1989 tinha ficado óbvio que só fazia sentido ao cavaleiro das trevas ser preto. E isso foi, então, incorporado aos quadrinhos. As tramas de Moench e Manley e Dixon e Nolan exploram que essa roupa é mais tecnológica, com revestimento de kevlar (à prova de balas) e nomex (à prova de fogo), além de alguns outros truques.

O Batman totalmente preto na arte de Graham Nolan.

Este termina sendo um evento importante porque, salvo o caso de Jean-Paul Valley e as alterações estilísticas do Batman ao longo das décadas (especialmente entre 1939 e 1969) não houvera até então uma alteração no visual do cavaleiro das trevas, exceto em histórias de realidades paralelas. Mas o arco Troika que se desenvolve a partir daquelas revistas – com o KGBesta como adversário – (ainda que discreta e marcada principalmente pela coloração mais escura e a ausência do calção sobre a calça) traz, portanto, a primeira alteração de uniforme do Batman desde a adesão da elipse amarela em 1964! Trinta anos!

Infelizmente, dali em diante, seria cada vez mais frequente a adoção de visuais novos do Batman para marcar novas temporadas de autores e coisas do tipo.

Outra Ampliação do Universo do Morcego

As vendas continuavam a ser satisfatórias e a DC Comics via que podia continuar expandindo o universo do homem-morcego. Portanto, uma nova revista chegou em abril de 1995: Azrael. Sim, isso mesmo: com textos de Dennis O’Neil e arte de Barry Kitson, Jean-Paul Valley ganhou suas próprias aventuras. Na trama, Bruce Wayne encontra o jovem vivendo nas ruas de Gotham, ainda triste e deprimido pelo o que fizera durante Knightquest e KnightsEnd. Dando-lhe uma segunda oportunidade, Batman lhe financia uma viagem à Europa para que Valley investigue a Ordem de São Dumas, e daí irão se desenvolver suas aventura solo, quase sempre sem conexões muito diretas com o homem-morcego e explorando sua guerra contra a ordem que lhe criou.

Azrael teria nada menos do que 100 edições publicadas até 2003, todas escritas por O’Neil.

Mas não parou por aí. Tendo em vista a calorosa recepção dos fãs em ver Dick Grayson vestindo o manto do morcego em Filho Pródigo, ainda que por breve período, a DC Comics começou a cogitar lhe dar também um título próprio, ainda mais porque a revista do Novos Titãs já tinha deixado para trás há muito tempo os seus dias de glória. Então, foi feito um teste. Em julho de 1995 chegou às comic shops o especial Nightwing: Alfred Returns, por Alan Grant e o veterano Dick Giodarno, na qual Dick vai à Inglaterra tentar convencer Alfred a regressar para Gotham e os dois se envolvem numa aventura em solo britânico.

Com a boa recepção, veio a minissérie Nightwing, publicada em quatro partes, entre setembro e dezembro de 1995, por Dennis O’Neil e Greg Land, que explora as origens de Dick Grayson e sua ascendência romani, ou seja, cigana.

Depois de participar ativamente das aventuras do Batman ao longo do ano de 1996, enfim, chegou a revista mensal Nightwing 01, em outubro de 1996, com roteiro de Chuck Dixon e arte de Scott McDaniel, um novo uniforme (muito bonito, nas cores azul e cinza) e um universo próprio: Dick Grayson vai para a cidade de Bludhaven, parte da Região Metropolitana de Gotham, que está tomada pelo crime e corrupção, liderados pelo vilão Arrasa-Quarteirão (Blockbuster). Lá, ele vive de maneira anônima e trabalha, primeiro como bartender, e depois, como policial, em busca de vida própria. A revista foi muito bem recebida e continuaria a ser publicada dali em diante.

Com isso, o universo do morcego já tinha 8 revistas mensais: Batman, Detective Comics, Legends of the Dark Knight, Shadow of the Bat, Robin, Catwoman, Azrael e Nightwing. E não pense que a DC ia parar por aqui, saindo ainda muitas minisséries e edições especiais.

Revistas e Mais Revistas Especiais

O Longo Dia das Bruxas.

O período de meados dos anos 1990 rendeu ao Batman muita popularidade, de modo que uma onda de boas histórias foram publicadas, inclusive, fora das revistas “de linha” mensais. Como ainda havia espaço nas bancas além das 8 revistas publicadas periodicamente, vieram várias especiais. Destaque para a maxissérie em 12 capítulos O Longo Dia das Bruxas por Jeph Loeb e Tim Sale, publicada entre 1996 e 1997.

Em anos recentes, Batman vinha ganhando edições especiais de Halloween – festa que ocorre no fim de outubro nos EUA – e esta era um tipo de maximização da tradição, nascendo um clássico instantâneo, uma das melhores histórias já escritas do homem-morcego. A trama de Loeb e Sale serve como um tipo de sequência de Ano Um, ignorando Ano Dois e tentando manter diálogo com a série de arcos especiais dos primeiros tempos do detetive sombrio mostradas em Legends of the Dark Knight, por exemplo.

A história mostra Batman continuando sua guerra ao crime, em especial à família mafiosa de Carmine Falcone – mostrado em Ano Um – mas agora, aprofundando os personagens, suas relações e personalidades. Inspirados explicitamente em O Poderoso Chefão, vemos os Falcone em meio a intrigas internas, disputas de poder e a rivalidade com outras famílias mafiosas; ao mesmo tempo em que, num tipo de reação ao cavaleiro das trevas, Gotham começa a ser empestada por vilões uniformizados, como Coringa, Espantalho, Mulher-Gato, Chapeleiro Louco e muito mais.

Mulher-Gato e Batman em “O Longo Dia das Bruxas”. Arte de Tim Sale.

Falando em Selina Kyle, ela tem bastante destaque na história, e vemos como ela conhece Bruce Wayne nas festas da high society e o Batman nos telhados de Gotham e se interessa por ambos. Ao mesmo tempo, são lançados indícios de que Selina é uma filha bastarda de Carmine Falcone, enquanto Loeb e Sale tentam não apresentar os elementos mais radicais da origem da personagem apresentados em Ano Um.

Harvey Dent, Batman e James Gordon.

E tudo isso sequer era a trama principal de O Longo Halloween, que traz um misterioso serial killer batizado de Feriado que mata suas vítimas, quase sempre ligadas à máfia ou ao crime organizado, em datas festivas, o que vai testando as habilidades de detetive do Batman em meio a uma miríade de suspeitos. Nesse movimento, vemos o desenrolar da aliança do homem-morcego com o então capitão James Gordon, e com o Promotor Público Harvey Dent, enquanto a luta deste para manter a máfia atrás das grades o vai consumindo cada vez mais até ele ser atingido por ácido no rosto no julgamento de Sal Maroni, o que deixa metade de sua face deformada e lhe dá o gatilho para se tornar o Duas Caras. Como se vê, O Longo Dias das Bruxas termina servindo como uma nova origem do vilão dualístico.

O sucesso e aclamação de O Longo Dia das Bruxas foi tão grande que a DC Comics comissionou imediatamente uma sequência, e Loeb e Sale engataram, quase sem intervalo, Vitória Sombria, agora situada na passagem do Ano Dois para o Ano 3, e mostrando as consequências que as ações do Feriado deixaram no submundo do crime e o inútil esforço final da máfia de manter algum controle contra os malucos vilões uniformizados, ao mesmo tempo em que outro serial killer, o Enforcador, também faz mais um monte de vítimas. Em paralelo, a série também serve de origem para Dick Grayson, mostrando o desenvolvimento de seu treinamento até se tornar o Robin.

Dentro da linha mais tradicional das revistas do morcego, no verão de 1995 foi lançada a revista especial Batman: Vengeance of Bane II – The Redemption, focada no retorno do vilão (o primeiro após A Queda do Morcego), pelos criadores do personagem, Chuck Dixon e Graham Nolan. Na trama, vemos Bane preso em Blackgate e limpando seu organismo da droga veneno, até se recuperar, reconstituir seu corpo e forma física e escapar da prisão.

Batman vai ao seu encalço, mas não há uma luta: Bane apela (com algum sentido, é verdade) que não pode ser responsabilizado pelos seus crimes por causa do veneno e pede uma chance para se redimir. O cavaleiro das trevas lhe dá um voto de confiança, e Bane parte em busca de acabar com os produtores do veneno. É o início de um arco difuso sobre o vilão que irá se desdobrar em algumas histórias importantes no anos seguintes. A trama servia, ainda para mostrar que o Batman não era uma figura vingativa, mas nobre. Mas os fãs não eram e reclamaram muito, porque queriam ver, desde a megassaga anterior, o revide do herói.

Outra boa revista especial lançada nessa época foi a graphic novel Advogado do Diabo, de Chuck Dixon e Graham Nolan, lançada em 1996, no qual o Batman é obrigado a defender o Coringa de um crime que ele não cometeu: um assassinato em série por envenenamento de selos de carta. Pegue no dilema entre deixar o insano criminoso morrer ou seguir seu juramento de justiça, o homem-morcego enfrenta momentos difíceis, ao mesmo tempo em que precisa desvendar quem é o verdadeiro assassino. Uma história excelente abrilhantada pela bela arte esquemática de Nolan, talvez, em seu melhor momento.

O Coringa enfrenta uma cadeia comum em Advogado do Diabo. Arte de Graham Nolan.

Naquela época, também ocorreram alguns crossovers interessantes, com destaque para aqueles com os personagens da Marvel Comics. O escritor e desenhista John Byrne criou a graphic novel Batman & Capitão América no qual os dois heróis agem juntos na época da II Guerra Mundial; houve um brutal encontro com o Justiceiro escrito por Chuck Dixon e desenhado por John Romita Jr.; e dois encontros com o Homem-Aranha, um escrito por Dixon e desenhado por Mark Bagley; e outro escrito por J.M. DeMatteis e desenhado por Graham Nolan. Houve ainda um badalado encontro com o Spwan da editora Image Comics, escrito por Frank Miller e desenhado por Todd McFarlane, mas apesar da fama dos criadores e do estardalhaço do anúncio, a história em si não foi lá grande coisa.

O encontro de Batman e Homem-Aranha por DeMatteis e Nolan.

Fora das revistas do Batman, ainda vale mencionar a revista da Liga da Justiça, relançada em 1996 por Grant Morrison e Howard Potter, na qual o homem-morcego desempenha um papel central e fundamental, retratado de uma maneira adulta, séria e extremamente eficiente. Morrison (que tinha escrito Asilo Arkham, sete anos antes) procurava justificar da melhor forma possível porque um humano sem superpoderes poderia (e merecia) estar ao lado dos mais poderosos e espetaculares metahumanos da Terra (e além). Essa terminou sendo a melhor das fases da equipe em todos os tempos, encerrando-se em 2000.

E embora os filmes do homem-morcego tenham virado fracassos retumbantes nas mãos do diretor Joel Schumacher (que lançou Batman Eternamente em 1995 e Batman & Robin, em 1997, estrelados por Val Kilmer e George Clooney, respectivamente), o personagem continuava com o desenho animado que é o mais cultuado dos últimos tempos: Batman – The Animated Series, que deu origem a todo o Universo Animado da DC Comics, que prosseguiu com muitas outras séries a partir de então. A série original teve duas temporadas e depois foi repaginada como Batman – The New Adventures, colecionando ainda alguns longametragens derivados – A Máscara do Fantasma é o melhor deles – e a série Batman Beyond, na qual é mostrado um futuro em que um velho Bruce Wayne treina um jovem para substituí-lo como Batman. Essas séries ainda popularizaram as interpretações do homem-morcego por Kevin Conroy e o Coringa por Mark Hamil (o Luke Skywalker de Star Wars).

