Lanterna Verde: termina sendo melhor do que o esperado.

Mais de um mês após sua estreia nos Estados Unidos e carregado de expectativas negativas – pois o filme foi mal avaliado pela crítica e teve um desempenho ruim nas bilheterias ianques – Lanterna Verde, o filme da Warner Bros. que adapta o policial galático mais famoso da editora DC Comics termina não sendo tão ruim quanto parece.

O filme tem uma boa história, não chega a ser um roteiro ruim, talvez o problema seja no campo cinematográfico propriamente dito, pois falta desenvolvimento dos personagens, enquanto os efeitos visuais são excelentes. Mas vamos por partes.

Os efeitos estão excelentes.

Em primeiro lugar, talvez fosse o caso de considerar que o principal problema do filme tenha sido estratégico. A Warner começou a produção cheia de desafios: trouxe um diretor de certo renome – Martin Campbell, de 007 – Cassino Royale – um protagonista famoso e carismático na figura de Ryan Reynolds (embora mais conhecido por comédias românticas) e decisões arriscadas, como fazer a roupa do herói de modo digital, o que envolve muito trabalho de pós-produção. Ao que parece, vários problemas surgiram daí.

O poster: mudanças no uniforme.

Martin Campbell pode ser um bom cineasta, mas não tinha nenhuma afinidade com o material original, os quadrinhos, e sequer conhecia o personagem direito. Depois, o trabalho com os efeitos digitais foi mais trabalhoso do que se pensava a princípio. Resultado: às vésperas do lançamento, os efeitos não estavam terminados e constituiam uma parte fundamental do filme. A Warner teve que acelerar esse departamento para lançar o primeiro trailer, mas aí veio outro problema: como os efeitos não estavam prontos, o trailer foi carregado de cenas “engraçadinhas”, mirando no “público em geral” e não no “público leitor dos quadrinhos”. Isso foi um erro fatal. O público leitor de quadrinhos, os fás (ou fanboys, como eles chamam nos EUA), servem de termômetro de uma produção deste tipo. Se nem eles gostam de um material desse tipo, como chamar atenção dos demais? Fãs felizes fazem “boca a boca” do filme, propaganda espontânea e terminam influenciando sua rede de amigos e contatos, contagiando outros que, à princípio, poderiam sequer se interessar pelo produto. Mas quando a Warner direcionou o trailer para “os demais” perdeu a oportunidade de “encantar” os fanboys e o filme ganhou uma conotação pejorativa: muito humor e pouca ação no trailer.

A roupa do Lanterna Verde foi mudando ao longo da campanha de marketing: erro estratégico.

Ao que parece, a Warner sentiu o erro e o segundo trailer não tinha nada de humor e mais ação, mas mantinha parte do velho problema: os efeitos ainda não estavam finalizados. É impressionante como a dificuldade na finalização chega a dar indícios de amadorismo. Quem se dispuser a pesquisar as imagens liberadas pela produção em sequência temporal – experimente ler os posts do HQRock sobre Lanterna Verde do início para o fim – vai perceber como a roupa se modifica consideravelmente em cada foto. Tudo bem que as imagens do filme não estivessem prontas, é um processo trabalhoso e demorado converter tudo para CGI, mas por que as fotos também não ficaram prontas desde o início? Afinal, o Photoshop é relativamente simples de ser usado e qualquer editor amador poderia ter finalizado aquela roupa. A “evolução” da roupa de Hal Jordan nas fotos demonstra outra coisa: a Warner (ou Campbell? Ou a DC?) não tinha(m) definido(s) qual seria o visual do Lanterna Verde até bem próximo do lançamento do filme. Pode reparar: nas primeiras imagens, a ondulação verde é disforme, formando um tipo de rede energética sobre o corpo, simplesmente; depois, foi mudando para se aproximar do uniforme de Hal Jordan nos quadrinhos, no qual há uma divisão entre o centro do tórax e os flancos e um tipo de cinto.

O herói em seu visual clássico nos quadrinhos.

