Exato! Houve uma vez em que Beatles e Rolling Stones dividiram o mesmo estúdio e gravaram uma canção. Isso foi em 1967.

Os Rolling Stones e os Beatles, em 1964: no início, o visual das duas bandas era similar.

Bem, na verdade, por “Beatles” temos que entender John Lennon e Paul McCartney, que gravaram suas vozes como backing para Mick Jagger e Keith Richards, no singles dos Stones chamado We love you.

Outra coisa importante a salientar é que não foi a primeira vez em que os dois grupos trabalharam juntos, mas foi a única em que as duas duplas de compositores se reuniram no mesmo estúdio.

Mas, peraí, você deve estar se perguntando… Beatles e Stones juntos? Eles não eram inimigos? Vamos por partes…

Para começo de conversa, as bandas foram amigas desde o começo. Os Beatles surgiram primeiro, lançando seu primeiro compacto em outubro de 1962, enquanto os Rolling Stones fizeram sua estreia em junho de 1963, época em que os Beatles já consolidavam sua liderança em toda a Europa.

Os Rolling Stones em 1966: tentando se destinguir visualmente com um look mais cool.

Mas os Beatles eram frequentadores ativos do Crawdaddy Club, em Richmond, onde os Rolling Stones ganharam fama. Quem foi o empresário dos Stones? Andrew Loog Oldham, um rapaz de 19 anos que havia sido assistente de Brian Epstein, o empresário dos Beatles. Depois, quando Jagger, Richards e cia. precisavam de uma canção para emplacar um sucesso nas paradas, Oldham solicitou uma ajuda a Lennon & McCartney, que doaram I wanna be your man para os Stones, que chegaram ao Top10 pela primeira vez com ela.

Jagger e Richards começaram a compor depois desse evento, pressionados por Oldham, que dizia que eles podiam. E podiam mesmo!

A “rivalidade” surgiu como uma estratégia de mercado. Um golpe publicitário de Oldham. Ele pensou que se divulgasse os Rolling Stones como o oposto dos Beatles, chamaria a atenção do enorme público do quarteto de Liverpool (pois vinculavam sua imagem a eles) e ganhariam a simpatia de eventuais detratores daquela outra banda. Deu certo.

Beatles: Paul McCartney e John Lennon dividem o microfone na turnê mundial de 1966.

As duas bandas continuaram amigas. Em sua famosa entrevista à revista Rolling Stone de 1970, em que abre o verbo contra tudo e contra todos (disponível no livro Lembranças de Lennon), o líder dos Beatles relata que o melhor período da fama foi justamente no início, entre 1963 e 1964, quando Beatles, Stones e The Animals promoviam festas loucas Londres à fora e frequentavam boates e clubes. Em sua recente biografia, Vida (há um review dela aqui no HQRock, em 19/01, leia!), Keith Richards lembra como as duas bandas combinavam as datas de lançamento dos discos para não coincidirem.

Em termos de gravação houve algumas trocas. Em 1966, o guitarrista dos Stones, Brian Jones, e a cantora Marianne Faithfull (empresariada pela banda) participaram do coro da canção Yellow submarine. No ano seguinte, Jagger e Richards visitaram as gravações da épica A day in the life e, inclusive, aparecem em seu videoclipe.

Montagem com os Beatles e os Rolling Stones em 1967: ambas as bandas aderiram ao exuberante visual psicodélico, cheio de cores fortes.
A capa de "Sgt. Peppers" dos Beatles, em 1967.

Ainda em 1967, a capa do antológico álbum Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band, dos Beatles, traz um boneco com a inscrição “bem-vindos, Rolling Stones”, em agradecimento às visitas no estúdio de gravação. Logo, depois, quando os Beatles apresentaram a bela All you need is love ao vivo na TV, Mick Jagger está lá, reforçando o coro, junto com Eric Clapton e Keith Moon. Em agradecimento, os rostos dos Beatles podem ser vistos escondidos em meio aos gráficos da capa do álbum Their Satanic Majestic Request dos Stones.

Também naquele ano, Brian Jones tocou um solo de saxofone na brincadeira anárquica chamada You know my name (look up the number), que só seria lançada em 1969, no Lado B do single de Let it be.

A capa de "Their Satanic Majesties Request" dos Stones, em 1967.

Apesar do ápice de We love you, gravada também no verão de 1967, houve ainda outros encontros. Mick Jagger canta o refrão de Baby you’re a rich man dos Beatles, junto com Lennon e McCartney. Em 1968, John Lennon apareceu como convidado do programa de TV Rock and Roll Circus dos Rolling Stones e tocou a faixa Yer blues com uma banda improvisada com Eric Clapton na guitarra, Keith Richards no baixo e Mitch Mitchell (do Jimi Hendrix Experience) na bateria.

Com o fim dos Beatles, em 1970, houve uma diminuição na troca de “gentilezas” – até porque os Stones deixaram a Inglaterra para não pagar impostos, e passaram a morar em locais como França, Suíça, Jamaica, Barbados ou Estados Unidos.

Mas sabe-se que John Lennon continuou bastante próximo de Mick Jagger e de Keith Richards, sendo um frequentador assíduo da lendária mansão na Riviera Francesa onde os Stones gravaram Exile on Main Street, em 1972.

Raridade: uma foto mostra John Lennon e Mick Jagger tocando juntos em Los Angeles, por volta de 1974.

Lennon e Jagger chegaram até a gravar juntos nos anos 1970.

Quanto à We love you, temos uma canção psicodélica dos Stones, que serve como um agradecimento aos fãs da banda pelo apoio conferido quando foram presos por porte de drogas no início de 1967. O clipe da canção mostra o grupo em um julgamento, parodiando o caso do escritor Oscar Wilde.

Na canção em si, o grande condutor são justamente os vocais de Jagger e os backings de Richards, Lennon e McCartney. Mas há alguns destaques instrumentais, como o piano do músico de apoio Nicky Hopkins, que faz a abertura da canção, a bateria transloucada de Charlie Watts e um sintetizador (teclado com efeitos) também bem louco tocado por Brian Jones no final.

Não é um dos grandes clássicos dos Rolling Stones, portanto, está ausente da maioria das coletâneas e provavelmente nunca esteve no repertório dos shows, mas é um momento curioso do rápido flerte da banda de Jagger & Richards com o psicoldelismo e, obviamente, um momento histórico de quando Mick Jagger, Keith Richards, John Lennon e Paul McCartney cantaram juntos numa mesma canção.