O Universo Animado da DC prosseguiria com Justice League – The Animated Series, também de Timm e Dini, que seria o maior sucesso da DC no ramo. Durou quatro temporadas – a segunda metade chamada Justice League Unlimited – entre 2001 e 2004, e também rendeu uma duradoura série de longametragens por mais de uma década.

Por fim, outra revista especial focada em Bane veio construir a ponte para as tramas das revistas mensais: Batman: Bane of the Demon, de março de 1996, de novo por Dixon e Nolan, mostrava Bane em busca de conhecer a identidade de seu pai, no que termina sendo ajudado por Batman. Em Santa Prisca, ele consegue a informação com o padre jesuíta que foi o principal responsável por sua educação, de quatro suspeitos que podem ser seu pai: um revolucionário americano, um médico também americano, um mercenário britânico e um banqueiro suíço.

Em busca da verdade, Bane termina na Europa, onde seu caminho cruza com o de Rã’s Al Ghul, que fica impressionado com ele e arranja para que ele seja o noivo de sua filha Tália e seu herdeiro. A vinculação Bane-Tália teria bastante importância nos meses seguintes.

Contágio e Terremoto

Enquanto essas novas revistas saíam, as tradicionais publicações de Bruce Wayne o mostravam retomando sua carreira como o cavaleiro das trevas em seu novo uniforme totalmente preto. Segue uma fase interessante em que o artista Kelley Jones – que fizera a maioria das capas de A Queda do Morcego – assume a arte de Batman, ao lado do escritor Doug Moench, mas em vez de usar a abordagem do Efeito Muscular de antes, investe em um estilo mais voltado ao gótico, ao caricatural, o que tornou as histórias ainda mais sombrias e estranhas, num gesto que confundiu os leitores da época. Moench se aproveitou do visual para explorar elementos de terror nas tramas também, algo que também fez seu sucessor, Scott Beatty, numa fase que durou entre os números 515 e 552, entre 1995 e 1998.

A arte gótica de Kelley Jones confudiu os leitores.

Foi um período interessante porque esse estilo de arte contrastava fortemente com aquele de Graham Nolan, mais limpo e quadrado, que continuava ao lado de Chuck Dixon em Detective Comics.

A bela arte de Graham Nolan e o uniforme totalmente preto do Batman: às vezes, a coloração não ajudava.

Do ponto de vista das tramas, continuavam as grandes sagas interligadas de maneira quase ininterruptas, o que foi uma praga de meados dos anos 1990, ainda que, no caso do Batman, sob o comando do editor Dennis O’Neil, esse recurso pelo menos serviu para inovar e trazer elementos ousados e inéditos ao mundo do cavaleiro das trevas. Porém, visto em retrospecto, chega a ser curioso que, de 1996 até 2000, todas as revistas do morcego giraram em torno de uma trilogia de grandes arcos: Contágio, Terremoto e Terra de Ninguém, que obrigavam aos leitores comprarem uma dezena de revistas por mês para poderem acompanhar e entender os enredos.

Em Contágio, que se desenvolve principalmente entre Detective Comics 695 e 696 e Batman 529 (além de uma peca de outras), começando em março de 1996, Batman descobre por meio do Azrael que a Ordem de São Dumas despachou um vírus mortal para Gotham City como forma de vingança. É o vírus do apocalipse, uma variante de Ebola, que mata o hospedeiro em 12 horas, sangrando pelos olhos. A ação leva à contaminação da Babylon Towers, o maior condomínio de luxo de Gotham, o que fere mortalmente a elite da cidade e os trabalhadores que os servem.

A ação conjunta de toda a Bat-família – incluindo Robin, Asa Noturna, Azrael, Mulher-Gato e até a Caçadora – conseguem estocar a contaminação, com Bruce produzindo um antídoto e incendiando a Babylon para matar o vírus remanescente. Em tempos de pandemia de Covid-19, essa história é ainda mais assustadora. Em meio aos eventos, o prefeito Armand Krol destitui Gordon do cargo de Comissário, mas no fim das contas, o prefeito é cassado e Marion Grange coloca Gordon de volta.

Detective Comics atinge a 700ª marca, nessa capa de Graham Nolan.

A sequência de Contágio foi Legado, no qual Batman descobre que foi Ra’s Al Ghul quem criou o vírus do apocalipse, como parte de seu plano de exterminar 90% da população mundial e liderar o que sobrar. Todas as forças da Bat-família se unem de novo contra esse inimigo, ao mesmo tempo em que há uma segunda onda de infecção em Gotham. De novo reunindo todas as revistas gothamitas por três meses, seu grande desenvolvimento se deu entre Batman 533 a 534 e Detective Comics 700 a 702, começando em agosto de 1996.

A comemorativa Detective Comics 700, de Dixon e Nolan, presta homenagem à clássica aventura de O’Neil e Adams do Batman contra Ra’s Al Ghul, exibindo um duelo de espadas entre os dois.

Tália e Bane também tiveram seu romance.

Um bônus de Legado é que foi a primeira vez que Bruce Wayne e Bane se confrontam desde A Queda do Morcego, o que era o desejo dos fãs desde três anos antes! Agora que o vilão fora “adotado” por Ra’s Al Ghul como seu herdeiro e legítimo noivo de sua filha, Talia Head. A aguardada batalha se dá em Detective Comics 701, e sem o estresse e a estafa da outra vez, Batman vence Bane facilmente em uma luta corporal. Al Ghul ficou desapontado com isso e deserda o vilão, como vemos em Robin 33, também escrita por Dixon.

A relação Bane-Talia, contudo, foi um desdobramento importante nessa história e continuou a ser explorado na edição especial Batman: Bane, de maio de 1997, por Chuck Dixon e com a arte por Rick Burchett, na qual Bane continua abraçando a vilania e tenta destruir Gotham com um reator atômico, no que é novamente derrotado por Batman. Dar essas revistas especiais a Bane (esta era a terceira em pouco mais de um ano) era uma forma da DC surfar na popularidade do vilão, de modo similar ao que a Marvel fazia na época com Venom.

Mas a má recepção dessa última história e desastrosa retratação de Bane como um gorila acéfalo no filme Batman & Robin lançado em junho de 1997, firmaram uma mancha indelével na reputação do vilão e ele ficou um tempo relativamente longo fora do ar daqui em diante.

Houve um pequeno intervalo nos crossovers após Legado e um elemento importante que apareceu nesse breve ínterim foi o surgimento de Vesper Fairchild, em Batman 540, de 1997, por Doug Moench e Kelley Jones. Na trama, enquanto o Batman está envolvido numa investigação de assassinato nas mãos do Espectro (um poderoso e antigo herói da DC), conhecemos Vesper: ela é uma radialista de um famoso programa noturno, exibido durante a madrugada, e apelidada de “a sereia noturna”, e recebe Bruce Wayne como convidado para conversar sobre seu trabalho filantrópico. Mas Bruce gosta mesmo dela e os dois começam a flertar no programa. Depois, a dupla vai tomar um café e já marcam um novo encontro.

Juras de amor entre Bruce e Vesper por Doug Moench e Kelley Jones.

As edições seguintes irão explorar um namoro sério entre Bruce e Vesper, inclusive, com ela abrindo seu coração para ele em Batman 449, embora Alfred não vê isso com bons olhos, lembrando dos últimos e mal resolvidos relacionamentos dele, mas o casal prossegue numa boa dinâmica, afinal como ela trabalha de noite não tem espaço para desconfiar das saídas noturnas dele, e ficaram juntos até por volta de Batman 559.

Mas tudo sempre pode piorar: depois de ter uma boa parcela de sua população morta na epidemia viral, Gotham City é devastada por um terremoto de magnitude 7,6 na Escala Ritcher. A saga Terremoto (Cataclysm, no original) mostrou os antecedentes, a tragédia e as nefastas consequência, mostrando que mesmo alguém habilidoso como o Batman não é páreo para as forças da natureza. Quase metade da população da cidade é morta na tragédia. A destruição da cidade é expressiva, mantendo-se de pé apenas os prédios das Empresas Wayne, porque foram construídos com uma tecnologia anti-tremores, na época muito criticada por seu custo.

Contudo, a ancestral Mansão Wayne não fazia parte do pacote e também é destruída, desabando sobre a Batcaverna que jazia embaixo dela. Tudo isso mostrado entre Detective Comics 719 a 721, por Chuck Dixon e Graham Nolan, e Batman 553 e 554, por Doug Moench e Klaus Janson, além de todas as outras revistas associadas, em 1998.

Vale anotar que Detective Comics 721 marca o fim da temporada do excelente Graham Nolan na arte das histórias do Batman.

E a destruição tem uma consequência, exibida no arco Aftershock, entre Detective Comics 722 e 726 , por Chuck Dixon e vários desenhistas, e Batman 555 e 559, por Doug Moench e vários desenhistas, inclusive, Norm Breyfogle e Jim Aparo, no qual o Governo dos EUA propõe extinguir a cidade de Gotham depois das tragédias do vírus e do terremoto. É iniciada uma campanha no Congresso para impedir isso, no qual Bruce Wayne é um dos maiores porta-vozes, mas no fim, é votado o fim da cidade. Com isso, o território de Gotham deixa de ser parte dos EUA e a população residente remanescente é intimada a sair. Quando se cumpre o prazo estipulado, o exército explode as pontes que dão acesso a Gotham (que se situa numa ilha) e quem não quis ou não conseguiu sair passa a ser desassistido pelas autoridades e abandonado à própria sorte.

Contudo, é bom ressaltar que, apesar do plano geral de tramas intrecruzadas se desenvolvendo o tempo todo, os artistas ainda encontravam momentos para contar boas histórias concisas, como é o caso da magnífica Tarefa de Tolo, em Detective Comics 726, de outubro de 1998, por Chuck Dixon e Brian Stelfreeze, na qual o Batman investiga um caso de sequestro de uma criança e descobre que o raptor é um ex-interno do Asilo de Arkham e se suicidou. Em uma corrida contra o tempo para encontrar o paradeiro da menina, o homem-morcego vai ao Arkham em busca de pistas e descobre que o raptor estava na cela ao lado do Coringa. Segue-se a maior parte da história com um diálogo incrível entre os dois inimigos, com o herói tentando obter informações do sequestro e o vilão tentando fazer jogos mentais. No fim das contas, descobrimos que foi o próprio Coringa quem armou o rapto para celebrar o aniversário de morte do Robin (Jason Todd), mas no fim, dá a localização da garota, que jaz no fundo de um rio dentro da mala de um carro em um barco afundado!

É curiosa a referência à morte do Robin, porque esta edição foi publicada 10 anos depois de Morte na Família.

Aves de Rapina

E a coleção de bat-títulos continuava a expandir: em janeiro de 1999 saiu Birds of Prey 01, por Chuck Dixon e Greg Land, uma nova revista mensal relacionada ao universo do Batman, mas focada nas Aves de Rapina, um time de super-heroínas liderada pela Barbara Gordon/ Oráculo, e tendo membros circulantes, mas com destaque a Canário Negro e a Mulher-Gato. Posteriormente, algumas vilãs terminariam agindo obrigadas ou relutantes, em especial a Arlequina e a Hera Venenosa.

O grupo feminino continuou sendo uma parte importante da DC pelos anos seguintes.