Essa indecisão também deve refletir outra questão: a Warner iniciou a produção de Lanterna Verde sem a participação direta da DC Comics, afinal são “apenas” quadrinhos. Mas ao longo do processo, a DC, que pertence à Warner, foi reformulada e virou uma empresa maior e mais poderosa – a DC Entertaintment – cujo “chefão” é Geoff Johns, simplesmente, o homem responsável por tornar justamente o Lanterna Verde o maior sucesso da editora depois do Batman e do Superman e ter uma popularidade o suficiente para fazê-lo ganhar um filme para si. Johns, evidentemente, se intrometeu na produção e, talvez, a tenha salvo de uma catástrofre ainda pior. Seu nome aparece como “produtor” nos créditos, mas provavelmente, ele interferiu diretamente no roteiro e até no direcionamento de Campbell. Devem ter surgido ruídos, pois Campbell não foi convidado para realizar uma possível continuação. Não está certo se Lanterna Verde terá uma sequência, mas está certo que, se houver, Martin Campbell não irá dirigi-la.

Qual o resultado disso no filme em si?

Os construtos do filme estão bons e devem agradar às crianças.

Como história de origem, Lanterna Verde não é ruim. Tem as falhas típicas desse tipo de produção: muito espaço para apresentar os personagens; muita coisa acontecendo para um filme só; vários clichês etc. Porém, a história do cara que é um piloto excepcional, mas que tem trauma em relação à morte do pai na mesma profissão; é selecionado para entrar em uma Corporação de policiais intergaláticos justamente no momento em que o mais poderoso inimigo que já enfrentaram está à solta; funciona. A maneira encontrada para levar essa ameaça, chamada Parallax,  justamente para a Terra é boa: o monstro se liberta e se dirige ao centro do Universo, onde fica o planeta Oa, base da Tropa dos Lanternas Verdes; mas no caminho, enfrenta o Lanterna Verde Abin-Sur. Este é mortalmente ferido e encarrega o anel – fonte de seus poderes e sua principal arma – de selecionar um substituto. O anel – que é como um tipo de computador virtual extremamente avançado – escolhe o terráqueo Hal Jordan; Abin-Sur cai na Terra; encontra o piloto; lhe passa o anel e morre. Jordan enterra o alien e foge, mas o Governo encontra o corpo e faz uma exumação. O médico responsável, um cientista meio esquisito chamado Hector Hammond, analisa o corpo, mas termina sendo infectado pela energia amarela de Parallax presente no ferimento de Abin-Sur. Essa infecção transforma Hector em monstro com telepatia e telecinese, que estabelece algum tipo de vínculo com Parallax. Por isso, este percebe que o Lanterna Verde substituto de Abin-Sur está na Terra e, por ser novato, é uma ótima oportunidade de tomar posse de seu anel verde e aumentar seu poder de maneira exponencial.

Hector Hammond é o melhor personagem do filme.

Os efeitos especiais para mostrar essa história são excelentes. O visual é bonito e arrojado, muito bem feito. O leitor de quadrinhos vai se encantar com a representação de Oa, da Tropa, do poder do anel, bem como elementos cronológicos da DC, tal qual Amanda Waller, uma agente do Governo.

O Sinestro de Mark Strong: presença, mas pouco tempo de tela.

Contudo, há problemas. O principal deles é a ausência de um trabalho com os personagens. Como muito já se comentou sobre o filme, o único personagem realmente construído no filme é Hector Hammond, o primeiro vilão. Mas ele sequer é a “atração principal”, apenas um aperitivo. O que chega a ser uma pena. Usar os dois vilões no filme talvez tenha sido um erro, pois Hector, mais do que Parallax, renderia muito mais se melhor trabalhado.

Alguns atores estão muito bem, mas têm pouco tempo de tela para se desenvolver, como o Senador Hammond (pai de Hector) de Tim Robbins e o Lanterna Verde Sinestro de Mark Strong. Bons atores como Geoffrey Rush e Michael Clarke Ducan dublando dois personagens criados totalmente em meio digital, Tomar-Re e Kilowog, respectivamente, dão credibilidade ao filme, mas também têm pouco tempo.

Geoffrey Rush e Tomar-Re...

O protagonista Ryan Reynolds não chega a decepcionar, mas se dá melhor nas cenas cômicas do que nas dramáticas. Talvez não por ausência de talento, mas de direção. O arco dramático de Hal Jordan também é um tanto incompleto. Ele tem o trauma do pai, o que lhe confere um medo que não assume ter e se torna a tônica do filme: o problema não é sentir medo, pois todos o sentem, mas não o superar. Uma lição que ele ensinará à Tropa inteira. Porém, falta crescimento ao personagem e sua mudança de atitude – reconhecida até pelo vilão Hector Hammond – vem rápida demais. Um treinamento maior para o uso de seus novos poderes também não seria mal. Além disso, é mostrada, apenas em uma cena, a família de Jordan, com seu irmão e seu sobrinho, algo que poderia ter sido mais explorado se houvesse mais espaço (com um vilão só, por exemplo).

