John Byrne nos anos 1990.

Nascido na Inglaterra, criado no Canadá e naturalizado nos Estados Unidos, John Byrne se tornou uma lenda dos quadrinhos. Trabalhou com todos os maiores personagens tanto da Marvel quanto da DC e, entre o final dos anos 1970 e o início dos 1990, foi um dos principais nomes da mídia, senão o maior. Escritor de boas ideias, capaz de encontrar soluções intrigantes para problemas de cronologia e, ainda, um desenhista de traço elegante e limpo, Byrne fez sucesso e marcou seu nome de modo indelével nos super-heróis.

Nascido em 1950, Byrne fez parte da terceira geração de artistas criadores dos quadrinhos, com a distinção de serem jovens que cresceram lendo os personagens que depois iriam produzir. Quando adolescente, trabalhou em fanzines até conseguir um emprego na Marvel, em meados dos anos 1970.

Daí, foi o sucesso: a melhor de todas as fases dos X-Men (ao lado de Chris Claremont); uma fase curta e memorável do Capitão América (com Roger Stern); a aclamada longa fase no Quarteto Fantástico; a reformulação do Superman para a DC; a volta à Marvel com os Vingadores, Mulher-Hulk, Namor e Homem de Ferro (este, com John Romita Jr.); uma passagem mais esparsa na DC, com Mulher-Maravilha, Gerações, Superman; e até o roteiro da primeira aventura de Hellboy para a Dark Horse.

Punho de Ferro versus Dentes de Sabre: arte de John Byrne e texto de Chris Claremont.

Vejamos os principais momentos de sua carreira:

Punho de Ferro – Seu primeiro trabalho fixo na Marvel, em 1975; desenhou o título Iron Fist escrito pelo também novato Chris Claremont. Foi nas páginas de Punho de Ferro que surgiu o vilão Dentes de Sabre, mais tarde transformado no arquiinimigo de Wolverine.

Marvel Team-Up – Revista que trazia o Homem-Aranha agindo com algum personagem convidado. Claremont e Byrne firmaram a parceria nesse título, em 1976, com o canadense emprestando o charme de sua arte ao escalador de paredes.

Campeões – Um dos mais bizarros grupos da Marvel, formado por Hércules, Viúva Negra, Motoqueiro Fantasma, Anjo e Homem de Gelo e escrito por Tony Isabella. Os desenhos não salvaram a revista de ser cancelada em 1978.

Capa de "Avengers" com o traço elegante de Byrne.

Vingadores – A famosa velocidade de Byrne para desenhar foi muito útil para trabalhar com grupos de super-heróis. Em 1977, assumiu o título, trabalhando com o roteirista Jim Shooter, que logo mais seria o Editor-Chefe da Marvel. Depois, David Michelline assumiu os roteiros.

Trecho da primeira história dos X-Men desenhada por Byrne. Wolverine ganha destaque imediato contra o Guardião.

X-Men – Claremont e Byrne se uniram mais uma vez, agora com o artista creditado oficialmente como corroteirista. Trabalhando a partir das bases lançadas pouco antes por Len Wein e Dave Cochrum, a dupla transformou os novos X-Men (a segunda geração da equipe, com o original Ciclope liderando os novatos Wolverine, Tempestade, Colossus, Noturno e participações de Banshee, Solaris, Fera, Anjo e, é claro, da superpoderosa Fênix) em um grande sucesso. Entre 1977 e 1981, produziram a mais aclamada fase dos X-Men até hoje, incluindo a criação do Clube do Inferno (com Sabastian Shaw e Emma Frost) e da Tropa Alfa (primeiro grupo de super-heróis canadenses); Wolverine se tornando protagonista da revista pela primeira vez; e os famosos arcos A Saga da Fênix Negra e Dias de um Futuro Esquecido, ambos servindo de base à trilogia da equipe no cinema.

Os X-Men com a Fênix (de verde) encontram Magneto: os melhores momentos da equipe mutante.
O Capitão América em parceria com o roteirista Roger Stern.

Capitão América – Junto ao escritor Roger Stern, em 1980, produz uma das mais lembradas fases do supersoldado da Marvel. Embora curta (os dois entraram em choque o editor assistente responsável), devolveram uma vida social para Steve Rogers, deram-lhe uma nova namorada (Bernie Rosenthal) e firmaram seus laços com o Brooklyn, em Nova York; além de reintroduzir personagens como Barão Sangue, Union Jack e Spitfire na cronologia corrente da editora.