Por outro lado, este é o momento em que Chuck Dixon deixa o protagonismo do universo do morcego para se mover em direção à periferia em torno do personagem principal, trabalhando essencialmente em Robin, Nightwing e Birds of Prey.

Terra de Ninguém: fim da fase de Dixon e Moench. E início da de Rucka.

Terra de Ninguém

Destituída, Gotham City vira uma “terra de ninguém”, sei lei, sem ordem. Mas descobrimos que uma parcela expressiva da população decidiu ficar, mesmo assim, porque não tinha para onde ir. Também ficaram vários dos vilões uniformizados e um punhado da força policial, incluindo Gordon, que decidem que a população precisa de proteção. E, claro, também ficam os heróis.

A saga Terra de Ninguém (No Man’s Land, no original) representou outra mudança de “fase” no Batman. Encerra-se a Era Dixon e o comando das revistas do homem-morcego passam a um novo time de escritores, como Bob Gale (famoso por ser o roteirista de De Volta para o Futuro), Scott Beatty, as escritoras Devin K. Greyson, Kelley Puckett, e principalmente, Greg Rucka, que produz uma fase muito, muito boa. Em termos editoriais, foi a mais audaciosa e longa das múltiplas histórias contadas naquela década, desenvolvendo-se por um ano inteiro de janeiro de 1999 a janeiro de 2000, através de Batman 563 a 574, Detective Comics 730 a 741, além de um sem número de outras revistas por 88 capítulos, espalhados por aquelas duas e mais Batman: Legends of the Dark Knight, Batman: Shadow of the Bat, Robin, Catwoman, Nightwing e Azrael, além de alguns especiais.

Para se ter uma ideia do tamanho da saga, a primeira leva de encadernados da DC Comics, mesmo em cinco volumes, só coletou “apenas” 40 capítulos, e somente na segunda coleção sobre a saga, anos depois, conseguiu reunir a maioria das histórias.

A trama geral mostra que se estabelece o completo caos, obrigando Batman a organizar todos os seus aliados – o Batsquad – para conter a fúria dos habitantes e ação dos velhos vilões que se aproveitam da situação. Isso resulta no território de Gotham sendo repartido em zonas nas quais quadrilhas, heróis, vilões e a polícia dominam e protegem, uns contra os outros. Num terra sem lei e sem ordem, Batman e Batsquad precisam refletir sobre os limites de suas ações e manutenção de velhas regras.

Em termos criativos, em vista da maior amplitude e complexidade de Terra de Ninguém em relação às suas precursoras, a DC adotou a estratégia de fazer as histórias se desenvolverem em pequenos arcos saltando de uma revista para outra, em vez de manter equipes fixas em cada um dos títulos. Por exemplo, o escritor Greg Rucka, que se tornaria o principal dos bat-títulos nessa nova fase que se iniciava, estreou em Batman 565 e sua história continuou em Detective Comics 732, assim sucessivamente.

Mapa oficial de Gotham, pela DC Comics. Lançado na saga Terra de Ninguém.

Do ponto de vista editorial, Terra de Ninguém trouxe um brinde bem especial, porque pela primeira vez desde 1939, a DC Comics se designou a criar um mapa detalhado de Gotham City e imprimir nas histórias, porque agora, a distribuição territorial era um elemento essencial para a compreensão da trama. Isso foi interessante porque foram definidos bairros, localizações específicas e organizados os marcos geográficos da cidade, numa criação tão eficiente que foi usada (apenas com poucas atualizações) na Gotham cinematográfica da Trilogia Cavaleiro das Trevas, como veremos mais adiante.

O HQRock tem um post especial apenas para detalhar a cidade de Gotham. Não conhece? Veja aqui!

A saga tem seu preâmbulo na revista especial Batman: No Man’s Land, de janeiro de 1999, que mostra que após várias semanas de sua “extinção”, Gotham City ainda possui uma população residente vivendo na mais precária das situações, com carências de energia, água e gás, além de alimento, e com criminosos batalhando pelo domínio de territórios específicos numa “terra sem lei”.

Essa edição mostra que Batman está ausente (pois Bruce Wayne está em Washington, DC. no lobby para reativar a cidade) e James Gordon regressa à cidade para promover uma defesa mínima da população inocente, e a Caçadora decide usar uma nova versão do uniforme da Batgirl para assustar aos criminosos, usando um uniforme todo preto, com lentes pretas e máscara toda coberta. Como ela salva a vida de Gordon, quando Batman regressa, ele “permite” que Helena Bertinelli continue sob tal identidade.

A saga mostra de modo detalhado, desde o início, a disputa por territórios em Gotham, com os Blue Boys de Gordon ganhando algumas vitórias, o Coringa ganhando sua porção, o Pinguim também, e Batman ganhando uma boa porção, tomando território da quadrilha do Ventríloco, em Detective Comics 730. Mas em Batman: Legends of the Dark Knight 120, a Caçadora/Batgirl perde uma parte do território do homem-morcego para a quadrilha do Duas Caras e, se sentindo indigna, abandona o uniforme da garota morcego e volta a usar o seu próprio.

Claro, introduzir uma nova versão (temporária) da Batgirl, não era uma jogada impune da DC: e surge Cassanda Cain, uma menina mais ou menos da idade do Robin Tim Drake, mas que foi criada como uma máquina de matar por seu pai, o assassino de aluguel mais caro do mundo, David Cain – um dos homens que o jovem Bruce Wayne abordou no tempo em que treinou para ser o cavaleiro das trevas. Cain criou uma abordagem para criá-la na qual cada ensinamento repassado era uma forma de matar, ao mesmo tempo em que não a ensinou a falar, para torná-la mais silenciosa e letal.

Batman vs David Cain.

Quando a encontramos, descobrimos que Cassandra foi encontrada por Batman e enviada a Barbara Gordon (a Oráculo e ex-Batgirl) e está sendo treinada por ela. Batman também contribui para que a garota se livre da influência do pai e, sendo uma boa menina, Cassandra se torna uma aliada poderosa de Bruce na luta por Gotham. Cassandra e seu pai, Cain, aparecem pela primeira vez em Batman 567, de julho de 1999, nas mãos da escritora Kelley Puckett e do artista Damion Scott, prosseguindo em seguida para Detective Comics 734.

Mas a nova Batgirl não foi a única grande nova adesão ao universo do morcego durante Terra de Ninguém. Foi em meio à saga que Harley Quinn, a Arlequina, estreou nos quadrinhos. Como já vimos, existira outra Arlequina nos anos 1970, chamada Duela Dent; mas essa personagem fora esquecida na cronologia pós-Crise. Então, a versão que conhecemos da psiquiatra que se apaixona pelo insano palhaço do crime surgiu em Batman – A Série Animada, em 1993, e fizera um grande sucesso entre o público e até que demorou para migrar às HQs.

Coringa e Arlequina… juntos agora nas HQs! Arte de Mike Deodato Jr.

Mimetizando mais ou menos a mesma origem que tivera na TV, criada por Bruce Timm e Paul Dini, Harley Quinn estreou em Batman 570, de 1999, com textos de Bronwyn Charlton e arte do brasileiro Mike Deodato Jr., então, um dos artistas mais famosos das HQs. Rapidamente, a Arlequina conquistou seu espaço nas HQs e começou a transitar em várias outras publicações, especialmente em Birds of Prey (Aves de Rapina), o grupo de super-heroínas lideradas por Barbara Gordon/Oráculo.

A morte de Sarah Essen…

Mas enquanto uns chegam, outros saem, infelizmente. Detective Comics 741, em 2000, com textos de Greg Rucka e Devin K. Greyson e arte de Damion Scott, o Coringa sequestra todos os bebês de Gotham City, levando a uma caça desesperada de Batman e da força policial da cidade. No fim das contas, a detetive Sarah Essen, esposa do Comissário Gordon já há alguns anos, descobre que as crianças estão no porão da delegacia da cidade e confronta sozinha o palhaço do crime. O resultado não é senão outro: o palhaço do crime joga um bebê para o alto e Essen larga a arma para salvá-lo, no que o Coringa lhe dá um tiro na cabeça.

Essen fora uma personagem coadjuvante importante desde Ano Um e uma força feminina forte dentro do GCPD (Gotham City Police Department) e sua morte gratuita e chocante foi realmente um duro golpe nos leitores e ocorreu bem próximo do fim de Terra de Ninguém.

Os últimos capítulos da saga mostram que a campanha no Congresso para que Gotham fosse reabilitada nunca morreu e Bruce Wayne mais uma vez emerge como uma figura importante para que a medida fosse revertida. No fim dá certo e o Governo dos EUA restitui a legalidade de Gotham, num movimento político que, infelizmente, também termina favorecendo o vilão Lex Luthor, que articula um poderoso lobby para que suas empresas sejam as responsáveis pela reconstrução da cidade.

Lex Luthor vira Presidente dos EUA.

Tal ação capitaliza Luthor politicamente e ele termina se candidatando ao cargo de Presidente dos EUA. E pior: ele vence as eleições, no que seria uma crítica velada aos anos de George W. Bush no comando daquele país. A presidência de Luthor teria sérias implicações para o mundo do Batman. A eleição foi mostrada na revista especial Lex 2000, de janeiro de 2001, com várias histórias escritas por Jeph Loeb e Greg Rucka.

Depois de ter sido um dos maiores escritores do Batman, Dennis O’Neil encerrou sua passagem de 15 anos como editor do personagem.

Uma última coisa associada a Terra de Ninguém importante de ressaltar: ao fim da saga, no início de 2000, o editor Dennis O’Neil encerrou seu trabalho à frente das revistas do morcego. Foram 15 anos que transformaram o Batman num dos maiores fenômenos da história dos quadrinhos em todos os tempos e o período de maior popularidade que o personagem teve na mídia impressa.

Seu lugar como coordenador das histórias gothamitas coube a Bob Shrenck. Shrenck é ressaltado como um dos maiores editores de quadrinhos de décadas recentes. Nascido em Levittown, Nova York, em 1955, ele foi vocalista de bandas de rock progressivo e trabalhou primeiro na Creation Entertainment, empresa que representava artistas e organizava eventos e convenções, antes de trabalhar no setor de marketing da Marvel Comics nos anos 1980, e fundou a Comico Comics em 1985, que, ainda com existência breve, publicou material original e independente de renome, como Grendel, Robotech, Elementals e Johnny Quest.

Shrenck passou quase todos os anos 1990 como um dos principais editores da Dark Horse Comics, no período de apogeu da empresa, e editou Madman de Mike Allred e Sin City de Frank Miller, sendo basilar também na adaptação desta ao cinema, e também passou três anos na Oni Press, onde editou o material de Kevin Smith.

Chegando na DC Comics em 2000, Shrenck passaria nove anos na empresa editando revistas do Batman e do Arqueiro Verde e se destacou por levar muitos nomes dos quadrinhos independentes a assumirem as revistas do morcego, como veremos a seguir.

Gotham Knights

Com o fim de Terra de Ninguém, algumas outras novidades chegaram ao campo editorial do morcego. Em primeiro lugar, a revista Batman: Shadow of the Bat foi encerrada após 96 edições (87 delas de autoria de Alan Grant) e foi substituída por Batman: Gotham Knights 01, lançada em março de 2000, que tinha o foco nos personagens coadjuvantes do universo do morcego, com histórias da escritora Devin K. Greyson e arte de James Robinson.