...Michael Clarke Ducan e Kilowog: credibilidade.

A solução encontrada para acomodar todos os elementos terráqueos da trama também não convence. Hector Hammond, Hal Jordan e Carol Ferris se conhecem “desde criancinha”, o que vale para os pais deles, todos de importância à trama. O fato de uma trama intergalática envolver justamente essa “família” soa forçado.

O romance entre Jordan e Ferris repete alguns clichês e a passagem dela de grande piloto de testes para executiva excepcional é rápida demais. Mas a atriz Blake Lively está bem e sua beleza é realmente uma soma à produção. Problema maior é colocá-la na figura de “donzela em perigo” e, quando rompem com isso, criam uma situação ilógica: para que ela precisaria pegar o anel e jogá-lo a Hal Jordan se o anel se dirige sozinho ao seu dono? Além disso, os leitores de quadrinhos sabem que o futuro reserva algumas surpresas para ela, indicadas no nome e no símbolo que ela usa em seu capacete de piloto.

O casal Hal Jordan e Carol Ferris repete alguns clichês.

Porém, o filme acerta em começar logo no espaço sideral, o que serve para tornar crível tudo o que vem depois. Nesta perspectiva, o que acontece na Terra é apenas um elemento a mais em um universo infinito, o que talvez fosse mais difícil caso o filme começasse na Terra e depois subisse às estrelas. Começar no espaço define a tônica do longametragem.

Mas tendo em vista a expectativa negativa em torno de Lanterna Verde, o filme termina se saindo melhor do que o esperado. Não é excepcional, mas também não é execrável. É mediano, talvez até melhor do que outros “filmes de verão” que estreiam por aí. Resta saber se o público brasileiro vai aderir a esse “estranho” herói (ou seja, não famoso como Homem-Aranha ou Batman), tendo em vista que a expectativa em torno dele é quase zero.

E um alerta: numa “homenagem” aos filmes do concorrente Marvel Studios, espere pelo menos até o início dos créditos finais, mais precisamente até aparecer o título do filme, pois há uma pequena cena que faz um gancho para a possível sequência.

O Lanterna Verde original de 1940: cronologicamente, não há nenhuma relação com Hal Jordan e sua mitologia.

O Lanterna Verde teve sua primeira versão criada em 1940, pelo escritor Bill Finger (também cocriador do Batman) e do desenhista Martin Nodell; mas é a segunda versão do personagem que se tornou mais famosa. O Lanterna Verde é o piloto de testes Hal Jordan, selecionado para fazer parte de uma espécie de força policial intergalática chamada Tropa dos Lanternas Verdes e surgiu nos quadrinhos em 1959 nas mãos do editor Julius Schwartz, do escritor John Broome e do desenhista Gil Kane e, no ano seguinte, ingressou a formação original da Liga da Justiça.

O Lanterna Verde na arte do brasileiro Ivan Reis: sucesso enorme.

Nos quadrinhos, Hal Jordan é o primeiro terráqueo a se unir à Tropa dos Lanternas Verdes desde sua criação, milhões de anos atrás. Com o passar dos anos, entretanto, outros vieram a ingressar as fileiras, como John Stewart, Guy Gardner e Kyle Rayner.

Nos últimos anos, as revistas do Lanterna Verde são algumas das mais vendidas dos Estados Unidos e da DC, graças ao trabalho do escritor Geoff Johns e do desenhista brasileiro Ivan Reis.

O filme é dirigido por Martin Campbell (de 007 – Cassino Royale) e estrelado por Ryan Reynolds (Hal Jordan), Blake Lively (Carol Ferris), Mark Strong (Sinestro),  Peter Sarsgaard (Hector Hammond), Tim Robbins (Senador Hammond ), Geoffrey Rush (Tomar-Re) e Michael Clarke Ducan (Kilowog ). No Brasil, o filme está em cartaz e estreou em 19 de agosto.