Quarteto Fantástico – Estreando como artista solo (escrevendo e desenhando), Byrne produziu, sem sombra de dúvidas, a mais célebre fase da “primeira família” da Marvel depois da fase original de Stan Lee e Jack Kirby (responsáveis pelas 102 primeiras edições, nos anos 1960). Foi a produção contínua mais longa do artista: seis anos ininterruptos, por volta de 84 edições. Em sua passagem, desenvolveu a personalidade dos membros, deu mais significância ao vilão Dr. Destino e envolveu a equipe em aventuras incessantes em todos os cenários possíveis: dos confins do espaço sideral ao centro da Terra; do mundo dos sonhos à Zona Negativa; do passado ao futuro. Outra marca de sua “gestão” foi a troca provisória (mas longa) do Coisa pela Mulher-Hulk, o que equilibrou a balança de gênero no Quarteto, permitindo (uma de suas marcas) o bom tratamento das personagens femininas.

Quarteto Fantástico: a estreia solo de Byrne (textos e desenhos) rendeu um dos melhores trabalhos já publicados pela Marvel.

Tropa Alfa – Surgidos nas páginas dos X-Men, Byrne foi convencido pelo Editor-Chefe Jim Shooter a escrever as aventuras próprias da equipe canadense, em 1983. O artista renega esse trabalho, mas houve momentos interessantes. Foram 28 edições.

Um Hulk ensandecido enfrenta os Vingadores na curta (mas aclamada) fase de Byrne.

Hulk – Cansado da Tropa Alfa, Byrne fez uma troca com o escritor Bill Mantlo, que assumiu a revista, enquanto o artista foi trabalhar com o gigante esmeralda. Byrne definiu que o Hulk surgiu cinza e só depois tornou-se verde (assumindo um problema de colorização na primeira edição da revista do monstro, em 1962), criou os Caça-Hulks, separou Bruce Banner do golias esmeralda e casou o cientista com a velha namorada Betty Ross. Ah, e pôs o monstro em fúria cega e assassina contra todos os Vingadores. Porém, uma briga com o editor assistente Bob Harras, fez o artista sair da Marvel.

Na DC Comics – Como era free lancer e não contratado, Byrne já tinha feito alguns trabalhos na DC, particularmente, a edição especial The Death of Batman, que mostrava a morte de uma versão envelhecida do homem-morcego.

Capa da minissérie "Man of Steel 01", de 1986: o início da revolução do Superman por John Byrne.

Superman – Após a maxissérie Crise nas Infinitas Terras, a DC reformulou a cronologia de todos os seus personagens. A Byrne coube o homem de aço. Ele mudou totalmente o status quo do último filho de Krypton: Clark Kent se tornou o personagem e o Superman apenas uma máscara; ao contrário de antes, ninguém pensava que o homem de aço tinha uma identidade secreta, afinal, ele não usava máscara, assim, ninguém desconfiava de Clark Kent; Lois Lane continuou apaixonada pelo herói, mas passou a ter certo interesse também em Kent, com os dois rivalizando matérias; o Superman se tornou menos poderoso do que antes (embora ainda o mais poderoso dos heróis) e apenas com os poderes estabelecidos (vôo, força, velocidade, visão de raio-x, visão de calor, supersopro etc.); e Lex Luthor deixou de ser um típico “cientista maluco” para ser um gangster inescrupuloso e rico, que publicamente não é criminoso (pois ninguém tem provas). Além disso, foram eliminados diversos elementos superfluos do universo do homem de aço, como todas as kryptonitas a exceção da verde, Superboy, Supergirl, a cidade engarrafada de Kandor e qualquer outro kryptoniano. Na “versão Byrne”, Kal-El é realmente o “último filho de Krypton“.

Byrne reforçou o aspecto icônico do Superman e ainda pautou um visual clássico para o personagem.

Com isso, ficou estabelecido que a nave de Kal-El caiu em Smallville no Kansas; foi adotado pelo casal Jonathan e Martha Kent (quer permaneciam vivos ao contrário do passado); viveu a infância na pequena cidade (o que manteve personagens como Pete Ross e Lana Lang existindo); e ao fim da adolescência pecorreu o mundo atrás de algum sentido na vida e de saber como ajudar as pessoas com seus poderes. Já adulto e estabelecido em Metrópolis, Clark Kent impede a queda de um ônibus espacial e é flagrado pela imprensa (e por Lois Lane), o que lhe obriga a criar a identidade de Superman. A aparição pública do homem de aço termina sendo a inspiração e o estopim para o surgimento dos super-heróis, de modo que ele se torna a baliza de todo o Universo DC.