Além dela, outra revista mensal apareceu: Batgirl 01 chegou às bancas em abril de 2000, com roteiro da escritora Kelley Puckett e de Scott Peterson e arte de Damion Scott, contando as aventuras solo de Cassandra Cain. O curioso é que, apesar de ter existido a Batgirl dos anos 1950 e Barbara Gordon ter sido a heroína dos anos 1960 aos 80, era a primeira vez que a garota-morcego tinha uma revista própria. Barbara tivera muitas histórias solo publicadas em Batman e Detective Comics e, depois, foi uma das protagonistas de Batman Family, mas nunca tivera uma revista própria.

Batgirl se focou especialmente às origens de Cassandra Cain, explorando, por exemplo, que, no passado, David Cain procurava por um guarda-costas para Rã’s Al Ghul e encontrou a excepcional lutadora Sandra Wu-San, que num torneio combate a sua irmã, Carolyn, e fica se segurando. Cain, então, mata Carolyn e arma uma armadilha para Sandra, e em troca de sua vida, Cain lhe oferece a possibilidade de ela lhe gerar um filho e ele criá-lo. Wu-San aceita e, dessa relação, nasce Cassandra, que é treinada pelo pai.

Depois desse episódio traumático, Sandra Wu-San se torna a vilã Lady Shiva, nossa velha conhecida.

Histórias de Detetive: Greg Rucka e Ed Brubaker

Terra de Ninguém foi um grande feito, mas também um enorme exagero. Por isso, ao fim da megassaga, a DC decidiu investir mais em histórias um pouco mais concisas e compactas, o que rendeu um dos melhores momentos na história recente do morcego. Sem a obrigação de estender as tramas por uma dezena de revistas de personagens e equipes criativas distintas, tramas incríveis apareceram e houve um grande momento.

A mudança editorial resultou em uma dança das cadeiras no campo criativo. Assim, Greg Rucka migrou de Batman para Detective Comics, com o desenhista Shawn Martinbrough, a partir da edição 742; enquanto Batman foi assumida por Larry Hama (autor que ficou famoso pelas populares histórias de Wolverine na Marvel), trabalhando ao lado de Scott McDaniel (começando na edição 575, de março de 2000).

Também não é menos importante afirmar que, em vista dessa nova situação, um recomeço total, as histórias mostram Batman deixando para trás o uniforme negro que usara desde a fase Nolan-Kelley e retornando ao seu uniforme original, ou seja, sem a elipse amarela em torno do símbolo do morcego e com um cinto de utilidades com bolsos. Porém, ao contrário de como era retratado até meados dos anos 1990, esse “primeiro uniforme” agora é pintado sempre em cores bem escuras, como para mostrar que o Batman continua tão sombrio quanto antes. O fato é que o “novo” uniforme tinha um design (especialmente no símbolo do morcego) muito bonito e caiu como uma luva nas artes mais expressivas de Scott McDaniel e Shawn Martinbrough.

Como marca desse “recomeço”, em Detective Comics 742, Rucka e Martinbrough mostram o Comissário Gordon retomando o trabalho após um período de licença pela morte da esposa, e precisa reestruturar o GCPD, que está carente de pessoal. Assim, ele promove Harvey Bullock a tenente para ele cuidar da Unidade de Crimes Especiais, enquanto Mackenzie “Capadura” Bock lidera a Unidade de Combate ao Crime Organizado. A parceira de Bullock nas ruas, Renée Montoya, passa a trabalhar ao lado de Crispus Allen, que veio de Metrópolis para reforçar o time.

Enquanto abordavam aspectos relacionados ao desenvolvimento dos personagens e o novo status quo de Gotham pós-ocupação, as tramas também ganharam ares mais policialescos e detetivescos, em grande parte pela influência de Greg Rucka (em Detective Comics) e da chegada de Ed Brubaker (em Batman), escritor de histórias policiais que vinha de uma carreira nos quadrinhos independentes.

Se Terra de Ninguém foi uma mudança completa do status quo que existia desde os tempos de A Queda do Morcego – em particular sob a caneta de Doug Moench e Chuck Dixon – finda aquela megassaga se tem outro momento realmente totalmente novo, agora sob a liderança de Rucka e Brubaker, mas também com uma leva de artistas novos – alguns já testados naquela grande saga, mas agora, assumindo o protagonismo, como Scott McDaniel (que tivera uma longa temporada em Nightwing e ascendeu a Batman) e o maravilhoso Shawn Martinbrough, ambos artistas calcados em artes de caráter estilístico e não realístico.

Na estreia de Ed Brubaker em Batman a DC Comics errou e creditou Larry Hama na capa da revista! Mas os créditos internos estavam corretos.

Novos personagens apareceram, outros mais antigos ganharam força e alguns relacionamentos mudaram.

Por exemplo, Ed Brubaker estreou com impacto em Batman 582, de outubro de 2000, ao lado do artista Scott McDaniel, numa história interessante que se passa em duas linhas temporais sobre um ex-funcionário da Wayne Enterprises que cai no mundo do crime após uma tragédia abalar sua vida.

Clássica história sobre o Batman como lenda urbana.

Aa histórias de Brubaker em Batman eram focadas nos aspectos mais realistas do mundo do homem-morcego, como em Batman 584, também com McDaniel, em que se reestabelece uma ideia lançada nos tempos de Ano Um, mas que depois foi meio deixada de lado pelos escritores subsequentes: a de que o cavaleiro das trevas é uma lenda urbana. Assim, no contexto pós-Terra de Ninguém, a história de Brubaker reestabelece esse status, no qual a polícia nega a existência do vigilante, os criminosos o temem como um mito e a população se divide entre acreditar ou não em sua existência.

Na trama, uma dupla de estudantes de cinema tem a ambiciosa missão de produzir um documentário sobre o tema tentando desvendar se o Batman realmente existe ou não, e após conversarem com o Pinguim (que diz que foi o Duas Caras quem criou a ideia do Batman quando era Promotor Público), e irem ao Arkham entrevistar Harvey Dent, terminam em meio a uma tentativa de fuga e presenciam o cavaleiro das trevas aparecendo e realizando seu trabalho. O morcego diz aos jovens assustados que é importante que ele continue misterioso e mitológico para cumprir seu papel de instilar o medo no coração dos criminosos, e os cineastas concordam e abandonam a ideia do filme.

Assim, esse novo status do homem-morcego estabelece que o Batman nunca foi filmado ou fotografado pela mídia séria, apesar de já ser um veterano no combate ao crime em Gotham. O que mudava vários aspectos cronológicos do personagem, especialmente em sua relação pública com a polícia (mesmo pós-Crise) e sua atuação com a Liga da Justiça (que era um grupo bem público e a presença do Batman virou uma contradição nunca realmente solucionada).

A Aposentadoria de James Gordon

Um elemento cronológico importante que ocorreu nesse período foi a saída do Comissário Gordon da força policial, que ocorreu no arco Officer Down, publicado no mês de março de 2001 reunindo a maior parte das revistas gothamitas. Começando em Batman 587, por Greg Rucka e Rick Burchett, temos James Gordon comemorando seu aniversário e, ao sair do pub, é baleado várias vezes nas costas num beco.

A Mulher-Gato presencia a cena – o que a leva a ser suspeita pela polícia – mas ela termina ajudando bastante, porque viu o agressor. A investigação tem prioridade no GCPD e o prefeito Dickerson coloca o oficial Michael Atkins como Comissário substituto e a ação rápida do Batsquad permite que sua identificação: o recruta Jordan Rich, um dos primeiros policiais a se voluntariar após o fim da Terra de Ninguém, mas que na verdade, é uma identidade falsa de um ex-mafioso de Chicago que foi preso por Gordon e queria se vingar.

Quando sai do hospital, após duas semanas, Gordon decide se aposentar da polícia, tornando Atkins o novo comissário oficial. Ele apresenta Atkins ao Batman e o encontro não acaba bem, o que marca que a relação do homem-morcego e seus aliados com a polícia irá se tornar cada vez mais tensa dali em diante.

Entrementes, a trama explora como a arma usada foi desviada das evidências de outro crime e, no fim das contas, os heróis não conseguem uma prova, uma evidência concreta de que Rich cometera o crime, para frustração de todos. Renée Montoya fica possessa e vai atrás de Rich disposto a matá-lo, mas é impedida pelo detetive Harvey Bullock, que ela não deve estragar sua bela carreira.

No fim, vemos Rich morto em uma poça de sangue em seu apartamento e fica implícito de que foi Bullock quem o matou.

Uma curiosidade de Officer Down é que a história foi apresentada de modo contínuo pelas bat-revistas, mas inclusive “passando por cima” da titularidade das publicações, com Robin 86 e Birds of Prey 27, mal trazem seus protagonistas. Batgirl 12 se passa durante os eventos da trama, mas não foi incluída oficialmente na saga (nem em seu encadernado) e o arco se encerra em Batman: Gotham Knights 13. Por esse motivo, Ed Brubaker assina Robin e Gotham Knights traz Rucka e Burchett.

Bruce Wayne: Assassino?

A belíssima fase de Rucka e Brubaker também teve sua dose de crossover, ainda que num modelo diferenciado em relação aos do passado recente: foi o caso de Bruce Wayne: Assassino e Bruce Wayne: Fugitivo, que como os títulos entregam colocam nosso herói sob suspeita. Mas antes de chegar a esse ponto, vamos por partes.

Sasha Bordeaux, a guarda-costas do Batman. Arte de Shawn Martinbrough.

Particularmente, Greg Rucka e Shawn Martinbrough desenvolveram uma interessante trama a partir de Detective Comics 751, de dezembro de 2000, quando a Mesa Diretora da Wayne Enterprises impõe uma guarda-costas para Bruce Wayne em reação a eventos que ocorreram recentemente, como ataques de Maxie Zeus e Hugo Strange. A ex-agente das Nações Unidas de origem suíça Sasha Bordeaux é a encarregada da missão. Bruce rejeita a proposta, claro, mas a Diretoria é irredutível e Lucius Fox ameaça pedir demissão caso Wayne não aceite.

Com Sasha no seu pé o tempo todo, Bruce precisa ser ainda mais evasivo do que o normal para sair por aí como Batman, como quando precisa impedir que uma guerra entre as forças policiais e a Hera Venenosa, que tomou conta do Robinson Park.

Batman e Sasha discutem, por Rucka e Martinbrough.

Os “desaparecimentos” de Wayne, claro, levam a uma série de desconfianças da parte de Sasha e, por fim, ela termina por descobrir que ele é o Batman em Detective Comics 756, quando encontra apetrechos em um armário. (Numa história futura, Alfred termina revelando para a moça que aquele foi um gesto de propósito de Bruce para que ela descobrisse). Mas ela leva tão a sério sua profissão de guarda-costas que quer segui-lo como Batman.

Vesper Fairchild regressa.

Para tornar as coisas piores, em Detective Comics 760, Bruce se reencontra com Vesper Fairchild, sua ex-namorada, que fora embora de Gotham na época da Terra de Ninguém. Os dois voltam a namorar e, agora, são pajeados o tempo todo por Sasha Bordeaux, que já sabe que ele é o Batman, ficando intrigada e confusa com a futilidade da identidade de Wayne.

Belíssima capa de Detective Comics 761, por Dave Johnson.

Mas a situação com Sasha correndo atrás do Batman chega num ponto impossível, então, em Detective Comics 761, Bruce dá um ultimato a Sasha, que já tinha um treinamento de nível militar para além do excepcional: ela tem 30 dias para assumir um dado grau de forma física para que acompanhar o Batman não atrapalhe seu trabalho de combate ao crime, e a guarda-costas aceita. No fim do prazo, Sasha se mostra apta e passa no teste, ganhando um uniforme em Detective Comics 762 e atuando como sua parceira no combate ao crime.

Ao fazer isso, Sasha começa a entender como é desgastante fisicamente a vida de Bruce, vivendo uma vida mais ou menos normal ao lado de Vesper durante o dia e passando a noite acordado lutando contra criminosos. E mais: Sasha começa a se apaixonar por Bruce. Mas a nova heroína – que nunca chegou a ganhar um codinome – percebe que ele não está feliz em seu relacionamento com a radialista.

Para piorar, Vesper está conduzindo uma investigação sobre o Batman para o seu programa e sai às noites com o firme propósito de fotografá-lo (dentro do novo status quo de lenda urbana das histórias recentes), mas o homem-morcego se esquiva a cada vez e, em Detective Comics 764, aparece diante de Vesper e lhe manda ir para casa. No dia seguinte, Bruce arma uma situação para dar fim ao relacionamento dos dois: quando Vesper chega à Mansão Wayne, encontra Bruce com três belas garotas dentro de uma piscina. Sasha presencia a cena e percebe como Bruce fica triste, zangado e de coração partido. Porém, o gesto lhe dá esperança…

Então, a revista especial Batman: The 10 cents Adventure 01 traz a chocante história em que após uma noite de patrulha, Bruce e Sasha regressam para a Mansão Wayne e encontram Vesper Fairchild assassinada lá numa poça de sangue. Logo em seguida, a polícia chega e a dupla é presa em flagrante, acusados do crime.

“Bruce Wayne: Fugitivo”: colaboração de Rucka e Brubaker.

É o início dos arcos Bruce Wayne: Assassino e Bruce Wayne: Fugitivo, que se estendem por todas as revistas do universo do homem-morcego (Detective Comics, Batman, Legends of the Dark Knight, Gotham Knights, Nightwing, Robin, Batgirl, Birds of Prey). Na primeira parte, Assassino?, enquanto Bruce e Sasha são presos e levados para Blackgate, o Batsquad sai em busca de investigar o crime à revelia da polícia, que de imediato está convencida de que Wayne é o culpado. O problema é que os esforços de Oráculo, Asa Noturna, Robin etc. começam a apontar uma série de evidências daquilo mesmo: Vesper vinha investigando o Batman e para horror do grupo até a arma do crime pertencia mesmo a Bruce. Os herói são tomados pelo horror da possibilidade de que Bruce seja o assassino e precisam lidar com sentimentos conflitantes.

Encurralar Bruce Wayne na cadeia não é uma boa ideia.

Enquanto isso, Bruce fica calado em seu depoimento e está furioso com o que está acontecendo, chegando até a agredir companheiros de cela quando provocado; e os detetives do departamento de polícia tentam convencer Sasha a denunciar seu “patrão”, pois anteveem que o bilionário irá se safar e ela irá levar toda a culpa, mas Sasha tem fé no Batman e se mantém fiel ao homem por quem vinha se apaixonando.

Quando tem que ir à audiência de custódia, Bruce aproveita para fugir – o que é muito fácil em vista de suas habilidades – (o que dá início à segunda parte, Fugitivo) e aparece para seus aliados na Batcaverna dizendo que irá abandonar a identidade de Bruce Wayne e passar a viver apenas como Batman, algo que deixa os amigos bastante confusos. As tensões geradas pelas desconfianças terminaram por eclodir em uma luta acirrada entre Bruce e Dick em seus uniformes, mas o Batman apenas se esquiva dos golpes e vai embora.

David Cain: velho mestre e inimigo.

No fim das contas, Bruce investiga o crime por conta própria e descobre que o assassino foi David Cain, e as investigações de Oráculo chegam à mesma conclusão. Robin fica assustadíssimo quando Oráculo lhe diz que foi o presidente da república Lex Luthor quem contratou Cain para desgraçar a vida de Bruce, mas aliviados de que Luthor não sabia que ele era o Batman, mas queria se vingar da humilhação em torno da recuperação de Gotham pós-Terra de Ninguém. Porém, David Cain sabia que Bruce era o Batman (porque foi um dos que lhe treinou para tal) e aproveitou a oportunidade para se vingar por ele ter “corrompido” sua filha, Cassandra, a nova Batgirl.

Batman encontra e confronta Cain, mas o assassino termina perdendo a vontade de lutar (e viver) quando é rejeitado por Cassandra. Então, Cain se entrega às autoridades e assume a autoria do crime (embora sem incriminar Luthor). Toda essa trama se desenvolveu em todos os bat-títulos, mas especialmente em Detective Comics 766 a 772 (por Greg Rucka e Steve Lieber) e Batman 599 a 605 (incluindo a comemorativa 600ª edição! – por Ed Brubaker e Scott McDaniel).

Infelizmente, é tarde demais para Sasha Bordeaux: a guarda-costas é morta em meio a uma briga na prisão antes de poder ser inocentada.

Coletivamente, esse belo arco de histórias terminou mais conhecido apenas como Bruce Wayne: Fugitivo e esse é o nome utilizado nos encadernados que foram lançados em três volumes depois.

E isso inclui as consequências imediatas da saga, que renderam duas incríveis aventuras (e estão no terceiro volume dos encadernados).

A primeira, entre Batman 606 e 607, com texto de Ed Brubaker e Geoff Johns, e arte de Scott McDaniel, na qual Luthor contrata o Pistoleiro (Deadshot) para dar um fim em David Cain. Batman intervém, porque percebe que Cain está disposto a morrer, mas após dizer que Cassandra ainda se importa com ele, Cain ganha ânimo e reage, atirando no Pistoleiro (que também é um suicida em potencial) e deixando-o às portas da morte.

Mas melhor ainda é Penitência, publicada entre Detective Comics 773 a 775, de 2002, por Greg Rucka no texto e arte de Steve Lieber (duas partes) e Rick Burchett (terceira), na qual após a súbita morte de Sasha Bordeaux e a informação de que seu corpo foi reivindicado pela família, Batman suspeita de uma armação, já que ela não tinha família. Sendo o maior detetive do mundo, Bruce logo descobre que os responsáveis foram o Xeque-mate, uma organização secreta do governo que se organiza tal qual as peças de um xadrez.

Batman aborda o graduado agente David Said quando este vem a Gotham e exige saber a verdade, mas ele nega. Então, o cavaleiro das trevas abre uma guerra particular contra a agência, atrapalhando suas ações. Em paralelo, vemos que o herói está certo: Sasha sobreviveu e foi abduzida pelo Xeque-Mate para se tornar uma agente, estando sob a responsabilidade de Jessica Midnight, e embora um pouco relutante no início, terminou por aceitar quando percebe que terá uma vida totalmente nova dali em diante, já que está oficialmente morta. Ela é submetida a uma cirurgia facial que muda seu rosto e passa a usar cabelos pretos e curtos.

Batman encontra a base em que Jessica Midnight trabalha e invade os arquivos. O cavaleiro das trevas é flagrado e Midnight permite que ele faça sua busca, que é infrutífera. Ele diz que não irá parar até descobrir o que quer e, nos seis meses seguintes, o Batman atrapalha um sem número de operações do Xeque-Mate, até o ponto em que David Said comanda Jessica Midnight a dar um fim nessa situação.

A conversa final entre Bruce e Sasha por Rucka e Burchett.

Então, quando Jessica reencontra o Batman lhe passa uma mensagem: um bilhete no qual Sasha marca um encontro com Bruce no Robison Park às 13h30. Ele vai em sua identidade civil, como pedido, e encontra a nova Sasha. A dupla tem uma longa conversa, na qual Bruce confessa que se apaixonou por ela e que a trouxe para dentro de sua vida – ao deixar que ela descobrisse sua identidade secreta – mas como não sabia como lidar com o sentimento e o medo de dar errado (suas relações anteriores problemáticas), terminou por colocá-la em um uniforme e fazer trabalhar para ele, tentando se manter afastado. Ela pede que ele diga explicitamente que a ama e ele diz. Os dois trocam um longo beijo, mas Sasha pede que ele não a procure mais, indo embora e deixando Bruce sozinho na neve.

Infelizmente, ambos os arcos marcaram o fim dessa que foi uma das melhores fases que o Batman teve, com Greg Rucka e Ed Brubaker à frente do homem-morcego.

Mas houve dois pequenos desdobramentos… Primeiro, Ed Brubaker continuou nas histórias do Batman, migrando para Detective Comics, nas edições 777 a 782, ao lado de Tommy Castillo, e edições 784 a 786, com Patrick Zicker e o arco Feito de Madeira. Infelizmente, ele deixou a revista depois disso, por causa de desentendimentos com os editores.

Mas o segundo desdobramento foi ainda mais impactante: Ed Brubaker e Greg Rucka uniram as forças para uma ousada empreitada – lançar uma revista mensal focada nos policiais do GCPD, em tramas totalmente detetivescas que traziam um pouco o gostinho do “mundo real” para aqueles que viviam em torno das ações do Batman e seus vilões malucos. O homem-morcego até aparecia ocasionalmente, mas o foco era em Crispus Allen, Reneé Montoya, o novo comissário Atkins e vários outros policiais, oficiais e detetives da força, com seus dilemas, riscos e frustrações de viver à sombra do morcego.

De altíssimo nível literário e com uma arte avassaladora – especialmente com Michael Lark Gotham Central foi um grande sucesso de público e crítica e foi aclamada como uma das grandes revistas do início do século XXI. Ela teve 40 edições publicadas a partir de fevereiro de 2003 até o ano de 2006.

Silêncio

Apesar de ligar várias revistas, Fugitivo mostrava uma nova abordagem editorial, mais pautada em arcos de histórias mais autocontidas nas revistas do morcego, e em vista do sucesso das revistas gothamitas, a DC Comics achou que era chegado o momento de criar uma história sensação para sacudir as revistas e veio a ideia de unir dois dos grandes nomes dos quadrinhos de então para produzir um clássico instantâneo do homem-morcego. E não é que deu certo?

Para o roteiro foi chamado Jeph Loeb, aclamadíssimo por O Longo Dia das Bruxas e Vitória Sombria, mas sem ter criado histórias nas revistas “de linha”, e para arte o desenhista sensação Jim Lee, que fora um dos grandes nomes dos anos 1990, chamando atenção primeiro na Marvel Comics nas revistas do Justiceiro, explodindo nos X-Men e, depois, sendo um dos fundadores da Image Comics, e criador do selo Wildstorm, que publicou uma série de histórias importantes e terminou sendo comprado pela DC Comics no começo do século. Assim, Lee podia trabalhar para a DC sem impedimentos.

Loeb e Lee se uniram e entregaram a bombástica Silêncio (Hush, no original), uma grande história em 12 partes publicada entre Batman 608 e 619, de dezembro de 2002 a novembro de 2003.

Siêncio (Hush): o novo vilão criado por Loeb e Lee.

A trama mimetiza alguns elementos de O Longo Dia das Bruxas, com clima de detetive e um representante dos grandes vilões do personagem a cada edição, mostrando uma típica perseguição de gato e rato entre o homem-morcego e um novo vilão chamado Silêncio. A partir do sequestro de uma criança, Batman começa a desconfiar que um elemento misterioso está manipulando o submundo do crime simplesmente para pegá-lo. Numa dessas ações, sua bat-corda é cortada e o herói sofre um grave acidente, caindo de uma grande altura e ficando com uma fratura craniana. A rede de apoio do herói garante que ele seja rapidamente acudido e Bruce Wayne é submetido a uma cirurgia nas mãos de seu amigo de infância, um famoso e rico neurocirurgião chamado Tommy Elliot.