Byrne estreou com a minissérie Man of Steel, em 1986, e fez um estrondoso sucesso. Em seguida, assumiu o roteiro das três revistas do herói: Action Comics, Superman e The New Adventures of Superman (ainda desenhando as duas primeiras; a arte da terceira ficou a cargo de Jerry Ordway). Também produziu várias minisséries complementares e edições especiais para firmar a nova realidade do personagem. Trabalhou dois anos quase que exclusivamente com o homem de aço e seu universo.

Apenas desenhando, "Lendas" deu a Byrne a oportunidade de trabalhar com a Liga da Justiça.

Lendas – Esta minissérie firmou o Universo DC pós-Crise nas Infinitas Terras, em 1987, e foi escrita por John Ostrander e Len Wein. Byrne “apenas” desenhou, emprestando seu talento à Liga da Justiça.

Vingadores – Quando Byrne saiu da Marvel, em 1986, seu amigo Roger Stern o substituiu no Quarteto Fantástico. Agora, foi a vez de retribuir: Stern brigou com o editor assistente Mark Gruenwald, saiu dos dois títulos da equipe dos “maiores heróis da Marvel” e Byrne o substituiu. (Stern, coincidência ou não, foi para a DC escrever o Superman!). Byrne assumiu os roteiros das duas revistas dos Vingadores, em 1988: Avengers e Avengers West Coast, desenhando também a segunda, enquanto a arte da primeira ficou com Paul Ryan. Na equipe principal, o artista colocou o Capitão América como único membro fixo, reunindo os outros a partir do perfil de cada missão. Nos Vingadores da Costa Oeste, preocupou-se em dar uma identidade própria ao time, colocando-os em problemas com o Governo dos EUA, que decide impor um membro para liderá-los, o violento Agente Americano. Também resolveu uma série de problemas cronológicos envolvendo o personagem Visão e, com isso, terminou por desencadear os atos que fizeram sua esposa, a Feiticeira Escarlate, ir literalmente à loucura. (Esses eventos seriam retomados 16 anos depois no arco Vingadores: A Queda, que inaugurou o momento atual da Marvel – vide a série História Recente da Marvel Comics, publicada aqui no HQRock em sete partes).

Pin Up dos Vingadores combatendo Ultron, por John Byrne.
Os Vingadores da Costa Oeste ganharam identidade própria com o trabalho de Byrne. Capa do encadernado brasileiro.

Mulher-Hulk – Em 1989, Byrne assumiu três projetos na Marvel. O primeiro foi uma revista própria da prima do incrível Hulk, personagem que o autor sempre adorou que incluíra no Quarteto Fantástico e, também, nos Vingadores. Suas aventuras solo eram marcadas pela comédia, com um tratamento diferenciado no qual Jennifer Walters sabia ser uma personagem de quadrinhos e ficar se comunicando com os leitores o tempo todo, bem como com o próprio Byrne. Foi ousado e bem-feito, mas não rendeu o sucesso esperado.

Namor – O Príncipe Submarino, o primeiro herói da Marvel (criado em 1939) ganhou sua primeira revista solo em décadas e Byrne explorou o personagem de um modo diferente: atuando como um empresário em prol da preservação dos mares. Outro bom trabalho sem o merecido sucesso.

Com desenhos de John Romita Jr., John Byrne escreveu uma boa fase do Homem de Ferro no início dos anos 1990.

Homem de Ferro – Melhor sucedido comercialmente com o “vingador dourado”, o autor fez uma longa passagem com Tony Stark, embora tenha somente escrito os roteiros, e John Romita Jr. assumiu os desenhos, depois substituído por Paul Ryan. Destaca-se o arco Guerra de Armaduras II, mas foi um período muito bom, que culminou com o resgate do vilão Mandarim de forma digna.

X-Men – Em 1991, o ex-parceiro Chris Claremont abandonou os roteiros da equipe mutante após 18 anos e o desenhista Jim Lee, principal nome do grupo, convidou Byrne para escrever as duas revistas: The Uncanny X-Men e a nova X-Men. O autor fez a transição entre o anterior e o novo escritor Scott Lobdell. O maior mérito de Byrne aqui foi explorar o passado de Wolverine de um modo que ninguém tinha feito até então, plantando ideias que levariam ao fim do mistério sobre seu passado.