Mal recuperado, Batman já sai atrás de investigar o que aconteceu e vai descobrindo que há alguém manipulando seus inimigos. Uma figura com bandagens no rosto e voz sussurrada (daí, o termo “hush”, sussurro em português) começa a aparecer e acompanhar os eventos. Para celebrar sua recuperação, Bruce Wayne vai à Ópera com Tommy e Selina Kyle, mas a peça é atacada pela Arlequina, e na saída do evento, Elliot é mortalmente baleado, aparentemente, pelo Coringa.

Mas descobrimos que o homem sob bandagens é Harvey Dent, que foi operado e seu rosto está recuperado e, aparentemente, livre da personalidade maligna do Duas Caras, buscando unir-se a James Gordon para pegar o verdadeiro criminoso.

Batman e Mulher-Gato ficam juntos em “Sliêncio”, de Loeb e Lee.

Enquanto isso, após agirem juntos contra Hera Venenosa, Talia Head e Lady Shiva, Batman e Mulher-Gato se reaproximam de maneira determinante e o Asa Noturna incentiva que Bruce revele sua identidade secreta para ela. Pouco depois, quando o morcego e a gata se reencontram, o herói diz para a ex-ladra que sabe quem ela é (Selina Kyle) e diz que é Bruce Wayne. Isso os torna um casal de verdade pela primeira vez na realidade pós-Crise, o que foi um feito cronológico extremamente importante.

O “falso” Jason Todd em Silêncio.

Batman rastreia o misterioso vilão e encontra outro homem com bandagens na cabeça, mantendo Robin como refém, mas este retira as tiras e se revela como sendo Jason Todd, o falecido segundo menino prodígio. Bruce não acredita nisso e os dois lutam de maneira bastante acirrada até que é revelado que Todd é, na verde, o Cara de Barro II, que pode assumir qualquer forma, e que já tinha trapaceado com a mesma técnica nas histórias dos anos 1980.

Depois de descobrir que Harold Allnut o traiu e teve sua aparência e a habilidade de falar reabilitadas pelo misterioso vilão, finalmente, o verdadeiro homem com bandagens, Silêncio, se revela e é Tommy Elliot (sua morte também foi encenada pelo Cara de Barro). Mas ele é baleado duas vezes por Harvey Dent e cai, aparentemente para a morte, no rio Gotham.

Mas Batman percebeu que não era Tommy a mente por trás de tudo, e sim, o Charada: o vilão estivera às portas da morte por causa de um câncer e usou um Poço de Lazarus (de Ra’s Al Ghul) para se curar, e iluminado pelo efeito místico, terminou por deduzir a identidade secreta do Batman, indo atrás de Elliot para articularem um plano contra o herói, inclusive, com o Charada criando a persona Silêncio.

Silêncio não foi tão brilhante quanto O Longo Dias das Bruxas, mas a presença de novos personagens e novas situações, aliada à arte arrebatadora de Jim Lee, a fizeram um grande sucesso e deixou uma grande marca cronológica às histórias futuras. A maior delas: a possibilidade de que Jason Todd, o Robin II, estaria de vivo de alguma maneira. Este tópico seria retomado pouco tempo depois.

Jogos de Guerra

Mas os bat-títulos não ficariam muito tempo sem um grande crossover: em março de 2004 começaria Jogos de Guerra, em Detective Comics 790, por Andersen Gabrych e Pete Woods. Dessa vez, contudo, de uma maneira um pouco diferente: foi uma longa saga em cinco fases – o prólogo se desenvolveu apenas em Detective Comics e Robin, a partir do Ato 1, todas as revistas gothamitas foram envolvidas (exceto Birds of Prey), seguindo-se os Atos 2 e 3, e o epílogo apenas em Detective Comics e Batman, desenvolvendo-se por um ano e meio!!!!

Tudo começa quando Jack Drake descobre que seu filho, Tim, é o Robin. Furioso, Jack o proíbe de continuar a ser o menino prodígio e o envia para uma escola distante de Gotham. O desaparecimento dele deixa sua namorada, Stephannie Brown, a Salteadora, triste e desesperada, pois ela não sabia quem ele era nem o que tinha acontecido. A Salteadora nunca tinha sido aceita dentro do Batsquad, porque o homem-morcego a julgava imprudente. Mas com a “saída” de Tim, Bruce se padece dela e faz um gesto inesperado: revela a identidade secreta do Robin para Stephannie e se dispõe a treiná-la.

A garota aceita, mas demanda que se torne a nova Robin, e após alguma resistência, o Batman cede e temos a primeira menina-prodígio da cronologia oficial, em Robin 126, de julho de 2004, numa história por Bill Willingham e Damion Scott. Mas no fim, o cavaleiro das trevas ainda acha que ela não está pronta e a destitui do cargo apenas duas edições depois, no número 128.

Então, vem a edição especial Batman: The 12 Cents Adventure, pela escritora Devin K. Greyson e arte de Ramon Bachs, na qual, em um gesto desesperado para provar o seu valor, a Salteadora rouba um jogo de computador da Batcaverna com uma simulação de como tomar conta do crime organizado. A ideia da simulação era gerar uma série de ações que culminariam com Fósforos Malone se tornando o grande chefão do crime. A Salteadora põe na prática as diretrizes e ações do jogo, mas não sabe que Malone é apenas um disfarce do próprio Batman. Como resultado, a ausência de Malone à reunião gera uma briga e tiroteio e eclode uma guerra de quadrilhas.

A consequência se dá de imediato em Detective Comics 797, por Gabrych e Woods, na qual tiroteios se espalham por Gotham e chefões criminosos como Orfeus, Pinguim, Zeiss e outros saem uns contra os outros; o que resulta em uma grave consequência em Batman 631, por Bill Willingham e Kinsun Loh, na qual quadrilhas em disputa invadem uma escola e baleiam a garota Darla Aquista, uma amiga de Tim Drake. Com a menina em um estado muito grave, Batman toma a decisão de sair da escola com ela nos braços e entregá-la às autoridades para ser cuidada. O gesto resulta no homem-morcego sendo filmado pela primeira vez – desde que o status de lenda urbana foi instituído na cronologia pós-Terra de Ninguém. A garota termina morrendo pelos ferimentos e a mídia, a população e a polícia criam uma rejeição às figuras dos vigilantes mascarados.

Mas tudo ainda vem a piorar: o plano simulado do Batman era colocar o submundo sobre o controle de Orfeus, então, pede aos membros do Batsquad para mantê-lo vivo, e a Salteadora é a primeira a chegar nele, porém, o Máscara Negra mata o rival e sequestra Stephannie (em Gotham Knights 57, por A.J. Lieberman, Al Barrionuevo, Javier Piña); então, tortura a heroína para descobrir os planos do Batman (Robin 130, por Bill Willingham e Jon Proctor); e Máscara Negra se passa por Orfeus para reunir as quadrilhas sob seu controle (Batman 632); enquanto o Comissário Atkins ordena atirar para matar em qualquer vigilante uniformizado (Detective Comics 799). E embora Batman consiga localizar e resgatar a Salteadora, Stephannie Brown morre sob os cuidados de Leslie Thompkins (Batman 633).

Máscara Negra, o chefão do crime em Gotham City.

Ao fim e ao cabo, o resultado é que o Máscara Negra emerge como o grande líder do submundo do crime, uma figura que não existia desde os tempos de Carmine Falcone ou Rupert Thorne, como vemos em Batman 636, já iniciando uma nova fase.

O Capuz Vermelho

Imediatamente ao fim de Jogos de Guerra, Judd Winick se tornou o principal escritor do Batman e deu início a uma nova fase que é o arco Sob o Capuz (Under the Hood), começando em Batman 635, de fevereiro de 2005, por Judd Winick e arte de Doug Mahnke (e belas capas de Matt Wagner), na qual o Máscara Negra começa a articular os outros vilões uniformizados sob seu domínio, como o Sr. Frio, mas sua hegemonia é ameaça pelas ações de um novo e violento oponente: o Capuz Vermelho, que ao mesmo tempo em que sai por aí matando criminosos, também tenta obter o controle de algumas quadrilhas, especialmente do tráfico de drogas.

O Capuz Vermelho em sua versão nos quadrinhos…

O leitor deve lembrar que o Capuz Vermelho fora um bandido que atuava bem no início da carreira do Batman e que uma história dos anos 1950 mostrara que ele era ninguém menos do que o Coringa. Foi fugindo do Batman que o Capuz Vermelho caiu num tanque de ácido e se tornou o Coringa. Depois, A Piada Mortal recolocou essa história na cronologia pós-Crise, adicionando o detalhe de que o Capuz Vermelho era uma identidade “vazia”, ocupada por vários homens diferentes, o último deles, o comediante que se tornou o Coringa.

Mas a questão era: quem é o novo Capuz Vermelho?

Batman vs. Capuz Vermelho na arte de Doug Mahnke, em Batman 635.

Em Batman 637, Batman e Asa Noturna identificam um carregamento ilegal no porto de Gotham e descobrem que é um Amazo (um androide superpoderoso que mimetiza os poderes de vários membros da Liga da Justiça, e é um dos grande inimigos da equipe). Depois, descobrem que era apenas uma distração para um carregamento de Kryptonita que o Máscara Negra havia conseguido, o que leva a um confronto com o Sr. Frio e o Coringa, que resolve fazer parte da “festa” apenas por diversão.

O Capuz Vermelho revela para o Coringa que ele é o Robin que ele “matou”.

O envolvimento do Coringa mexe com o Capuz Vermelho, que termina sequestrando o palhaço do crime e o espancando com um pé de cabra: então, ficamos sabendo que o Capuz Vermelho é ninguém menos do que Jason Todd, de volta dos mortos. Mas a guerra contra o Máscara Negra prossegue até que o Batman tem um novo confronto com o novo vilão.

Durante a luta, em Batman 641, o Capuz Vermelho deixa claro que sabe a identidade secreta do Batman e chega a lhe tirar sua máscara, enfim, revelando a sua própria para ele. Claro que, a princípio, ele não acredita na revelação, suspeitando ser um truque como fora lá no arco Silêncio, contudo, Jason pega um batarangue e corta a si mesmo para que o Batman analise o sangue e o DNA.

Jason se revela para Bruce.

Mais tarde, na Batcaverna, Bruce analisa o DNA e as impressões digitais e vê que são autênticas, são mesmo de Jason, e fica surpreso e decepcionado pelo retorno dele e pelo o que ele se tornou, mas numa conversa com Alfred, decide manter o uniforme de Robin de Jason exposto na Batcaverna.

O Batman investiga o que aconteceu com Jason, enquanto a guerra do Capuz Vermelho com o Máscara Negra prossegue, que contrata o Exterminador e um time de vilões para deter o novo oponente, como visto entre Batman 645 e 647, e o Máscara Negra chega a matar o Capuz Vermelho, embora Batman lhe mostra que era apenas um impostor. Enquanto a cidade de Bludhaven é destruída por um bombardeamento (Batman 649), o Capuz Vermelho sequestra o Coringa e põe o Batman num dilema: ou matá-lo ou deixá-lo matar o palhaço do crime, mas o homem-morcego é hábil em usar um batarangue para impedir Jason e o Coringa aciona uma série de explosivos que destrói todo o edifício, em Batman 650, de abril de 2006, por Judd Winick e Eric Battle.

A maneira como Jason Todd sobreviveu estava relacionada à grande saga DC da época, Crise Infinita, na qual houve uma alteração da realidade, e uma das consequências foi Todd reviver (ele tinha realmente morrido), e ele terminou abrigado por Ra’s Al Ghul, e Talia terminou por submetê-lo a um Poço de Lázaro, como revelado em Batman Annual 25, por Winick e Shane Davis.

… e sua versão animada. Melhor em movimento.

Pouco tempo depois, o mesmo Judd Winick adaptou essa saga para o longa metragem animado Batman Contra o Capuz Vermelho, que é um filme excelente, muito melhor do que sua versão original no papel por ser mais direta e compacta.

Revendo as Origens

O sucesso das revistas do Batman continuava muito em alta ali no meio da primeira década do século XXI, especialmente pela altíssima qualidade das recentes histórias de Brubaker e Rucka e da sensação causada pela saga de Loeb e Lee. Ao mesmo tempo, chegava o momento de celebração dos 20 anos da publicação de Crise nas Infinitas Terras, o que era a desculpa perfeita para revisitar as origens do herói, sem falar que uma nova série cinematográfica vinha chegando aí (falaremos em seguida).

Por isso, a DC comissionou Ed Brubaker a recontar o primeiro embate entre Batman e Coringa na realidade pós-Crise (e pós-Zero Hora, também), ainda que algumas histórias nesse sentido tenham sido contadas nas velhas revistas de Secret Origins. Trabalhando ao lado do expressivo desenhista Doug Mahnke, Brubaker foi ao básico: decidiu “simplesmente” criar uma releitura das estonteantes duas histórias do palhaço do crime em sua estreia em Batman 01, de 1940, na graphic novel Batman: O Homem que Ri, lançada no verão de 2005. Repare que a HQ se apropriou do título do filme que inspirou a criação do vilão.

O Homem que Ri, 2005.

Assim, Brubaker e Mahnke contam a mesma trama do Coringa promovendo uma série de assassinatos nos quais anuncia a vítima, a data e a hora e mesmo com o empenho da polícia (e do Batman), consegue realizá-los, colocando um enorme desafio ao cavaleiro das trevas ainda em seus primeiros tempos como vigilante. A maior diferença é a ausência completa do Robin para ajustá-lo à realidade pós-Crise, já que a trama situa os eventos no Ano Um, imediatamente após o que vimos no arco de Frank Miller – que, vale lembrar, terminava com Gordon apresentando ao Batman a primeira evidência do primeiro crime do Coringa, com uma carta de baralho.

A abordagem mais realística e sombria típica dos quadrinhos mais recentes, aliado à qualidade do texto de Brubaker e à ambientação sólida (e sóbria) da cronologia pós-Crise daqueles tempos rendeu uma história sensacional, entre as melhores do personagem nas décadas recentes.

O sucesso dessa empreitada motivou outras iniciativas, com destaque às duas minisséries escritas e desenhadas belamente por Matt Wagner, outro dos artistas independentes trazidos à DC pelo editor Bob Shrenck. A primeira delas foi Batman and the Monster Men (com um título que também remetia ao estilo da Era de Ouro), que traz uma versão moderna, pós-Crise de outra história de Batman 01: o primeiro embate com o Doutor Hugo Strange, e foi publicada em seis partes, entre janeiro e junho de 2006.

Batman diante do túmulo dos pais. Arte de Matt Wagner.

A trama se situa exatamente após os eventos de Batman: Ano Um, o que é explícito por diversas referências, e também mostra que o embate do detetive embuçado com o Capuz Vermelho ocorreu há bem pouco tempo. A história mostra um Bruce Wayne ainda esperançoso de finalizar sua missão em médio prazo e namorando Julie Madison, tal qual nas HQs da Era de Ouro, embora agora ela seja retratada não como uma atriz, mas uma graduada em Direito cujo o pai é um rico empresário que tem ligações não-legais com o mafioso Sal Maroni (sim, aquele que irá deformar o rosto de Harvey Dent e transformá-lo no Duas Caras).

Enquanto mobiliza essa trama de fundo, vemos Hugo Strange manipular seus pacientes no Asilo Arkham para criar gigantes monstruosos que dão um bom trabalho físico ao Batman.

O Monge Louco na arte de Matt Wagner.

A série foi bem recebida e é uma boa história e ganhou uma sequência, também escrita e desenhada por Matt Wagner, ainda melhor do que a primeira, chamada Batman and the Mad Monk (Batman e o Monge Louco), que é uma releitura da aventura de terror publicada em Detective Comics 30 e 31, de 1939, aqui reorganizada como eventos imediatamente posteriores à mini anterior, lidando com a mesma ambientação e personagens.

Wagner aproveitou o mesmo mote da trama original – o primeiro encontro do Batman com um vilão sobrenatural – para explorar os desafios do herói na realidade pós-Crise, no qual até então só havia enfrentado o crime urbano, ao mesmo tempo em que começa a se dar conta do que é o Universo DC (que vai bem além de suas fronteiras em Gotham City) e perceber que sua missão não se encerrará tão cedo, o que terá impactos em sua relação com Julie Madison.

Como para encerrar um ciclo, O Monge Louco deixa bastante claro que se encerra justamente no momento em que O Homem que Ri inicia, criando uma sequência mais lógica e estruturada do que foi o primeiro ano de ação do Batman, associando a ordem de leitura essencial com Ano Um, Os Homens-Monstro, O Monge Louco e O Homem que Ri (e daí para frente se relacionando a O Longo Dia das Bruxas, por exemplo), sem necessariamente desdizer aquelas aventuras dos anos 1980 mostradas em Legends of the Dark Knight, exceto, claro, Acossado, por que também tinha o foco em Hugo Strange e não se alinha à nova narrativa.

A Trilogia Cavaleiro das Trevas nos Cinemas

“Batman Begins” dá início à melhor adaptação cinematográfica do Batman.

No campo multimídia, a boa fase do Batman rendeu uma nova franquia cinematográfica, reiniciada do zero, comandada pelo cineasta Christopher Nolan, que estão entre as melhores adaptações de histórias em quadrinhos para o cinema e foram grandes sucessos. Nolan adotou uma abordagem realista do homem-morcego, contando sua origem nos cinemas em detalhes pela primeira (e única) vez, em Batman Begins (2005), que foi aclamado pela crítica por sua seriedade e bom desenvolvimento, numa bela história que narra como Bruce Wayne se tornou o cavaleiro das trevas (parcialmente inspirada em Ano Um e O Homem que Cai) e envolve um embate contra Ra’s Al Ghul e a Liga das Sombras. Destaque às interpretações de Christian Bale como Bruce Wayne e Gary Oldman como James Gordon.

Coringa versus Batman em um filme excepcional.

As consequências vêm na sequência Batman – O Cavaleiro das Trevas (2008), que se tornou no mais aclamado dentre todos os filmes de super-heróis já feitos, com uma abordagem adulta e profunda sobre a reação do submundo do crime à existência do Batman, a maneira como as autoridades e o público reagem ao cruzado embuçado, ao mesmo tempo em que Gotham é virada de cabeça para baixo pela aparição do Coringa, na avassaladora interpretação de Health Ledger, que tragicamente morreu antes da estreia do filme, mas terminou sendo premiado com o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante pelo papel, ao mesmo tempo em que o longa fez mais de um bilhão de dólares nas bilheterias, sendo o primeiro filme de super-heróis a conseguir tal feito.

Enquanto o anterior é um filme de aventura, O Cavaleiro das Trevas é um triller policial, e combina uma série de elementos de histórias como O Homem que Ri, Ano Um, O Longo Dia das Bruxas e A Piada Mortal, com um roteiro de altíssimo nível.

Ressurge: conclusão da saga.

A saga ganhou sua conclusão em 2012, com Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge, que adapta uma combinação de A Queda do Morcego e Terra de Ninguém, trazendo Bane, a Mulher-Gato e Talia.

A Fase de Grant Morrison

Robin (Tim Drake), Batman e Damian Wayne, o filho de Bruce com Talia. Arte de Andy Kubert.

Em 2006, o aclamadíssimo escritor escocês Grant Morrison – que já havia escrito Asilo de Arkham, em 1989 – assume o comando da revista Batman, junto ao desenhista Andy Kubert, enquanto Paul Dini e vários desenhistas, assumem Detective Comics. Conhecido por sua genialidade, ideias polêmicas e histórias absolutamente complexas, cheias de pistas e de metalinguagem, Morrison promoveu uma longa fase repleta de mudanças até 2011.

Primeiramente, resgatou elementos da história O Filho do Demônio, de 1987, e colocou Talia Head reaparecendo com um menino chamado Damian Wayne, filho de Bruce com ela. Apesar da pouca idade, o rapaz foi treinado pelos melhores mercenários da Liga dos Assassinos e a mãe quer que o pai termine seu treinamento. Como resultado, em médio prazo, Damian termina se tornando o novo Robin.

O Batman na arte de Tony Daniel.

Em seguida, Morrison criou uma longa história em que Batman é perseguido por uma organização chamada Luva Negra, liderada pelo Dr. Hurt. Numa trama bastante complexa, Bruce Wayne se apaixona e é enganado por Jezebel Jet (uma agente da organização) e é quase levado à loucura. No arco Descance em Paz (R.I.P), desenhado por Tony Daniel, o Batman vence a batalha, mas é dado como morto após um acidente de helicóptero. Mas Morrison termina mostrando que o Batman está vivo apenas para “morrer” de novo na grande saga-evento Crise Final, num conflito contra Darkseid.

Batman e Robin na versão louca e genial de Morrison e Quitely. Aqui, o Batman é Dick Greyson.

Em consequência, Dick Greyson se torna o novo Batman, se encarregando de deixar Damian Wayne “na linha”. A revista que mostrava essas aventuras, Batman & Robin, por Grant Morrison e Frank Quitely, se tornou o maior sucesso da DC na época. Obviamente, Bruce Wayne estava vivo – mas perdido no tempo – e após seu retorno, surpreendentemente, Greyson continuou agindo como Batman, enquanto Wayne também vestia o manto. Ou seja, por um determinado período, houve dois Batmen agindo ao mesmo tempo, coordenando suas ações em lugares diferentes.

Bruce Wayne revela que é o financiador do Batman: outras das ideias loucas de Grant Morrison.

Em meio a isso, Bruce Wayne anuncia para o mundo inteiro que ele é o financiador do Batman e lança a Batman Inc., uma iniciativa que busca financiar e treinar vigilantes do mundo inteiro. A revista derivada, Batman Inc. se torna outro grande sucesso, também escrita por Morrison. Esta fase, no entanto, foi interrompida quase bruscamente em agosto de 2011 para dar lugar ao reboot cronológico e editorial da DC Comics.

The New 52: o reboot da DC

Capa de “Batman 700” por David Finch.

As revistas da editora foram zeradas, novas equipes criativas assumiram, personagens foram rejuvenescidos e uma nova cronologia passou a imperar. Entretanto, os editores Geoff Johns, Jim Lee e Dan DiDio insistem que praticamente nada mudou quanto ao Batman. Dentro da lógica do “em time que está vencendo não se mexe”, apenas os personagens que não estavam indo muito bem nos últimos anos foram afetados. Como Batman é o maior sucesso não somente da DC nos últimos tempos, mas do mercado de quadrinhos em geral, aparentemente, sua cronologia foi muito pouco afetada.

A nova “Batman 01”: uma das mais vendidas em setembro de 2011 e parte do reboot da DC Comics.