Mulher-Maravilha – Após um período de menor exposição, Byrne voltou aos holofotes em 1995, escrevendo e desenhando a princesa amazona por três anos, num dos últimos períodos de grande sucesso da personagem.

A Mulher-Maravilha de Byrne foi o último grande sucesso da princesa amazona.

Hellboy – Byrne fez alguns trabalhos para a editora Dark Horse, entre eles, escreveu o roteiro da primeira aventura do filho do inferno criado como herói criado pelo desenhista Mike Mignola. Este arco de Mignola e Byrne foi adaptado ao cinema no primeiro longametragem do personagem.

O crossover entre Marvel e DC em "Batman & Capitão América": história boa e despretenciosa passada na II Guerra.

Batman & Capitão América – Em meados dos anos 1990, a Marvel e a DC conseguiram uma trégua e realizaram uma série de crossovers entre seus personagens. Em 1998, Byrne produziu o encontro entre o cavaleiro das trevas da DC e o supersoldado da Marvel, numa história passada durante os anos da II Guerra Mundial. É uma boa graphic novel, autocontida e uma das preferidas do próprio autor.

Gerações – Baseado na experiência anterior, em 1999, Byrne desenvolveu este projeto, que consistia em mostrar aventuras do Batman e do Superman ao longo das mais diferentes eras, tanto as cronológicas da DC quanto as editoriais (por exemplo, em um encontro passado em 1939, mostrava os personagens exatamente como eram desenhados naquela época). A minissérie foi um sucesso e ganhou duas continuações, produzidas nos anos seguintes.

Em "Spider-Man: Chapter One", John Byrne reconta o "ano um" do Homem-Aranha.

Homem-Aranha – Após o fracasso da longa Saga do Clone, a Marvel decidiu reformular as revistas do aracnídeo e modernizar sua origem. Byrne escreveu e desenhou a maxissérie em 12 partes Chapter One, contando o “ano um” do personagem (na verdade, uma releitura das primeiras aventuras de Stan Lee e Steve Ditko, de 1962 e 1964). Depois, Byrne migrou para a revista The Amazing Spider-Man, desenhando histórias escritas por Howard Mackie, entre 1999 e 2000.

Embora escritas por Howard Mackie, foi ótimo ver a bela arte de Byrne ilustrando o dia a dia Homem-Aranha e seus coadjuvantes.

Hulk – Ainda em 1999, Byrne escreveu os oito primeiros números de uma nova revista do gigante esmeralda, desenhadas por Ron Garney.

X-Men – Também em 1999, o artista iniciou a produção da revista mensal X-Men: Hidden Years, que contava histórias do “período perdido da equipe mutante”, ou seja, eventos entre o cancelamento da revista original do grupo em 1970 e a retomada das histórias com os Novos X-Men, em 1975. O autor afirmou que esse era o projeto mais apaixonante em que se envolvera nos últimos tempos, mas foi cancelado pela direção da Marvel após 22 edições, apesar das boas vendas. Isso deixou o artista furioso e ele nunca mais trabalhou na Marvel depois disso.

Escrever e desenhar histórias dos X-Men em "Hidden Years" era a realização de um sonho de Byrne. O cancelamento da revista o fez romper com a Marvel.
O último trabalho de vulto de Byrne foi desenhando o Superman.

Marvel – The Lost Generation – Similarmente a Hidden Years e publicado de modo concomitante, entre 2000 e 2001, esta maxissérie em 12 partes mostra os eventos do Universo Marvel entre o fim da II Guerra Mundial e o início da “era moderna” com o surgimento do Quarteto Fantástico (que teria ocorrido oito anos atrás em termos cronológicos). Outra parceria com Roger Stern nos roteiros.

Liga da Justiça – Em 2002, Byrne se uniu ao ex-parceiro e ex-desafeto Chris Claremont para produzir um arco de histórias da maior equipe do Universo DC. The 10th Circle foi publicado nos números 94 a 99 de JLA, mas não agradou.

Superman – O último trabalho relevante de Byrne nos super-heróis foi desenhando as aventuras do homem de aço escritas por Gail Simone. A crítica elogiou de mais os seus desenhos, que estavam melhores do que nunca.

John Byrne continua produzindo, investindo particularmente em obras autorais, como The Next Men, porém, não consegue mais se encaixar no mercado de quadrinhos de hoje em dia. Sua fama de “brigão” também afungentou os convites dos editores, mas sua obra irá permanecer como um capítulo fundamental da história dos quadrinhos.