Ainda assim, foi uma ruptura, pois Grant Morrison assumiu outros projetos, como o reinício da franquia do Superman, de modo que outros escritores passaram a comandar o homem-morcego, inclusive com os desenhistas Tony Daniel e David Finch assumindo também os textos, juntos a outros colaboradores, como a dupla Scott Snyder e Greg Capullo. Até agora, apenas dois números de cada revista do reboot foram lançadas, mas nos dois meses as revistas de Batman estão entre as mais vendidas e sua franquia permanece como a mais lucrativa do mercado de quadrinhos atuais. No mês de setembro, das 20 revistas mais vendidas, seis eram do universo do Batman (na ordem: Batman, Detective Comics, Batman: the Dark Knight, Batman & Robin, Batgirl e Batwoman), além de outros destaques, como as novas revistas da Mulher-Gato e do Asa Noturna.

O grande destaque dessa nova fase foi a revista Batman comandada pela dupla Scott Snyder e Greg Capullo. Logo de cara, o duo colocou o homem-morcego contra novos oponentes, numa trama cheia de mistérios e segredos, muita ação e interessantes reflexões sobre a ligação de Bruce Wayne com Gotham City. O arco A Corte das Corujas (publicada entre Batman 01 a 12, de 2011 e 2012) apresenta uma organização secreta que age na cidade desde sempre e se mostram oponentes formidáveis, tendo como agente principal o Garra, um tipo de zumbi de visual sensacional.

Porém, Snyder e Capullo investiram mesmo foi na relação de Batman com o seu maior rival: o Coringa. Em Detective Comics 01, ficamos sabendo que o palhaço do crime simplesmente pediu para um vilão arrancar a pele de seu próprio rosto. Após ficar um ano desaparecido, o Coringa volta no arco Morte da Família (Batman 13 a 17, de 2012 e 2013) na qual promete matar todos os aliados do homem-morcego porque acha que eles o deixam molenga. O vilão está com uma aparência aterradora, usando seu velho rosto por cima da pele em carne viva.

Depois, Ano Zero (Batman 21 a 33, de 2013 e 2014) reimagina o início da rivalidade do Batman com o Coringa quando este ainda era o Capuz Vermelho, antes do acidente que o transformaria no que é hoje. Por fim, de volta ao presente, vem Fim de Jogo (Batman 35 a 42, de 2014 e 2015) onde teríamos a “batalha final” entre os dois oponentes.

Após esta saga, aparentemente, tanto Batman quanto Coringa estão mortos e cabe ao Comissário Jim Gordon substituir o homem-morcego desta vez, usando uma armadura ao estilo mangá primeiro e, depois, um uniforme mais convencional. Mas claro que Bruce Wayne estava vivo, mas ele reaparece sem memória. Obviamente, pouco tempo depois, ele voltou ao posto de Batman. Na volta, usa um uniforme ligeiramente diferente.

Outro aspecto importante ao Batman dentro do panorama de Os Novos 52 é a nova versão da Liga da Justiça, que ganha uma origem remodelada por Geoff Johns e Jim Lee. Na trama, o Batman é mostrado como o mais experiente dos heróis da DC, tendo surgido um pouco antes dos outros e tido como uma “lenda urbana”. A palavra “super-herói” ainda não existe e na medida em que eles vão surgindo, são temidos pela população e pelas autoridades… até surgir a Liga da Justiça.

A reunião da equipe se dá, nessa realidade, quando Darkseid tenta invadir a Terra e Batman, Superman, Mulher-Maravilha, Flash, Lanterna Verde, Ciborgue e Aquaman se unem para impedir. A aventura também define que os heróis começaram a agir cinco anos antes do presente.

Renascimento: Um Novo Reboot?

Apesar de fazer alguns meses que já foi publicada, não está clara ainda qual é a intensão da iniciativa Rebirth da DC Comics. A editora diz que não é um reboot, mas no evento descobrimos que o Dr. Manhattan (personagem da histórica Watchmen) é na verdade o criador do Universo DC e que isso tem algumas implicações, a principal delas para o Superman: o homem de aço de Os Novos 52 morre em ação, mas descobrimos que o Superman pré-reboot está vivo nesta realidade e toma o lugar de seu antecessor.

Para o Batman a maior implicação desse novo arranjo do Rebirth ainda não foi totalmente explicado: em uma aventura anterior, da Liga da Justiça (mostrada em Justice League 42), o homem-morcego senta na Poltrona Moebius, que pertencia a Metron, dos Novos Deuses. O artefato cósmico tem o poder de fornecer todo o conhecimento que existe no cosmo ao seu usuário. Ao tomá-lo, o cavaleiro das trevas logo pergunta qual é o nome verdadeiro do Coringa e fica sem acreditar na resposta, embora seja mantido o segredo para o leitor. Alguns meses mais tarde (em Justice League 50), o Batman finalmente revela a resposta, em uma conversa com o Lanterna Verde: não há um, mas três Coringas! 

Na edição especial Rebirth 01, vemos o herói pensando sobre o assunto na batcaverna e os desenhos dão a entender que temos o Coringa original dos anos 1940, o outro de A Piada Mortal e aquele da fase de Snyder e Capullo. O que isso realmente significa? O futuro deve responder.

Enquanto o futuro não chega, é importante salientar que Scott Snyder deixou a revista Batman após Rebirth, mas não largou o personagem. O escritor migrou para a revista especial All-Star Batman que conta com os desenhos de John Romita Jr., famoso ilustrador da concorrente Marvel Comics.

Nos Cinemas de Novo: o DCU

Após o fim da Trilogia Cavaleiro das Trevas, o homem-morcego não demorou muito a voltar às telonas. Na esteira do lançamento de Superman – O Homem de Aço, dirigido por Zack Snyder e estrelado por Henry Cavill, a resposta negativa motivou a Warner/DC a arriscar mais e unir seus dois maiores heróis nos cinemas.

Ben Affleck como Batman. Nâo mais?

Assim, em 2016, estreou Batman vs. Superman – A Origem da Justiça, colocando um homem-morcego mais experiente, calejado e raivoso para livrar o planeta da ameaça do último filho de Krypton. Os dois são manipulados pelo vilão Lex Luthor, que cria o monstro Apocalipse (Doomsday) e é preciso a ajuda da Mulher-Maravilha para vencer, ao custo da vida do homem de aço. Ben Affleck é o novo Bruce Wayne e sua interpretação de um Batman mais maduro agradou. A trama do filme também tomou emprestado vários elementos (inclusive visuais) de O Cavaleiro das Trevas de Frank Miller, inclusive seu uniforme e a armadura que usa para bater no homem de aço.

O filme dividiu o público. Por um lado foi um “bom” sucesso de bilheteria – arrecadando 800 milhões (mas eixando um gosto amargo, pois a Warner esperava mais de 1 bilhão) – mas enquanto alguns amaram a visão sombria, pesada e violenta de Zack Snyder, outra parte do público não gostou criticando diversos elementos do filme. Ainda assim, a Warner lançou depois uma versão ampliada do filme, com 3 horas de duração, na qual a trama faz mais sentido.

De qualquer modo, Dawn of Justice foi o pontapé da Warner para finalmente criar um Universo DC integrado nos cinemas (DCU). Depois veio Esquadrão Suicida, que traz vários personagens do universo do homem-morcego, como Coringa, Arlequina, Crocodilo, Katana e o Pistoleiro (Deadshot). Claro que o próprio Batman também faz uma pequena participação especial em cenas de flashback confrontando o Coringa e Arlequina e o Pistoleiro. Mas também há uma cena no presente numa interação entre Bruce Wayne e Amanda Waller. Em 2017 saiu Mulher-Maravilha, dirigido por Patty Jenkins, mostrando as aventuras da princesa amazona nos tempos da I Guerra Mundial, dando o contexto da foto exibida em Dawn. O filme foi mais bem recebido por público e crítica.

A Liga da Justiça foi finalmente reunida na telona em 2017, liderada pelo Batman, que, imbuído de humanidade após o sacrifício do Superman, percebe indícios de que “algo grande” irá acontecer – uma invasão à Terra pelas hordas de Apokolips – e reúne os superseres que tomou conhecimento a partir dos arquivos de Lex Luthor: além do cavaleiro das trevas e a amazona, Flash, Ciborgue e Aquaman. Mas a ameaça se mostra tão difícil que o grupo arma a ressurreição do Superman e vão confrontar o Lobo da Estepe, general de armas de Darkseid (que não aparece no filme, é apenas citado).

Mas a produção do filme foi um caos, com a Warner discordando da visão de Snyder, que terminou demitido durante as filmagens e foi substituído por Joss Whedon (de Os Vingadores), que chegara à DC para fazer um filme da Batgirl. Whedon realizou seis semanas de refilmagens e suavizou o filme, deixando-o menos escuro, sombrio e violento e mais genérico, inclusive, com as piadinhas herdadas do MCU, mas o estúdio manteve a data de lançamento em novembro de 2017 e o público atônito assistiu a um filme desconjuntado, sem identidade e (pior de tudo) inacabado, com efeitos especiais capengas e horríveis.

Rejeitado pelo público, Liga da Justiça arrecadou apenas 600 milhões de dólares e os planos do DCU foram por água abaixo. Batman ganharia um filme solo em seguida, que seria estrelado, escrito e dirigido por Ben Affleck, que é sempre importante lembrar, havia ganho um Oscar de Melhor Roteiro Original (por Gênio Indomável) e de Melhor Filme (por Argo, que dirigiu). Mas pego no fogo cruzado das frustrações com o filme da equipe e vivendo um inferno na vida pessoal (divórcio e crise de alcoolismo), Affleck terminou por desistir do projeto e abandonar o papel e a DC.

A Warner prosseguiu com remendos aos DCU, como Aquaman (este sim, fez mais de 1 bilhão na bilheteria), Shazam, Aves de Rapinas e outros; mas o estúdio abraçou um reboot do cavaleiro das trevas, de modo que o diretor Matt Reeves apresentou The Batman, estrelado por Robert Pattinson, mostrando um vigilante mais jovem, no início da carreira, numa Gotham City de abordagem mais violenta, dura e realista, que em muitos sentidos, dialoga com a visão de Christopher Nolan.

Apesar de lançado em meio à pandemia, em 2022, The Batman fez bastante sucesso e foi elogiado por público e crítica.

O curioso em meio a isso é que, em meio à ausência de produtos originais por causa da pandemia, e atendendo a uma agressiva campanha online dos fãs, a Warner autorizou o diretor Zack Snyder a terminar sua versão do filme da Liga da Justiça, que foi lançado como um filme em “episódios” com 4 horas de duração. Sua versão é mais radical e melhor do que a versão de 2017, porém, é inócua no sentido de que é apenas uma curiosidade.

O estúdio preferiu não se apressar em responder à pergunta: qual dos dois filmes é válido para o DCU, e em vez disso, decidiu seguir o caminho de sua contraparte nos quadrinhos e investir no Multiverso. O filme The Flash, prometido para 2023, mostrará o corredor escarlate bagunçando a linha do tempo e, por causa disso, teremos nada menos do que duas versões do Batman: Ben Affleck retornar para “encerrar” sua passagem e o longínquo Michael Keaton volta ao capuz também.

Há indicadores de que Keaton será o cavaleiro das trevas do DCU dali em diante, mas ninguém tem certeza, ainda que é esperada sua participação no filme da Batgirl.


PS:
Se quiser saber mais do aspecto cronológico do Batman, leia um post do HQRock dedicado exclusivamente à “velha” cronologia do homem-morcego clicando aqui. Se quiser dar uma olhada numa seleção das melhores histórias do Batman, clique aqui. E se quiser conhecer a história da publicação do Batman no Brasil, clique aqui.